Bocejos, machismo de secretário contra vereadora, risadas após as falas dos munícipes, vídeo com nudez flagrado das galerias, fixação no celular enquanto trabalhadores e usuários ocupavam a tribuna para apontar os impactos da redução de quase R$ 17 milhões no orçamento da Secretaria de Assistência Social a partir de 2026, e nem um “boa noite” da secretária responsável pela pasta, Marisol Chiesa.
Este foi o cenário da audiência pública, convocada pela Comissão de Finanças do Legislativo da Câmara Municipal de Londrina, na noite desta segunda-feira (3), para debater o orçamento do próximo ano e as metas da administração municipal para o período de 2026 a 2029.
Conforme informado pelo Portal Verdade, o projeto da Lei Orçamentária Anual para 2026 (PL nº 267/2025), que estipula as receitas e despesas do próximo ano, e o projeto do Plano Plurianual 2026-2029 (PL nº 268/2025), que define as diretrizes, os objetivos e as metas para o quadriênio foram enviados pelo Executivo à Casa no início de outubro.
A Lei Orçamentária Anual prevê a diminuição do orçamento da Secretaria Municipal de Assistência Social, passando dos atuais R$ 134 milhões para R$ 117,7 milhões no próximo ano. O montante representa 12,6% a menos em comparação a 2025.
Ambos os projetos foram aprovados, em primeira votação em 23 de setembro, com 12 votos favoráveis e seis contrários (relembre aqui).
As queixas começaram já na chegada. De acordo com os relatos, muitas pessoas tiveram dificuldade para acessar o prédio. Sob o coro de “deixa o povo entrar”, o presidente da Comissão, vereador Giovani Mattos (PSD) informou que o espaço já estava lotado e por medida de segurança, novas entradas estavam proibidas.
No entanto, ainda constavam cadeiras vagas no plenário e conforme apontado por representantes do Coletivo em Defesa do Fortalecimento da Política de Assistência Social em Londrina, durante a reunião pública, no último dia 13 de setembro, a Casa ficou ainda mais cheia.
“Ou vocês admitem que nos deixaram em insegurança na reunião pública ou falam que não estão deixando o povo entrar”, apontou Lanah Stievano, supervisora na Associação Guarda Mirim de Londrina e uma das integrantes do Coletivo.
O grupo tem alertado para as consequências do corte que pode levar à extinção de diversos programas, aumentando a pobreza e desproteção de grupos já vulneráveis. Um das ações ameaçadas é o Movimento CRAS, que tem como principal finalidade fortalecer vínculos familiares e comunitários.
“Nosso público é formado por famílias e pessoas atendidas em toda a região urbana e rural de Londrina. Durante o período de redução do programa, proporcionou oportunidade de convivência aprendizado e desenvolvimento pessoal para crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. O Movimento CRAS tornou-se um instrumento eficaz de prevenção social, contribuindo diretamente para a redução da necessidade de intervenção emergencial de alta complexidade. Cada investimento realizado refletiu um impacto positivo. Na área da educação, saúde e assistência social, portanto, tendo as políticas públicas e promovendo economia de recursos médio a longo prazo”, salientou Erica, coordenadora do programa.
Durante as quase quatro horas de audiência, viaturas da Guarda Municipal e da Polícia Militar permaneceram ao lado de fora do prédio. No gramado do Centro Cívico também foi colocado um telão para acompanhamento da sessão.
O prefeito Tiago Amaral (PSD) não compareceu, mas nomes do primeiro escalão do governo estiveram presentes: o secretário de Obras e Pavimentação, Otávio Vitor Gomes; o secretário de Gestão Pública, Sergio Willian Costa Becher; o secretário de Recursos Humanos, Rodrigo Altair Silva e Souza; o presidente da FEL (Fundação de Esportes de Londrin), Felipe Prochet; o diretor-presidente do Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina), Claudio Bravim; o controlador-geral, Guilherme Arruda Santos, e o superintendente da Acesf (Administração dos Cemitérios e Serviços Funerários de Londrina), Péricles José Menezes Deliberado.
As explicações do Executivo sobre os cortes ficaram a cargo da diretora de Orçamento, Darling Maffato, e do secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Tecnologia, Marcos Rambalducci.

O secretário, mais uma vez, disse que as contas do município estão no vermelho e que é necessário “otimizar os recursos”. Rambalducci também pontuou que não é papel da população “entender do orçamento, mas do gestor”.
As falas foram criticadas pelos participantes e pela vereadora Paula Vicente (PT) que sinalizaram desrespeito. Ao ser interpelado pela parlamentar, o secretário rebateu “a vereadora perdeu a compostura”.
Desta vez, a secretária responsável pela pasta, Marisol Chiesa, que reassumiu o cargo no último dia 29 de setembro após se licenciar por dez dias, acompanhou toda a audiência. Porém, mesmo com munícipes questionando sobre as consequências dos cortes e os planos da Secretaria, Chiesa entrou e saiu da reunião sem falar nada.

Recurso é anunciado no Instagram, mas e no papel?
Minutos antes da audiência começar, Amaral publicou um vídeo nas redes sociais anunciando o aporte de R$ 15 milhões para a Secretaria em 2026. Segundo o prefeito, o Legislativo vai repassar R$ 4 milhões do seu orçamento para a pasta.
Além disso, a administração informou que o governo do estado vai transferir R$ 11 milhões para reforçar o orçamento da Secretaria, totalizando R$ 15 milhões em novos recursos.
Os manifestantes, no entanto, questionaram o comunicado, ressaltando que “não se governa pelo Instagram” e que, até o momento, não há um posicionamento oficial do Executivo. As entidades solicitam que a gestão municipal envie um texto substitutivo ao Legislativo, reavendo as verbas.
Flagrado das galerias
Durante a audiência, o diretor da Cohab, Luciano Godoi Martins, foi flagrado das galerias por manifestantes visualizando um vídeo com nudez.
Os manifestantes também criticaram a postura de grande parte dos parlamentares que se mantiveram no celular durante as falas.
Próximos passos
Sugestões de mudanças, elogios ou críticas aos projetos de lei ainda podem ser feitas pela população até 23h59 desta terça-feira (4), pelo site da Câmara de Londrina, na aba Atendimento > Protocolo Online, ou presencialmente, das 13h às 19h.
As manifestações poderão ser acolhidas pelos vereadores e transformadas em emendas ao orçamento, a partir da sugestão de transferência de recursos entre secretarias e programas, ajustando as prioridades de acordo com as demandas. Os dois projetos permanecerão por dez dias úteis na Comissão de Finanças e Orçamento para a apresentação de emendas.
Os parlamentares poderão sugerir a transferência de recursos de uma secretaria para outra ou de um programa para outro, com o objetivo de ajustar as prioridades de acordo com as demandas da população e as discussões realizadas.
Após esse prazo, as emendas serão analisadas por servidores das assessorias técnicas da Câmara e pelos vereadores da Comissão de Finanças e da Comissão de Justiça. Depois de receberem os votos das comissões, serão encaminhadas junto com os projetos ao Plenário, para que as propostas passem por segunda votação. Nessa etapa, o texto principal e cada emenda serão votados separadamente. Para serem aprovados, precisarão do voto da maioria absoluta dos vereadores da Casa, ou seja, 10 votos.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.












