Informação sobre ganhos entre 2008 e 2015 foi dada pela defesa do deputado no processo em que ele é réu
A defesa do deputado estadual Ricardo Arruda (PL) informou à Justiça que ele recebeu cerca de R$ 70 milhões entre 2008 e 2015, de forma lícita, mas o parlamentar declarou menos de 5% deste valor à Justiça Eleitoral nas três eleições em que concorreu. O valor pode ter sido gasto por Arruda e não ter sido declarado por esse motivo, o que não foi esclarecido pelo parlamentar. A assessoria do deputado e sua defesa foram procuradas na semana passada pelo Plural, mas até a publicação dessa matéria não houve posicionamento sobre o assunto.
O recebimento de cerca de R$ 70 milhões foi informado pelo advogado de Arruda, Jeffrey Chiquini, em novembro de 2023, no processo em que o deputado é réu suspeito dos crimes de de associação criminosa, desvio de dinheiro e tráfico de influência. Para a defesa, o valor recebido de forma lícita reforça a ideia de que Arruda não precisa praticar atos de corrupção. A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) foi informada na semana passada sobre o processo. Arruda não pediu o trancamento da ação e disse que tem certeza de sua absolvição.
“Em uma conta manifestamente grosseira e sem as atualizações necessárias, o peticionário (Ricardo Arruda) recebeu, de maneira absolutamente lícita, com base em contratos, mais de R$ 70.000.000,o (setenta milhões de reais) no período de 2008 a 2015, o que torna absolutamente inacreditável a imputação contida na denúncia de mov. 1.2, por meio de qual o Ministério Público sustenta que Ricardo Arruda Nunes teria se envolvido em esquema de corrupção para recebimento de quantias infinitamente inferiores àquelas que sempre recebeu de maneira legal”, sustentou a defesa do deputado no processo.
Segundo a defesa, na década de 1990 Arruda foi presidente do Banco Crédito Metropolitano S.A., “o que, por razões óbvias, lhe rendeu grande quantia de dinheiro”. Em seguida, relatou a defesa, Arruda se tornou sócio das empresas M.T. Media Broadcasting Network Publicidade Ltda. e Salomon Comunicação e Consultoria Ltda., “que por sua vez, assegurou a continuidade de recebimento de grandes quantias em dinheiro, por conta do fechamento de diversos contratos multimilionários”.
Após um desacordo financeiro entre uma das empresas de Arruda e uma empresa de seguros, o deputado “acabou tendo suas contas bancárias bloqueadas, em virtude de decisões proferidas pelo Poder Judiciário do Estado de São Paulo, (…) motivo pelo qual deixou de receber valores em suas contas bancárias” e “encontra barreiras para abertura de novas contas bancárias em virtude de ter sido presidente de instituição financeira”, segundo a defesa. “No entanto, Ricardo Arruda Nunes continuou recebendo as importâncias que lhe eram devidas e lícitas”.
Declarações
A declaração de bens de candidatos é determinada por lei, com o objetivo de dar mais transparência ao processo eleitoral e controlar o volume de doações que eles podem fazer às suas próprias campanhas. Com a declaração, também é possível acompanhar a evolução patrimonial de candidatos e eleitos e identificar eventuais discrepâncias.
Na campanha de 2014, quando Ricardo Arruda foi eleito pela primeira vez para o cargo de deputado estadual, ele declarou um patrimônio de R$ 2.860.634,78 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 4% dos R$ 70 milhões que ele teria recebido entre 2008 e 2015.

Em 2018, quando foi reeleito, o deputado declarou bens no valor total de R$ 2.694.047,09, cerca de 3,8% dos R$ 70 milhões informados por sua defesa. Em 2022, em sua terceira eleição, o valor caiu para R$ 1.405.433,78, aproximadamente 2% dos R$ 70 milhões informados pelo advogado do deputado ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Na sua mais recente declaração à Justiça Eleitoral, em 2022, Arruda informou ter uma casa em São Paulo, um veículo Hyundai, um relógio Rolex, participação societária na empresa R2CP Participações e em empreendimentos em São Paulo e Angra dos Reis (RJ), além de uma pequena quantia em dinheiro. Os dados sobre os bens declarados pelos candidatos são públicos e podem ser acessados no Divulgacand, o portal das eleições do TSE.

O Plural entrou em contato na semana passada com a assessoria de Ricardo Arruda e com o advogado Jeffrey Chiquini, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.
O que dizem especialistas em Direito Eleitoral
Um advogado especialista em Direito Eleitoral ouvido pelo Plural sob condição de anonimato afirmou que, se o candidato recebeu recursos como pessoa física e não os declarou ao TSE, pode ter cometido os crimes de fraude na declaração em documento público, sonegação fiscal, abuso de poder econômico e abuso de poder político. “Todo patrimônio da pessoa física precisa de declaração, para acompanhamento da evolução durante e depois do mandato. Qualquer omissão é fraude para dificultar acompanhamento da evolução patrimonial”.
Também especialista em direito eleitoral, o advogado Moisés Pessuti disse que todos os bens, bloqueados ou não devem ser declarados por candidatos. “Bens bloqueados ou não devem ser declarados quando da declaração de bens para fins de candidatura. O ‘problema’ é que não há uma penalização para ocultação de bens nessa declaração”, afirmou.
“Ela é apenas discriminatória e serve para ‘dar conhecimento’ à população dos bens que o candidato tem. Isso veio para que possa ser feito o ‘controle popular’ no sentido de se o candidato aumentou ou não patrimônio de uma eleição para outra. A declaração também serve para que se saiba se o candidato tem bens e rendas para, por exemplo, ter condições de investir na própria campanha”, disse Pessuti.
Um caso recente foi o de Pablo Marçal, candidato à prefeitura de São Paulo no ano passado, que deixou de declarar R$ 22 milhões de seu patrimônio ao TSE. A defesa do candidato do PRTB fez uma retificação à Justiça Eleitoral. Pela jurisprudência do TSE, o candidato que não declara a totalidade de bens só é punido se ficar comprovado que se trata de um caso com potencial lesivo.
Fonte: Plural