Além de descontinuidade de programas, aumentando a desproteção de grupos já vulneráveis, entidades assistenciais conveniadas alertam para demissão em massa de funcionários
A previsão de cortes nos recursos da Secretaria de Assistência Social para 2026, anunciado pela Prefeitura de Londrina, levará à extinção de diversos programas voltados à proteção de grupos vulneráveis, aumentando a pobreza e exclusão social.
Projeto de lei que estabelece a LOA (Lei Orçamentária Anual) enviado pelo Poder Executivo à Câmara de Vereadores, aponta uma redução de quase R$ 17 milhões para o próximo ano, diminuindo o orçamento da pasta de R$ 134 milhões para R$ 117,7 milhões. O montante representa 12,6% a menos em comparação a este ano.
O valor também é inferior ao orçamento de 2024, quando o recurso destinado à Secretaria foi de quase R$ 124 milhões. A redução inverte o padrão de crescimento médio anual de aproximadamente 12,45% observado entre 2022 e 2025.
Lygia Bordonal, assistente social, representante do Conselho Municipal de Assistência Social e do Senalba (Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado do Paraná) classifica o corte como um “retrocesso profundo”.
“Menos investimento significa mais famílias desamparadas, mais vulnerabilidade e o enfraquecimento de uma política pública essencial que garante direitos e dignidade ao povo”, diz.
Ela ressalta que o corte irá reproduzir um ciclo de exclusão, já que sem o atendimento das políticas assistenciais, famílias de baixa renda ficarão ainda mais dependentes de benefícios, que também serão descontinuados.
Além disso, a diminuição de recursos também refletirá na folha de pagamento das entidades assistenciais conveniadas, causando a dispensa de funcionários. A liderança evidencia que as equipes já estão operando com número insuficiente de trabalhadores e a redução intensificará a precarização, além de aumentar o tempo de espera em filas, prejudicando o atendimento à população.
Atualmente, já há famílias esperando cerca de dois meses para a inclusão no CadÚnico (Cadastro Único). O instrumento coordenado pelo Ministério da Cidadania tem como objetivo identificar e caracterizar as famílias que estão sobrevivendo com baixa renda, sendo um pré-requisito para participação em mais de 30 programas e serviços disponibilizados pelo governo federal.
“Trabalhadores, pais e mães de famílias perderão o trabalho, famílias que são atendidas pelos serviços não terão mais atendimento. Isso aumentará na procura bom benefícios socioassistenciais, mas que benefícios? Já que os benefícios municipais foram cortados em cerca de 43%, e para acessar o Bolsa Família é necessário ter o CadÚnico, que também será afetado com o contingenciamento”, alerta.
Economia solidária
Uma das áreas mais afetadas é a economia solidária, cuja estimativa é a redução de R$ 1 milhão para R$ 270 mil.
A área conta, hoje, com 15 funcionários e para 2026 estão garantidos apenas quatro trabalhadores para atender toda a demanda.
“O trabalha da economia solidária traz protagonismo para os usuários, para as famílias que são atendidas por esse serviço. Os trabalhadores desse serviço fazem todo um trabalho incentivando a participação e identificando as potencialidades de cada um. Hoje, a economia solidária no município de Londrina é referência nacionalmente; e agora, de uma hora para outra, esses trabalhadores terão que chegar para esses usuários e comunicar o corte nos serviços, porque com esse recurso não será possível manter todos os grupos que são acompanhado atualmente”, adverte Bordonal.
Movimenta CRAS
Outro programa impactados é o Movimenta CRAS, criado em 2022, durante a gestão do ex-prefeito Marcelo Belinati (PP). A iniciativa tem como finalidade fortalecer o trabalho desenvolvido nos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) de Londrina em parceria com a EPESMEL (Escola Profissional e Social do Menor de Londrina).
O programa complementa o PAIF (Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família), promovendo o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, com foco na autonomia, cidadania e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Segundo a coordenação do Movimenta CRAS, atualmente, a ação atua nas áreas urbanas e rurais de Londrina, alcançando cerca de 2 mil famílias por mês.
“A parceria com a EPESMEL assegura uma metodologia consolidada e uma equipe qualificada, garantindo resultados consistentes. A continuidade do Programa Movimenta CRAS representa um investimento direto na autonomia e no desenvolvimento do cidadão, fortalecendo sua capacidade de superar situações de vulnerabilidade e reduzindo a dependência de benefícios assistenciais”, informa a coordenação.
Ainda, segundo a gestão, o programa tem contribuído para uma mudança significativa na percepção sobre o CRAS, que passou a ser reconhecido não apenas como um espaço de acesso a benefícios, mas como um ambiente de acolhimento, desenvolvimento e oportunidades. “As famílias têm ocupado o CRAS em busca de oficinas, atividades formativas e ações voltadas à inserção produtiva e geração de renda, promovendo assim autonomia, qualidade de vida, dignidade e participação social ativa”, indicam.
Programa Migrantes, Refugiados, Apátridas e suas Famílias
Outra ação que está ameaçada é o programa que oferta atendimento para pessoas em situação de migração, refúgio e apátridas que estejam em vulnerabilidade. A iniciativa auxilia em serviços como a regularização migratória, emissão de documentação civil, orienta no acesso a direitos sociais, incluindo, emprego e renda. O programa é realizado em parceria com a Cáritas de Londrina.
“Todos os serviços, quando recebe algum migrante recorre a Cáritas, entidade que oferta o serviço atualmente, seja para auxílio com a documentação, com traduções, e inúmeras outras situações. A partir de 2026 o que faremos? Então, acredito que todos os serviços serão afetados. Não podemos esquecer de olhar para o migrante, que está sendo invisibilizado com isso, que já chegou em outro país, com todas as diferenças culturais, muitas vezes em grande sofrimento, ele irá recorrer a quem?”, questiona Bordonal.
Hoje, são realizados cerca de 1,5 mil atendimentos por mês. O fechamento do serviço também levará à demissão de seis funcionários.
Reunião com secretária
Conforme informado pelo Portal Verdade, no último dia 1º dia outubro, o Conselho Municipal de Assistência Social realizou uma reunião extraordinária para discutir o contingenciamento de recursos. O encontro contou com a presença de representantes das diversas entidades que compõem o Conselho, além de trabalhadores que atuam no segmento e usuários das políticas de assistência. A secretária de Assistência Social, Marisol Chiesa, também participou (relembre aqui).
“Na reunião não tínhamos informação do que seria cortado, apenas a informação que estava sendo analisado como seria administrada essa situação, mas um posicionamento ainda não havia sido repassado para o Conselho Municipal de Assistência Social”, pontua.
No encontro, as organizações apontaram a necessidade de envio de um novo texto, revertendo os cortes, mas até o momento não houve a sinalização por parte da Prefeitura de que o projeto que tramita na Câmara de Vereadores será substituído.
Abaixo-assinado e reunião pública contra o desmonte
Um grupo de profissionais da Assistência Social de Londrina criou um abaixo-assinado alertando para o “desmonte” da área sob a gestão de Tiago Amaral (PSD). A petição já ultrapassou 1 mil assinaturas. Confira aqui.
O coletivo, com apoiadores de outras áreas e da sociedade civil, também está convocando uma reunião pública na próxima segunda-feira (13) a partir das 9h na Câmara Municipal de Londrina.


Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.












