Segundo vereadora, texto substitutivo apresentado pela Secretaria de Assistência Social é ainda mais restritivo
Na noite desta segunda-feira (16), a Câmara Municipal de Londrina, realizou audiência pública para debater o projeto de lei nº 92/2024, assinado pela vereadora Jessicão (PP), que visa proibir a doação de alimentos prontos para o consumo e in natura em áreas públicas como ruas e praças.
A vereadora Paula Vicente (PT) evidenciou a importância da participação popular nas audiências, estreitando o diálogo entre a população e o poder Legislativo.
“Audiências públicas são sempre muito importantes. É o momento que a gente tem enquanto vereadores para escutar a população, para abrir essa Casa, para que as pessoas tenham voz também. Essa Casa que é a Casa do povo, mas que muitas vezes só nós falamos. É muito importante que as pessoas venham e se manifestem”, reforça.
Ainda, ela destaca a grande adesão à reunião que contou com a presença de representantes de entidades religiosas, historicamente envolvidas em ações de distribuição de alimentos à população vulnerável, e de associações de moradores.
Também compareceram lideranças do Centro de Direitos Humanos de Londrina, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, do programa Nova Trilha, iniciativa que já busca ofertar um espaço unificado para centralizar a distribuição de refeições fornecidas voluntariamente, entre outras organizações.
De acordo com o projeto, a entrega de refeições deve ser realizada exclusivamente em locais, dias e horários designados pela Secretaria de Assistência Social. Durante sessão realizada em março, a parlamentar, autora do projeto, argumentou que a finalidade é regulamentar a entrega de refeições, para evitar o “desperdício” e também a “sujeira” nas ruas.
Para Vicente, a proposta não afeta apenas a população em situação de rua, mas uma parcela muito maior que vive com algum grau de insegurança alimentar, contingente que ultrapassa 4 mil pessoas, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Assistência Social.
“Claramente é um projeto higienista que quer afastar as pessoas em situação de rua, mas vai acabar prejudicando outras pessoas que têm onde morar, mas estão em uma situação de vulnerabilidade, às vezes, tão grave quanto a pessoa que está na rua. São pessoas que muitas vezes, apesar de trabalhar, não consegue alimentar si e a sua família por diversos problemas”, observa.
A vereadora acredita que a audiência contribuiu para os parlamentares compreenderem mais profundamente o projeto e sinaliza a expectativa de que o texto original não avance.
“A gente fica muito no nosso cercadinho e muitas vezes esquece de olhar para fora. A audiência trouxe um outro olhar, conversei com alguns vereadores já que estão com um olhar diferente no sentido de que o projeto do jeito que se encontra não dá para ser votado e aprovado, porque ele, apesar da vereadora autora [Jessicão] falar que é para regulamentar, diz com todas as letras que vai proibir a doação de alimentos prontos ou não”, adverte Vicente.

Nova Trilha
Atualmente, através do programa Nova Trilha, são ofertados 70 banhos e 150 jantares diários para a população em situação de rua, a partir das 15 horas. O programa é operacionalizado por organizações da sociedade civil, mediante colaboração com a Prefeitura.
Integrante do projeto, Alex Alves Ferreira pontua que a organização das políticas que visam oferecer suporte às pessoas em situação de rua é fundamental, mas esta regulamentação não deve representar o cerceamento às doações. Até porque, ele salienta que os atuais programas são insuficientes para atender toda a demanda.
“Nós estamos fornecendo banhos, higiene com dignidade, alimentação. Não que na rua não tenha dignidade, mas assim tem dado certo”, analisa.
“As pessoas ajudam muito. São poucos aqueles que vem com maldade. Como é que eu vou multar uma pessoa que vai levar comida para o morador de rua? Eu queria saber dela [Jessicão], cadê as cobertas para doar para o pessoal? Cadê a [operação] Noite Fria, já que agora mesmo tem muitos estão na rua com frio, sem cobertor, sem nada”, assinala.
A operação Noite Fria realiza o atendimento e encaminhamento de pessoas desabrigadas para acolhimentos institucionais. No final de maio, a Prefeitura de Londrina lançou a segunda etapa da campanha, com 36 vagas temporárias ofertadas pelas instituições parceiras da Secretaria Municipal de Assistência Social, a Casa do Bom Samaritano e a Casa de Passagem Ministério de Missões e Adoração – Associação MMA.
A partir deste mês, foram anunciadas 40 vagas permanentes e 20 vagas adicionais intermitentes, nas ocasiões em que a temperatura ficar abaixo de 10 graus.

“Fome não tem hora”
Edson Luiz de Souza, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua em Londrina, também evidencia a necessidade de ampliação de políticas públicas para atender a população em situação de rua.
“Hoje Londrina não comporta, não tem vaga para os moradores de rua em sua totalidade. Existem poucas vagas e eles querem proibir a pessoa de dormir na rua, sendo que o município não oferece abrigo para essas pessoas”, diz.
“Quero deixar bem claro que nós não lutamos por uma marmita melhor na rua, o que nós lutamos é para que o município crie políticas públicas para que estas pessoas que vivem nas ruas não precisem de marmita na rua, que crie políticas para que as pessoas possam sair das ruas, essa que é a ideia”, ele complementa.
A liderança ressalta o caráter segregacionista da iniciativa que ao invés de garantir maior inclusão e equidade, acaba por camuflar a desigualdade social, retirando a população em situação de rua das áreas centrais e, portanto, de maior prestígio.
“O projeto vai excluir e não incluir. Enquanto existir um brasileiro morando na rua, é porque o direito constitucional deste cidadão brasileiro, está sendo burlado, está sendo tirado. Então, que nós possamos criar políticas públicas. Eu não luto pela marmita, eu não luto pelo cobertor, eu luto para que se crie uma política pública para que essa pessoa não precise ficar lá na praça esperando uma marmita. A política pública é muito muito além. E hoje a política pública desta administração, estão querendo fazer um uma higienização do povo da rua, tirando o pessoal do centro com spray de pimenta, violência”, aponta.
Secretária participa online
A secretária de Assistência Social, Marisol Chiesa, participou da audiência de forma online. À distância, a empresária, que também lidera as Secretárias de Políticas para Mulheres e da Pessoa Idosa, falou por cerca de 10 minutos e aproveitou para lembrar do Nova Trilha.
“O pessoal sentiu falta, apesar dela [Marisol Chiesa] ter entrado por vídeo, mas faltou a presença da secretária para trazer mais explicações sobre a posição da Prefeitura com relação ao projeto”, avalia Vicente.
Ainda, durante a defesa do projeto, Jessicão compartilhou que a Secretária encaminhou uma proposta substitutiva que, segundo ela, é ainda mais restritivo, uma vez que estende a proibição das doações para outras áreas, como campos de futebol.
“Pelo pouco que a vereadora [Jessição] nos mostrou do tal [projeto] substitutivo, ele amplia ainda mais as proibições, o que demonstra que essa secretária e essa secretaria está a serviço de acabar com assistência social em Londrina. Esse é o objetivo dela e ela demonstra isso claramente, por exemplo, não vindo aqui”, afirma.
“A secretária de assistência social atual não me parece uma pessoa técnica, não não me parece tem condições técnicas de atuar na nessa pasta que é tão importante”, acrescenta Vicente.

Os interessados ainda podem fazer sugestões, elogios ou críticas ao projeto, por escrito, até as 23h59 desta terça-feira (17), pelo site da Câmara de Londrina, na aba Atendimento/ Protocolo Online, ou presencialmente na sede da Câmara Municipal de Londrina, no Centro Cívico, das 13 às 19 horas.
Após as manifestações, o projeto será votado pela Comissão de Seguridade Social e pela Comissão de Política Urbana, Meio Ambiente, Segurança Pública, Direitos e Bem-Estar Animal. Em seguida, a matéria seguirá para votação em Plenário, em ao menos dois turnos.
“Nós vamos trabalhar para que o projeto seja, no mínimo, modificado. Se é uma regulamentação que a vereadora [Jessicão] quer, então, façamos a regulamentação com quem de direito que é o poder público, que é a Prefeitura. Ela falou muito de levar para o seu quintal, então, que a Prefeitura leve para o seu quintal e que regulamente, que realmente atenda as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade alimentar, que não é com projetos higienistas e populistas que a gente vai conseguir isso”, finaliza Vicente.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.