O relato que segue é cópia fiel do que aconteceu comigo em uma das vezes em que fui secretário de meio ambiente do Paraná e ilustra uma ação tão danosa quanto o fogo que, só neste ano, já destruiu 11,5 milhões de hectares no Brasil, uma área maior do que a Holanda
Fui chamado para conter uma invasão de pomba-amargosa nos milharais de seu Antônio, seu Fulgêncio, dona Constantina, Chico, doutor João, seu Andr… Deixa pra lá. O mundo todo estava invadido.
Cheguei lá e o circo estava armado. Numa só revoada, o povinho todo se empoleirou nas cadeiras do sindicato rural.
Quem piou primeiro foi um rapaz chamado Juca:
– Seu Cheida, nós qué licença oficial pra acaba com estas aves!
– Licença de tiro – alguém trinou.
Cocei a parte de trás da cabeça.
– Se o senhor deixa, também tocamo veneno no chão. Não sobre uma – assim gorjeou seu Fulgêncio.
– E se nós der anticoncepcional de graça pra elas? – indagou a avoada Constantina.
Cofiei meu cavanhaque inexistente.
Dessa forma, as horas bateram asas naquela tarde de verão varado de quente, sem nenhuma solução.
Lá pelas tantas, muito milho já comido pelas pombas, um corotinho embarbichado, engruvinhado no batente da saída, pela primeira vez, abriu o bico e assoviou a solução:
– Por que nós não traz de volta o gavião?
Espanto geral!
Claro, porque ninguém pensara antes? Se as pombas aumentaram em número foi porque seu predador natural, o gavião, foi embora… Trazê-lo de volta, além de restabelecer o equilíbrio original, era bem mais fácil e econômico.
Única autoridade presente, coube a mim convencer o penudo a voltar àquelas terra. Provisionado de tal missão, após semanas de buscas, foi dessa forma que a ele me dirigi:
– Os sitiantes requerem sua presença no Norte do Paraná, local infestado de amargosa, a pomba que come de grão de milho plantado a arroz em espiga, passando pela soja caída de caminhão carregado a trigo granado.
O gavião matutou por um tempo. Ficou com aquele bicão pontudo e entortado apontado para mim, os olhos grandes sem piscar nenhuma hora, o corpinho encolhido, como segurasse um jornal embaixo de cada asa.
Andou de um lado para outro, voou um pouquinho, voltou, até que, dando meia rosca no pescoço, me encarou e, finalmente, disse:
– Eu vou! Mas tem uma condição.
– Qual é? – perguntei ressabiado.
– Que eles plantem as árvores. Ninho em poste de telefone eu não faço!
Fui voando dar as boas novas ao bando que, alvoroçado, me aguardava.
Quando relatei a imposição da ave, a indignação foi geral:
– Plantar árvore? Mas nós tiramos elas pra ter lugar de fazer roça, pombas!
– Ele sabe quanto custa cada muda?
– Peraí, gente – eu disse -, ele é só um gavião…
Ninguém queria ouvir.
Assim ficamos naquele chove-não-molha, até que me deu um estalo. Peguei a caneta e, em voz alta, comecei a fazer as contas:
– Se, cada dia, uma pomba comer 5 grãos de milho, em 10 dias ela terá comido 50 grãos. Cada grão comido iria gerar 1 pé de milho. Cada pé tem 2 espigas. Assim, a cada 10 dias, uma só pomba terá impedido 100 espigas de nascerem.
– Isso é mais que praga de gafanhoto! – cacarejou o apavorado doutor João.
– Tragam o gavião de volta, pelo amor de Deus! – grasnaram todos.
Lá de longe, cantando de galo, o gavião trinou:
– Plantem as árvores que vou!
A Natureza é sábia. Parece até que copiou dos livros.
Texto: Luiz Eduardo Cheida, gastroenterologista e hepatologista em Londrina