Na polarização política, existe uma confusão que prejudica, principalmente, os trabalhadores e as trabalhadoras. Trata-se do guarda-chuva ideológico que resume, de forma simplista, direita e esquerda. Esse conceito passa pela defesa do papel do estado na economia. Se você defende um estado mínimo, sem intervenção no mercado, você tem uma posição ideológica de direita. Se você defende um estado forte, que regule a atividade econômica, sua posição ideológica é de esquerda.
Regular a atividade econômica pressupõe estabelecer, por exemplo, leis trabalhistas, regras para a carga horária de trabalho, piso salarial, horas extras, descanso semanal, benefícios assistenciais e outros itens que afetam a qualidade do trabalho. Fazer essa defesa é coisa de esquerdista. Defender o contrário, que empregado e empregador negociem em pé de igualdade é coisa de direitista. Patrão e empregado só negociam em pé de igualdade com organização sindical forte.
Então, caro leitor e cara leitora, se você defende tudo o que citei acima, seu perfil ideológico é de esquerda. Se mesmo assim, você gosta de se dizer de direita, deve estar confundindo isso com conservadorismo e progressismo. Essa discussão passa pelas pautas de costumes, que têm um viés moral em sua base, geralmente contaminado pelo dogma religioso.
De forma simplificada. Se você é contra i) a liberação do aborto, ii) a descriminalização das drogas; iii) o casamento igualitário; iv) a adoção de crianças e adolescentes por casais LGBTs, você é conservador. Se você é favorável a essas medidas, você é progressista. Agora, se você é contra alguns itens e favoráveis a outros, você é meio conservador ou meio progressista. Não é uma fórmula exata.
Por que essa diferenciação conceitual é necessária? Porque há muito trabalhador e muita trabalhadora colocando-se em um espectro quando na realidade sua base ideológica é outra. Arrisco dizer que há muita gente que se diz direita, quando na verdade é de esquerda, mas conservadora. E isso é importante porque é dessa confusão – ou não – que se as pessoas elegem seus deputados e senadores.
Nos últimos meses, o Governo Federal está enfrentando o Congresso Nacional. Na pauta, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que mudou pela terceira vez. O governo aumentou o IOF para a compra de moeda estrangeira e para depósitos em contas internacionais. O valor subiu de 1,1% para 3,5%. Aumentou também o IOF dos cartões de crédito e débito internacionais. A alíquota passou de 3,38% para 3,5%. No entanto, o Congresso derrubou esse aumento, mesmo tendo acordado anteriormente.
No Brasil, quase 70% dos brasileiros ocupados – segundo o IBGE – vivem com até dois salários mínimos. São trabalhadores assalariados ou não que podem ser considerados pobres, ou seja, a maioria dos brasileiros. Esse trabalhador não compra moeda estrangeira nem faz depósito em conta internacional nem usa cartão de crédito e de débito internacional. Ou seja, o aumento do IOF afeta a classe média e ricos, gente barulhenta, que é amplificada pelos veículos tradicionais da imprensa.
O Congresso Nacional aproveita-se desse barulho classista, cheio de privilégios, para dizer que o povo não aguenta mais impostos, para interditar o debate sobre taxação de grandes fortunas, ou seja, cobrar mais de quem ganha mais. E a redução do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil ainda não está em debate pleno no Congresso. Deputados e senadores dizem que o governo está criando polarização social quando fala em tributar os mais ricos. Isso é uma mentira. A polarização social existe nos indicadores sociais. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo.
O Congresso Nacional defende os mais ricos, porque é majoritariamente de direita e conservador. Pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta quarta-feira (dia 2, mostra que a maioria dos deputados – 70% – são contra o fim da escala de trabalho 6×1 e 53% dos deputados apoiam os supersalários. Surpresa zero, não é? Sabe por quê? Porque dos 594 parlamentares – 513 deputados e 81 senadores – 273 são empresários e 160 são fazendeiros. Ou seja, 72% dos parlamentares não são trabalhadores enquanto categoria.
E aqui, retomo os conceitos de direita/esquerda e conservadorismo/progressismo. Como avançar em direitos e proteção trabalhistas e taxação dos mais ricos, se muitos trabalhadores e trabalhadoras – que se dizem de direita – ajudam a eleger quem vai atuar contra os seus direitos. É urgente que a classe trabalhadora faça uma reflexão sobre suas posições ideológicas que interferem na escolha do projeto político. Esse Congresso Nacional de direita, decididamente, não representa os mais pobres. Ser pobre e orgulhar-se de ser de direita é um tiro no próprio pé.
Reinaldo Zanardi
Jornalista, cronista, professor universitário e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná.