Se as prisões funcionassem, o crime não deveria, por lógica, minimamente diminuir? O Brasil possui aproximadamente 663 mil pessoas em celas físicas, uma das maiores populações carcerárias do mundo e, mesmo assim, a sensação de insegurança continua crescendo, com o crime a nossa porta todos os dias. Não é uma coincidência. É uma contradição.
A prisão foi inventada como uma “solução racional” da justiça moderna para o cometimento de crimes. Mas se tem algo irracional é insistir em uma lógica que nitidamente não funciona e não é dificil perceber. É socar ponta de faca.
Nós já chegamos em um ponto da civilização humana em que compreendemos, a partir da ciência e das diferentes experiências históricas, que o comportamento humano é direcionado pelas condições de vida, pela desigualdade, pelo abandono, pelas oportunidades e acessos. Ainda assim seguimos na burrice de individualizar o crime e a punição. Afinal, se está comprovado que regiões com menos desigualdades tem, por consequência, menor criminalidade, por que não atacamos as desigualdades e não sua consequência?
Aí vem um conservador e diz que estamos “transformando bandido em vítima da sociedade”, mas não percebe que a sociedade toda é vítima e sofre com o crime e suas consequências. Propor uma nova perspectiva, para além de “perdoar o imperdoável” ou incentivar a criminalidade, é pensar como nosso sistema tem falhado a cada dia. É refletir sobre as montanhas de dinheiro gasto em um modelo que simplesmente não funciona.
O discurso da segurança pública tenta nos convencer de que é possível consertar a sociedade punindo indivíduos, mas décadas de experiências mostram cada vez mais que se trata de uma mentira. Não há prisão que compense a ausência de políticas públicas. É muito mais efetivo investir em condições de vida dignas, escolas, hospitais, moradia, cultura, do que ficar construindo cela para servir de escola para o crime organizado.
A maioria das pessoas presas no Brasil é pobre, negra e periférica, presa por crimes sem violência, muitas vezes antes de qualquer julgamento. Enquanto isso, os verdadeiros donos da violência, que desviam verbas, fraudam licitações, exploram o trabalho humano, seguem brindando a impunidade em mesas de restaurante. A prisão, no fim das contas, serve muito mais para manter a hierarquia social do que para fazer justiça.
É por isso que discutir o fim das prisões não é “defender criminoso”: é defender um mínimo de inteligência, de reflexão, sobre como nosso sistema funciona. É mostrar que podemos construir segurança a partir da vida e não da morte. Segurança pública de verdade é a que previne o crime e não a que lucra com ele.
Para atingirmos uma sociedade mais segura, precisamos admitir que a prisão fracassou em seu objetivo básico. E vejam que curioso: todo mundo sabe disso, não é novidade para ninguém.
Que não nos falte coragem de dizer isso em voz alta: não é possível resolver problemas coletivos com atitudes individualizadas. Só estamos limpando o sangue de uma ferida que não para de sangrar.

Ursula Boreal Lopes Brevilheri
Travesti não binária, cientista social, mestra e doutoranda em Sociologia, ativista de direitos humanos.












