Recusa da vacinação é passível de sanção por negligência parental
A vereadora Michele Thomazinho (PL), terceira mais votada no último pleito em Londrina, criou um “termo de recusa de vacina em escola” voltado a pais e demais responsáveis por alunos da rede municipal de ensino.
O documento, disponibilizado no Instagram da parlamentar para download, possui apenas três linhas e solicita informações pessoais dos responsáveis e das crianças, como nome completo, RG, CPF. A intenção é que após o preenchimento, os próprios pais levem o documento nas escolas.
Sem citar as fontes, a vereadora argumenta que não é obrigatório vacinar as crianças contra a gripe no ambiente escolar. A vacina, contudo, foi incluída no Plano Nacional de Imunização em fevereiro deste ano, para crianças de 6 meses a menores de 6 anos.
Todos os imunizantes incluídos no Plano Nacional de Imunização são obrigatórios, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Novamente sem apresentar provas, a vereadora, que é apoiadora de Jair Bolsonaro (PL), defende que há uma “perseguição por conta da imposição da vacina”.
Em entrevista ao Portal Verdade, Mario Lobato da Costa, médico formado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), especialista em Pediatria, com mestrado em Medicina também pela UFPR, servidor aposentado do Ministério da Saúde e membro do Fórum Popular de Saúde do Paraná, lembra que a primeira vacina foi desenvolvida há mais de 200 anos.
Em 1796, o médico inglês Edward Jenner criou o imunizante contra a varíola. Após consecutivos aperfeiçoamentos e aplicação em larga escala, a vacina contribuiu para “praticamente erradicar a varíola da face da Terra”, assinala.
Ele retoma a história da vacinação para ressaltar a importância dos imunizantes a fim de salvar vidas. “Fica fácil ver que as vacinas nos acompanham já faz mais de dois séculos e tem ajudado a humanidade a se ver livre de uma série de doenças, diminuem a mortalidade, as sequelas de doenças”, evidencia.
Costa, que também já foi diretor de Sistemas de Saúde da SESA (Secretaria Estadual de Saúde) e integrante do CES-PR (Conselho Estadual de Saúde do Paraná) cita outras doenças graves que foram praticamente erradicadas através da vacinaçåo, como a poliomielite, o sarampo, a rubéola, evitando, inclusive, a transmissão desta última de mãe para filhos durante a gravidez.

Programa Nacional de Imunizações
Ainda, o médico recorda que o Programa Nacional de Imunizações foi instituído no Brasil em 1973 e é considerado um modelo para o mundo. Ao longo das últimas cinco décadas, a política pública passou por uma série de transformações – e governos – mas manteve-se fundamental para proteger a população contra doenças graves e preveníveis através da vacinação.
O programa, sob responsabilidade do governo federal, visa garantir o acesso gratuito às vacinas recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para toda a sociedade.
“Foi mantido e aperfeiçoado continuamente independente do regime e das marés políticas vigentes no país. Conseguimos alcançar números recordes de imunização, estabelecer logística sofisticada para aquisição e distribuição das vacinas. Temos uma chamada ‘rede de frio’ que nos permite enviar e conservar os imunizantes em todo o território nacional”, indica.
Brasil é referência na certificação de vacinas
O pesquisador observa que, em escala mundial, o Brasil possui um dos sistemas mais qualificados para verificação de segurança das vacinas. De acordo com ele, mesmo as vacinas já certificadas por organismos de outros países são submetidas a nova análise pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) antes de serem incorporadas ao Programa Nacional de Imunizações.
Extrema-direita e o crime contra a saúde pública
Apesar de todos os avanços, Costa alerta que nos últimos anos, com a ascensão de governos de extrema-direita, cuja uma das estratégias é a negação da ciência, os índices de vacinação despencaram.
“Muitos políticos, de forma inescrupulosa, utilizam a sua posição anticiência para “lacrar” e fazer valer a sua posição política. Este tipo de postura pode ser taxado de criminoso. Crime contra a saúde pública e contra a humanidade”, avalia.
Tentando conter essa ofensiva negacionista, o STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu que a vacinação infantil é considerada obrigatória em três cenários: inclusão no Programa Nacional de Imunizações, previsão em lei e por determinação de autoridades sanitárias.
“Então, o alegado ‘direito de escolha’ apregoado pela vereadora Michele não encontra respaldo na lei. Quando as pessoas atuam contra a vacina, estão atuando contra a própria sociedade, estão colocando as crianças, os idosos e os portadores de comorbidades e imunodeficiência em risco de vida”, adverte.
“Todos os medicamentos, vacinas e fármacos podem apresentar efeitos colaterais. A questão é que o percentual de efeitos colaterais das vacinas é infinitamente baixo quando comparado com os benefícios para a sociedade. Existem inúmeros relatos falsos de efeitos adversos de vacinas que tem sido sistematicamente desmentidos, mas continuam circular pelo submundo da desinformação nas redes”, ele acrescenta.
O ataque às vacinas não se restringe a Londrina. Conforme informado pelo Portal Verdade, em fevereiro último, ocorreu na ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná), audiência pública intitulada “Não à obrigatoriedade da vacina Covid-19”. A intenção do encontro foi debater a proibição da aplicação das vacinas, principalmente em crianças, e o fim da obrigatoriedade do passaporte sanitário. O CES-PR chegou a publicar um manifesto repudiando o evento e as campanhas de desinformação (relembre aqui).
No início de abril, o governo do Paraná anunciou que as escolas públicas e 500 estabelecimentos privados teriam campanhas de vacinação até o dia 31 de maio. O objetivo é atingir as coberturas vacinais contra influenza, febre amarela e covid-19. Também estão programa as vacinas pentavalente, pneumocócica 10, poliomielite, DTP e HPV – as programações dependem do planejamento das escolas e das secretarias municipais da Educação.
A vacinação nas escolas de Londrina será apenas contra a gripe, segundo a Secretaria Municipal da Saúde, e deverá ocorrer em maio.
“A Organização Mundial da Saúde calcula que a vacinação em massa evita de duas a três milhões de mortes anualmente e poderia salvar mais 1,5 milhão de vidas se sua aplicação fosse ampliada. São impedidos, mundialmente, ao menos quatro falecimentos por minuto todos os anos. Gostaria de saber o que a vereadora Michele tem a comentar sobre o certificado falso de vacina providenciado pelo seu correligionário Bolsonaro, ex-presidente inelegível e indiciado”, finaliza.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.