“Ratinho Junior deve e nega.” “Ratinho Junior, pague o que nos deve.” “Data-base já!” Essas são algumas expressões exortando o governador do Paraná a repor a defasagem de 47% provocada nos últimos sete anos. Um ato público foi realizado na terça-feira (dia 10) e reuniu diversos sindicatos de diferentes categorias do funcionalismo paranaense, da ativa aos aposentados; da saúde à educação.
Durante o ato, fiz uma fala, abordando a precarização do professor universitário no estado do Paraná, em especial, a condição do professor temporário, minha condição. Estamos na vala entre os estatutários e os celetistas. A precarização do temporário – sem concurso público que atenda à real necessidade das universidades – afeta a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Ressaltei que esse é um projeto político da direita. Um projeto perverso.
Fui abordado por uma servidora aposentada que disse ser de direita e não estava ali para ouvir o que eu disse. Nenhuma surpresa e algum espanto. Nenhuma surpresa, servidor colocar-se como direitista. Algum espanto, isso vir de professora. Perguntei se ela defendia os direitos trabalhistas e os trabalhadores, ela disse que sim. Devolvi afirmando que ela era – portanto – de esquerda, porque a direita defende o contrário. Ela rechaçou esse conceito, insistindo que a direita também defende o trabalhador e apontou que o governador Ratinho Junior teria relações esquerdistas. Em qual realidade paralela isso ocorreria?
Infelizmente, o caso dessa professora que se diz de direita – falou com certo orgulho ser do bolsonarista PL – não é ponto fora da curva. Quem deveria atuar na perspectiva da formação da consciência de classe não tem, muitas vezes, consciência da sua própria classe, nega a sua própria realidade. Como chamar de educador quem não domina – nem para ensinar – conceitos básicos que lhe afetam a vida e a própria pele? Ela sobre a defasagem dos 47% que o governador da direita paranaense nega em pagar.
Tudo isso não é causa. É consequência de um projeto político – de direita e perverso – que esvazia a rede pública de ensino de sentidos que interferem na vida de professores e estudantes. Os sintomas desse tumor são a violência contra o professor; o ódio a conteúdos sobre sexualidade e gênero, raça e etnia, diversidade religiosa; ódio sobre conteúdo que trata da luta de classes. A perseguição a docentes que não cumprem a plataformização é real, adoece e até mata. Trata-se de um projeto para formar o filho do pobre como mão de obra barata e obediente.
Nesse contexto, sobem ao ringue dois elementos não menos importantes: o recorte de classe social e o identitarismo. Quem luta para manter os privilégios que seu segmento sempre teve defende, arduamente, que a questão econômica deve se sobrepor à identidade. Para esses, a exclusão se dá pela pobreza e que a desigualdade não ocorre por questões que passam pela raça/etnia, sexualidade/gênero ou deficiências.
Um grande defensor do elemento classe social é o sindicalismo. Em reuniões de sindicatos das quais participei, falaram (eu ouvi) que era difícil abordar projetos políticos – dando nomes, citando partidos, diferenciando correntes político-ideológicas – porque isso poderia criar animosidade com a categoria, por causa de gostos individuais e ideologias pessoais. A luta já foi mais coletiva. A prática histórica de votar em pessoas e não em projetos políticos dá frutos podres até hoje.
Em sua história, o sindicalismo brasileiro não conseguiu fazer com que o seu filiado tivesse minimamente o discernimento entre esquerda e direita; conservadorismo e progressismo, o que resulta em distorções como estatuário com estabilidade que defende estado mínimo; celetista que nas negociações defende o interesse do patrão; desempregado que defende a livre negociação.
Historicamente, a tarefa do sindicalista não foi fácil e o sindicalismo ainda sofre com a i) criminalização pelos veículos de comunicação, porta-vozes dos interesses elitistas; ii) demonização por causa das greves e manifestações que paralisam serviços; iii) cooptação de trabalhadores pelo discurso fácil do esforço pessoal para “enricar” e que sindicato é coisa de gente vagabunda.
O sindicato é um espaço necessário para a construção da consciência, porque está na linha de frente da luta de classes que ocorre com o patronato todo dia. O dia todo. Se o sindicalismo se furta de fazer isso, por medo da reação da base, quem o fará? A escola sempre foi instrumento do pensamento para a doutrina dominante. A igreja deu provas que tem dificuldade em conviver com os ensinamentos de Cristo. A família que deveria educar, terceiriza para a rede de ensino, desde que não aborde temas “proibidos”.
A pensadora Simone de Beauvoir no livro “O Segundo Sexo”, lançado em 1949, aborda a condição feminina, sendo referência para o movimento feminista. No livro, ela tem uma frase que trata da relação de opressão dos homens para com as mulheres, que se encaixa perfeitamente nas provocações aqui propostas. “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.”
Reinaldo Zanardi é jornalista, professor da UEL, diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná