Contratações sem licitação e falta de transparência preocupam servidores e órgãos de fiscalização
O processo de privatização da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar), autorizado pela Lei n.º 22.188/2024, vem despertando uma série de críticas devido à falta de transparência, contratações sem licitação e exposição de dados dos paranaenses.
Os questionamentos de servidores da empresa quanto aos procedimentos levaram o Ministério Público do Paraná (MPPR) a abrir novas frentes de investigação.
Um dos pontos levantados foi a contratação de consultorias por inexigibilidade, que corresponde a uma hipótese legal que permite ao estado realizar contratações diretas, sem necessidade de processo licitatório.
“A escolha pela via excepcional da inexigibilidade, especialmente em contratações milionárias, exige demonstração inequívoca da inviabilidade de competição, sob pena de burlar o princípio constitucional da licitação e ofender a moralidade e economicidade administrativas”, afirma a promotora Claudia Cristina Rodrigues Martins Maddalozzo.
Dois desses contratos, que somam valores expressivos, são:
- Contratação da Ernst & Young Assessoria Empresarial Ltda (processo n.º 1588/2025) para estudo, análise e operacionalização da desestatização, no valor de R$ 8.776.412,53, com vigência de 07/02/2025 a 06/08/2026.
- Contratação do escritório Stocche, Forbes, Passaro e Campos Sociedade de Advogados (processo n.º 1925/2025) para assessoramento jurídico especializado, no valor de R$ 1.097.250,00, com vigência entre 19/02/2025 e 18/08/2026.
O advogado Paulo Jordanesson Falcão, integrante do Comitê de Funcionários contra a Privatização da Celepar, ressalta que a inexigibilidade não se aplica ao caso. Segundo ele, há outras empresas e escritórios que podem prestar esses serviços.
“Não tem transparência alguma da diretoria da empresa e do estado. Todos os processos foram tramitados em sigilo e as contratações foram feitas por inexigibilidade. O Comitê Contra a Privatização tentou de todas as formas se inteirar das informações”, declara a assessoria do Comitê.
Os servidores da Celepar têm demonstrado resistência ao processo de privatização. Conforme informado pelo Portal Verdade, o Comitê chegou a lançar um abaixo-assinado em novembro do ano passado contra a venda. O coletivo argumenta que a privatização pode colocar em risco dados sensíveis dos paranaenses, além de precarizar ainda mais as relações de trabalho (relembre aqui).
Além disso, em assembleia realizada no último dia 7 de abril, a proposta de Plano de Demissão Voluntária (PDV) foi rejeitada por 439 dos 592 votantes.
“Os trabalhadores estão todos desesperados por perderem seus empregos. Estão propondo um PDV para beneficiar somente os altos salários e aqueles que têm ligação política, que atingirá aproximadamente 250 pessoas. O restante não tem garantia alguma de emprego após a privatização”, ressalta a assessoria dos trabalhadores.
Ministério Público do Paraná
O MPPR instaurou um Procedimento Preparatório (n.º 0046.24.227866-4) para averiguar o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A promotora Claudia Maddalozzo determinou o desmembramento da investigação e uma nova apuração quanto aos procedimentos de inexigibilidade.
A magistrada emitiu um parecer crítico à privatização, alertando para potenciais conflitos com a LGPD. Ela destaca que a Celepar desempenha um papel fundamental na gestão de dados dos paranaenses.
A questão é que o 4º artigo, do 4º parágrafo da LGPD basicamente proíbe que empresas privadas tratem dados de segurança pública, defesa nacional e investigação criminal.
Em depoimento ao MPPR, o diretor-presidente da Celepar, André Gustavo Garbosa, afirmou que a Companhia atua exclusivamente como operadora de dados, seguindo as diretrizes dos órgãos controladores, como o estado do Paraná.
Garbosa também informou que a Celepar não participou dos estudos prévios à proposição da lei de desestatização e desconhece o acompanhamento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) durante o processo legislativo.
Apesar das explicações da Celepar, o MPPR encaminhou representações ao Tribunal de Justiça do Paraná (para controle de constitucionalidade) e à ANPD para assegurar que a privatização não viole a LGPD e a Constituição Federal, garantindo que dados sensíveis permaneçam sob gestão pública.
A importância estratégica da Celepar
A Celepar, com 59 anos de existência, é a primeira empresa pública estadual do Brasil de tecnologia. Ela desempenha um papel estratégico na gestão e segurança dos dados do estado, fornecendo suporte tecnológico para diversos órgãos públicos. Entre os serviços essenciais que a Celepar provê, destacam-se:
- Emissão de RG no Paraná;
- Sistemas educacionais, como o Registro de Classe Online (RCO) e o sistema estadual de registro escolar;
- Sistemas de saúde, registrando dados de exames e atendimento;
- Serviços do Detran, como a carteira de habilitação;
- Gestão de dados críticos para a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP), Fazenda (SEFA), Saúde (SESA) e Controladoria-Geral do Estado (CGE);
- Desenvolvimento e manutenção de plataformas como Nota Paraná, Portal da Transparência, Portal de Dados Abertos, Delegacia Eletrônica da Polícia Civil, e o aplicativo “Menor Preço”;
- Exportação de tecnologias e soluções para outros estados e até internacionalmente (ex: reconhecimento facial para Portugal).
Em uma entrevista à Rádio Cultura, Garbosa fez declarações sobre a monetização de dados como parte de um novo modelo de negócios da empresa. Ele comparou a posse de dados a ser dono de uma loja, onde é possível saber o que as pessoas estão comprando para impulsionar vendas.
“Vamos monetizar dados que nós temos, que o Estado vai ganhar com isso, o cidadão vai ganhar com isso, o comerciante vai ganhar com isso. Mais uma vez, uma relação ganha-ganha para todos os lados e que vai beneficiar sempre o cidadão”, pontuou o presidente da Companhia.
No entanto, em depoimento ao MPPR, ele negou ter mencionado dados pessoais ou sensíveis nessa entrevista, explicando que “se referia a dados estatísticos e mercadológicos, jamais vinculados a indivíduos”.
O presidente também mencionou que a inteligência artificial funciona com informação e dados, e que a Celepar possui “dados de décadas dos cidadãos, de vários, obviamente muito bem guardados, protegidos”, e que “muita informação pode ser utilizada de forma anônima e alimentar a inteligência artificial”.
Matéria da estagiária Laís Amábile sob supervisão.