Livro aborda opressões, mas também potencialidades e resistência da população trans
Neste mês, um novo livro chega ao mundo para deixá-lo para diverso e por isso mais igualitário. É o exemplar “Recados à caverna” da psicóloga, cantora e escritora Dhi Ferreira.
O livro, que marca a estreia da multiartista na literatura, apresenta uma autobiografia. Nas páginas, Dhi que também integra a Frente Trans de Londrina, aborda vivências que marcaram a sua transição de gênero. A obra mescla memórias e honra sua trajetória sem desconsiderar que todos os corpos são políticos.
“Eu acredito que a minha motivação inicial ao reunir esses textos que compõem ‘Recados da Caverna’ era tentar entender um pouco da minha história, tentar entender o que aconteceu nesse caminho, tentar entender o que foi tão difícil que me fez chegar tão cansada, o que foi tão difícil que me fez chegar tão forte, quais imagens que eu carreguei até aqui para que eu pudesse sobreviver e me constituir, quem são as pessoas que foram descritas nesse livro, quais delas se foram, quais delas permanecem na minha vida ou em mim”, conta a escritora em entrevista ao Portal Verdade.
O livro mistura mitologia e arte, filosofia e espiritualidade. Do mito da caverna de Platão aos sepulcros das Escrituras Bíblicas, chegando ao acolhimento e renovação das águas de Iemanjá, a narrativa traça caminhos de dor, descoberta e transposição da violência.
Dhi destaca que, apesar da diversidade de assuntos que podem ser explorados a partir da publicação, o principal tema é a repressão aos corpos trans, mais especificamente, às “crianças viadas”, as quais é negado o direito de existirem como são, sobretudo, em ambientes mais conservadores.
“Acho que a principal temática é a vida dentro do contexto religioso cristão, no meu caso evangélico, que é a vivência, então, de uma criança, uma criança viada, que teve seu corpo sempre reprimido, sempre podado”, diz.
Porém, a obra não se restringe as opressões, também trata das potencialidades e resistência. No texto, são reverenciadas travestis que vieram antes, pavimentando o caminho pelo qual a autora ensaiou seus primeiros passos e traçou sua rota de emancipação da caverna.
“A minha expectativa é que também pessoas que não são desses contextos, entendam de onde pessoas trans, pessoas dissidentes falam e quais são as consequências de determinadas violências e o que a gente quer também na nossa vida, que é o amor, que é o carinho, que é o espaço, a oportunidade de funcionar e ser natural como é para todo mundo ser”, assinala.

Escrever para existir e existir para escrever
Dhi também evidencia a importância de pessoas trans escreverem e falarem, em 1º pessoa, as suas próprias histórias, ou seja, terem direito a fala e a escuta em todos os espaços.
“O nosso imaginário é contaminado por imagens coloniais, brancas, cisnormativas, hétero. São imagens muito pacatas, muitas vezes não coloridas, muitas vezes não poetizadas. E a importância de nós pessoas trans e de pessoas dissidentes em escrever, em tomar lugares de fala, é para que a gente se contamine uns aos outros com novas imagens, com identificação e que a gente se veja podendo florear palavras, podendo inventar palavras, assim como a gente inventa nossa existência”, assinala.
“É escrever, falar, desenhar, dançar, mexer o corpo, tudo isso é político e tudo isso é o que a gente reivindica para a gente é poder escrever uma história e ser reconhecido enquanto uma história, e uma história valiosa, uma história bonita, poética e interessante principalmente”, ela acrescenta.
O circuito de lançamento começa neste sábado (17), com oficinas gratuitas de poesia (ministrada por Kach Miranda) e de dança (com Thai Guedes), a partir das 14h, na Divisão de Artes Cênicas da UEL (DAC).
No dia 25 de maio, também na DAC, acontece o lançamento do livro, seguido de sessão de autógrafos, roda de conversa com a autora, discotecagem e uma Ballroom para celebrar a noite.
“Eu quero convidar você a entrar nessa caverna que aos poucos vai se abrindo no decorrer do livro em que eu vou colocando vivências de violência, de repressão, mas também falando o que que eu vou encontrando nesse caminho quando eu vejo a luz do sol. Convido você que é pessoa trans, mas convido você também pessoa cis, que convive ou não com pessoas trans, que não sabe nada da vivência trans a se desafiar, a olhar para novas imagens, para que você possa amar e olhar as pessoas à sua volta através de novas perspectivas”, ela convoca.
Quem desejar adquirir o exemplar, pode entrar em contato diretamente com a autora através da página: https://www.instagram.com/dhidhi.e/

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.