Produtores culturais alertam que redução de verba levará a suspensão de diversas atividades, cerceando o direito à cultura
A partir de 2026, o orçamento total da Secretaria Municipal de Cultura deve cair de R$ 17,8 milhões para R$ 16 milhões. Com isso, o Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) pode sofrer uma redução de 41% em seus recursos, segundo o texto da LOA (Lei Orçamentária Anual) elaborado pela gestão do prefeito Tiago Amaral (PSD).
Instaurado em 2002, o Promic visa fomentar a produção cultural na cidade através do apoio financeiro e da democratização do acesso à cultura, fortalecendo a identidade local e a economia criativa. O programa funciona por meio de editais que selecionam e financiam projetos culturais. A projeção é que no próximo ano, o valor seja reduzido de R$ 5,3 milhões para R$ 3,1 milhões.
Entre produtores, grupos e associações culturais, a possibilidade de corte tem sido amplamente criticada. Em entrevista ao Portal Verdade, Alana Komatsu, produtora cultural, coordenadora do SATED-PR (Sindicato dos Trabalhadores das Cênicas e do Audiovisual no Paraná) – Núcleo Londrina classificou a redução como “devastadora”.
“Pensar que esse é o principal programa de fomento que a gente tem no município e que muitas vezes ele garante a sobrevivência de projetos, a continuidade de alguns projetos e reduzir de R$ 5 milhões para pouco mais de R$ 3 milhões significa menos editais, menos contratações, menos articulação de projetos, circulação de obras. Então, para todos os trabalhadores da cultura, artistas, produtores, técnicos, isso é perda de renda”, ressalta.
De acordo com ela, ao longo dos últimos anos, o Promic já vinha sofrendo com a falta de reajustes e a retirada da principal e, por vezes, a única fonte de custeio jogará os trabalhadores da cultura em um cenário de ainda mais insegurança, podendo levar ao abandono forçado da profissão.
“Um corte brutal, que o prefeito [Tiago Amaral] está fazendo, é um retrocesso enorme, para quem já vive em condições precárias e que depende desse recurso para ter um mínimo de estabilidade”, adverte.
No ano de 2024, a Secretaria Municipal de Cultura fomentou a realização de aproximadamente 117 projetos culturais por meio do Promic.

Cultura não é prioridade
Apesar de ser um direito constitucional, Alana ressalta que frente a cortes no orçamento público, a cultura é sempre a primeira área a ser afetada. Para ela, o corte no Promic reforça um cenário mais amplo de desmonte das políticas culturais no município.
“A gente já sabe que quando o assunto é corte no orçamento, a cultura sempre é a primeira a sofrer. Fazer um corte deste tamanho na nossa cidade é assumir que o prefeito está trazendo mais escassez para a população, pois é direito de todo mundo ter acesso à arte e cultura”, observa.
“Nos últimos anos, vimos o abandono do carnaval de rua cada vez menos sendo incentivado por meio de política pública, deixando com que a população não tenha acesso a programações abertas e gratuitas. E agora com a redução drástica do Promic, o cenário é ainda mais preocupante. Quem perde é a população londrinense, a população periférica, os trabalhadores, fazedores de cultura”, complementa.
Neste ano, a Secretaria Municipal de Cultura não realizou o carnaval de rua sob a justificativa de “falta de verba”.
Para a liderança, a redução também evidencia a falta de compromisso da atual gestão com a democratização do acesso à cultura.
“A cultura não é gasto. Além de ser investimento, ela é educação, é inclusão, é um direito da população. As pessoas têm que ter o direito de consumir cultura. Cortar a cultura é negar esses direitos”, indica.
Nas redes sociais, o Coletivo Ciranda da Paz, que promove o acesso à arte, cultura, comunicação e lazer na Favela da Bratac, também se manifestou contra a redução do orçamento, destacando que o corte levará a interrupção de diversos projetos na comunidade. Acompanhe aqui.
“A gente quer comida, diversão e arte”
Os agentes e entidades também tem denunciado que, além dos trabalhadores da cultura, a população, sobretudo mais vulnerabilizada, também sofrerá com os cortes de investimento.
Atualmente, através do Promic são ofertadas em diferentes regiões da cidade, uma série de atividades gratuitas como espetáculos, shows, cursos, entre outras programações gratuitas.
“Com esse corte, as populações periféricas que muitas vezes só tem acesso à arte por meio desses projetos que são aprovados pelo Promic, vão deixar, infelizmente, de ter acesso essas oficinas de artes, de dança, música, literatura, circo”, observa Alana.
Adriano Gouvella, ator, produtor cultural, também coordenador do SATED-PR Núcleo Londrina reforça que o Promic é o principal responsável por descentralizar as ações culturais na cidade, incentivando a produção e difusão da cultura nas periferias. Ele cita o exemplo de oficinas de circo, teatro, música, dança, artes plásticas ofertadas para crianças e adolescentes de escolas públicas, que poderão ser suspensas a partir do próximo ano.
“A lástima é da população mais pobre, que vive nos bairros com baixo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano], é deles que o prefeito está cortando diretamente, das pessoas que mais precisam do acesso à cultura, do acesso à arte como ferramenta de transformação social e descentralização dos bens culturais produzidos na cidade. Essas pessoas que já têm dificuldade de ter acesso, agora vai passar a ter ainda mais dificuldade de ter acesso a essa programação, as oficinas e todos esses conteúdo”, reflete.
Adriano evidencia o papel da cultura para o desenvolvimento humano e formação de uma consciência crítica o que, ele lembra, tende a não interessar governos de perspectiva conservadora.
“Se perde muito e isso nos leva a crer que faz parte de algo planejado, não é simplesmente cortar, sempre o corte à cultura vem primeiro. O Promic já tem uma verba reduzida e vem sofrendo ameaças frequentemente, ano após ano, temos que defendê-lo, mostrar o óbvio, a necessidade do investimento à cultura”, sustenta.

O corte de recursos municipais também afeta o repasse de verbas federais, a exemplo do Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, diminuindo ainda mais o orçamento.
Para Camila Braga, atriz, dubladora, uma das coordenadoras SATED-PR Londrina, membra dos Conselhos Municipal e Estadual de Cultura, o corte também impacta o reconhecimento da cidade como um polo cultural em cenário nacional.
“Reduzir recursos de fomento para a arte e cultura de Londrina vai justamente na contramão do histórico da cidade, que conta com uma produção de qualidade, com artistas e eventos de destaque, que promove o nome da cidade em escala nacional”, reforça.
Camila critica a ausência de planejamento e de debate com os trabalhadores da cultura. “Não cabe somente a ele [Tiago Amaral] decidir questões que envolve o modo de vida e o futuro dos londrinenses porque quando falamos de cultura, falamos de valores e de identidade, vai muito além do teatro, da música, dança, cinema, a cultura é direito e um direito que deve ser decidido e discutido por todos nós”, argumenta.
“É possível perceber que faltam gestores públicos, principalmente, conhecedores deste segmento e qualificados para executarem e fiscalizarem. Não faz sentido reduzir, cortar algo que faz parte da nossa identidade e valores. Precisamos transformar esta ideia do que é popular não é importante, não gera receita, é justamente o contrário. O que a gente acaba fazendo é sambar com o pouco que a gente tem para poder continuar e isso precisa mudar, ela acrescenta.
Mobilização
O SATED-PR Núcleo Londrina está convocando uma reunião para discutir estratégias de enfrentamento ao desmonte do Promic nesta próxima terça-feira (30). O encontro será na Usina Cultural (Avenida Duque de Caxias, nº 4.159) a partir das 19h30.
O Sindicato também informou que irá enviar ofício à Prefeitura de Londrina solicitando mais informações, além de solicitar mediação junto ao poder Legislativo.
A LOA foi enviada à Câmara Municipal no começo deste mês. A matéria estabelece a previsão de valores que serão gastos, detalhando os investimentos e as despesas obrigatórias em cada área. A Prefeitura comunicou que será enviado um substitutivo à Câmara de Vereadores e que não vai comentar o assunto, pois existe a possibilidade de mudança dos valores encaminhados à pasta.
“É importante que o Conselho de Cultura e demais setores da cultura se mobilizarem para obter um posicionamento da Prefeitura, para mudem esta proposta. O SATED-PR será contrário a todo e qualquer movimento que apoie este corte proposto”, compartilha Camila.
Confira na íntegra nota emitida pelo Sindicato disponível aqui.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.












