A proposta pode levar ao enfraquecimento das entidades sindicais, dificultando a representação e a defesa de direitos trabalhistas
O Projeto de Lei (PL) n° 1.663/2023, aprovado pela Câmara dos Deputados, propõe alterações em artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que tratam da organização e custeio das entidades sindicais. Uma das principais mudanças é reflexo de uma emenda que permite a possibilidade do cancelamento da contribuição sindical por meios digitais.
Durante a tramitação do PL, o deputado Rodrigo Valadares (União) apresentou um texto complementar que facilita o cancelamento da contribuição sindical.
De acordo com a advogada trabalhista, Luara Scalassara, essa alteração pode enfraquecer a autonomia sindical e dificultar a arrecadação de recursos essenciais para a atuação das entidades.
“Ao facilitar o cancelamento da contribuição sindical por meios digitais — sem qualquer contato com a entidade representativa ou possibilidade de diálogo —, a emenda incentiva o esvaziamento das organizações sindicais, num cenário já marcado por fragilidade financeira e ataques constantes à atuação coletiva, especialmente, a partir da Reforma Trabalhista de 2017”, explica.
A justificativa apresentada foi que o cancelamento por meio digital evitaria que os trabalhadores ficassem em filas para realizar o procedimento.
O projeto propõe que o cancelamento possa ser feito por e-mail, aplicativos, com confirmação em até dez dias úteis. Caso contrário, o cancelamento será automático.
Scalassara reitera que a proposta desconsidera o funcionamento das relações trabalhistas no Brasil e prejudica os trabalhadores.
“Transforma a liberdade de escolha do trabalhador em um instrumento de enfraquecimento da própria classe trabalhadora, ao desconectar o indivíduo da noção de pertencimento coletivo e da importância da solidariedade para a conquista de direitos. Um sindicato sem recursos não negocia, não fiscaliza, não defende. E isso interessa a quem? Certamente não ao trabalhador”, sustenta.
Outras alterações
Além da proposta de emenda, o PL também revoga trechos considerados desatualizados da CLT, que estão em desacordo com a Constituição Federal.
“Um exemplo é a previsão, ainda existente na CLT, de redução salarial em casos de força maior ou prejuízos devidamente comprovados. Tal dispositivo conflita com o princípio constitucional da irredutibilidade salarial, que só admite exceção mediante convenção ou acordo coletivo”, explica.
Outro ponto é a revogação da exigência, pela CLT, de autorização do Ministério do Trabalho para a criação de sindicatos de alcance nacional e para a definição da base territorial das entidades sindicais.
“Tais exigências não foram recepcionadas pela Constituição Federal, que prevê que a lei não poderá exigir autorização do Estado para fundação de sindicato e que é vedado ao Poder Público interferir e intervir na organização sindical, devendo sempre prevalecer a autonomia e a liberdade sindical”, acrescenta.
A advogada ressalta que as mudanças presentes neste PL estão sendo debatidas por um Grupo de Trabalho Interministerial, que conta com a participação de centrais sindicais e de confederações patronais. O objetivo é a elaboração de uma proposta de reestruturação das relações de trabalho, com a valorização de negociações coletivas.
“O movimento sindical deve se inteirar dessas discussões e participar ativamente, pois é uma oportunidade estratégica para fortalecer a organização da classe trabalhadora, com base no diálogo social, na democracia e na construção coletiva e popular de soluções”, afirma.
Agora, o Projeto de Lei segue para a análise do Senado. Em caso de alterações pelos parlamentares, o texto retorna à Câmara dos Deputados para uma nova votação.
Matéria da estagiária Laís Amábile sob supervisão.