A maioria das instituições suspeitas de envolvimento no esquema foram autorizadas a aplicar os descontos nas aposentadorias em convênios realizados com o INSS no governo anterior
Na última sexta-feira (2), Carlos Lupi (PDT), pediu demissão do Ministério da Previdência Social. A saída do cargo ocorre em meio à crise dos descontos ilegais em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Segundo um interlocutores, embora não tenha sido acusado de envolvimento no esquema, o chefe da Previdência estava “muito desconfortável” desde o anúncio da escolha do novo presidente do INSS, da qual ele não participou.
O procurador Gilberto Waller Júnior foi selecionado para liderar o Instituto, em substituição a Alessandro Stefanutto, demitido após operação da PF (Polícia Federal) e da CGU (Controladoria-Geral da União) para combater o esquema de descontos ilegais.
Para substituir Lupi, o Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu o ex-deputado federal, Wolney Queiroz (PDT). Atualmente, ele era secretário-executivo da Previdência Social e, portanto, número 2 de Carlos Lupi.
A suspeita é de que sindicatos e associações de aposentados conseguiam, por meio de convênios com o INSS, descontar mensalidades de aposentados e pensionistas sem autorização.
Desde a revelação da fraude, criou-se uma guerra de narrativas entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a oposição bolsonarista.
Eliel Joaquim dos Santos, diretor do SindPRevs-PR (Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Saúde, Trabalho, Previdência Social e Ação Social do Estado do Paraná), chama atenção para a tentativa da extrema-direita de responsabilizar apenas o atual governo, blindando gestões anteriores.
“Uma pauta muito importante é que a extrema-direita está querendo jogar tudo no colo do Lula, a questão do rombo do INSS. Mas não é do Lula, começou em 2019, no governo Bolsonaro. Estão tentando jogar isso no colo do Lula, mas não vão conseguir, porque nós estamos atentos também, tanto nas redes quanto nos nossos movimentos”, observa.
Segundo a investigação da PF e da CGU, descontos não autorizados em aposentadorias e pensões do INSS ganharam força a partir de 2019, no mandato do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Com base no levantamento, sete de nove convênios envolvidos na fraude do INSS foram assinados sob Bolsonaro.
Analistas têm destacado a estratégia adotada por parlamentares conservadores que buscam minar o governo Lula ao passo que inflam o eleitorado bolsonarista. O jogo tem ganhado visibilidade também, pois mesmo Bolsonaro estando inelegível até 2030 e, portanto, impossibilitado de concorrer às eleições de 2026, ele tem se apresentado como candidato e defendido uma suposta perseguição.
Os deputados aliados ao ex-presidente intentam protocolar na Câmara de Deputados um pedido de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o esquema. Sua instalação, porém, depende do aval do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos).
Os bolsonaristas destacam o fato de uma das instituições suspeitas, Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), ter como vice-presidente o irmão de Lula, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, embora ele não tenha sido alvo da operação da PF.
O Sindnapi, por sua vez, nega qualquer ilícito e diz que denunciou ao ex-ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, os indícios de ilegalidade nos descontos associativos, em junho de 2023, durante reunião do Conselho Nacional da Previdência Social.
Os descontos ocorrem de maneira legal quando os aposentados aceitam se associar a alguma instituição em troca de benefícios, como serviços médicos e atividades de lazer.
Mas, segundo as investigações, tanto associações reais como instituições de fachada criadas há pouco tempo passaram a incluir entre seus associados milhares de aposentados sem seu consentimento.
De acordo com levantamento da CGU, entre 2019 a 2024, os descontos somaram R$ 6,3 bilhões, mas nem todo montante foi de forma não autorizada. A pasta ainda investiga qual o valor foi subtraído de forma irregular.

Foto: Agência Brasil
Além da fraude
Ainda, segundo Santos, embora os holofotes estejam na fraude, os servidores do INSS têm enfrentado uma série de problemas graves que precisa de respostas urgentes, a exemplo do assédio moral e adoecimento da categoria frente a condições de trabalho cada vez mais precarizadas.
“Nós estamos cobrando muito o fim do assédio moral dentro do INSS, do adoecimento de nossos servidores e acúmulo de trabalho”, diz.
Conforme anunciado pelo Portal Verdade, atualmente, o INSS tem mais vagas desocupadas do que servidores em atividade. O déficit chega a 21 mil cargos em aberto. Em dez anos, a quantidade de funcionários caiu de 39 mil para 19 mil, sendo a aposentadoria o principal motivo (relembre aqui).
De acordo com o sindicalista, a fim de chamar atenção para a situação dos servidores, representantes da FENASPS (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social), entidade a qual o SindPRevs-PR é vinculado, realizaram uma vigília em frente ao órgão durante a Marcha da Classe Trabalhadora, que aconteceu em Brasília, no último dia 29 de abril.
As lideranças sindicais também buscam uma reunião com a atual ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT) para expor as demandas da categoria. Para viabilizar a agenda, os sindicalistas pediram a mediação da vereadora licenciada de Londrina e atual deputada federal, Lenir de Assis (PT).
“Ela [Lenir] foi muito atenciosa conosco, com os nossos diretores da Federação, do SindPRevs-PR. Nós deixamos um pedido de que ela fizesse uma mediação, para que nós possamos falar com a Gleisi”, pontua.

Os diretores também solicitaram o apoio do deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias (PT). A liderança destaca, que juntamente às reivindicações já apresentadas há algum tempo pelos servidores do INSS, a intenção do encontro é cooperar para superar a crise instaurada a partir da denúncia dos descontos irregulares.
“Depois de todo esse mar de lama, desse rombo que está dentro do INSS, que é a nossa base, nós queremos conversar e contribuir para que o INSS estanque definitivamente essas questões”, conclui.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.