Um governo de mãos atadas e a corrosão da democracia

Historicamente, a democracia se caracteriza como um regime de governo que emana do povo. No Brasil, a democracia representativa permite que o cidadão escolha seus representantes para governar. Esta escolha acaba sendo determinada pelo perfil de cada candidato, se é mais conservador ou se é mais progressista. Esse tipo de democracia pressupõe que o candidato vencedor vai ter o poder de colocar em prática, logicamente, por meio de leis e com forte participação do congresso, políticas públicas que visem ao melhor desenvolvimento para a nação.

O advento do neoliberalismo no país nas últimas décadas vem fazendo com que determinados candidatos eleitos sejam, cada vez mais, impedidos de tomar determinadas ações. Esses impedimentos, deliberados por forças políticas neoliberais, tem o propósito de não permitir que políticos progressistas eleitos consigam colocar em prática ações que visem ao desenvolvimento nacional e que não beneficiem o capitalismo rentista parasitário que tomou conta do país. Vamos focar dois exemplos nesse processo:

O primeiro é a nefasta taxa de juros da Selic, hoje na ordem de 14,25% ao ano, uma aberração para um país que tem sua inflação controlada. Tal aberração é ditada pelo Banco Central. O atual governo teve que esperar dois anos pela troca do presidente do Banco Central e a taxa continuou subindo; pelo jeito, só deve ceder quando os cangurus na Austrália começarem a falar.

Com um discurso de que os bancos centrais do mundo todo devem ser autônomos para não ficarem à mercê das vontades políticas de futuros governantes, o capitalismo neoliberal parasitário conseguiu essa autonomia em várias partes do mundo. No Brasil, ela veio em plena crise sanitária, política e social com a Lei 179/2021, sancionada pelo governo anterior.

O capitalismo financeiro neoliberal é parasitário por natureza, e uma das formas de se reproduzir é o rentismo, alcançado por exorbitantes taxas de juros, que beneficiam, ainda mais, os já milionários investidores, que não têm qualquer compromisso com o desenvolvimento nacional. Só para termos uma ideia, cada ponto da taxa Selic, no caso do Brasil, retira aproximadamente 90 bilhões do Tesouro Nacional, que são repassados para o sistema financeiro.

Estima-se que, em 2025, aproximadamente um trilhão de reais serão repassados para esse sistema parasitário, o que dá mais de 3 bilhões por dia! Essa é uma das amarras que deixa o governo de mãos atadas. Imaginem todo esse recurso sendo direcionado para o desenvolvimento nacional!

Desta forma, é lógico que o capital financeiro quer que as taxas fiquem infinitamente nas alturas! Não importa se há condições de reverter o quadro, o importante é garantir as taxas de lucratividade de um capitalismo rentista que não produz, apenas se reproduz nesse processo parasitário, que aumenta exponencialmente as desigualdades nacionais, gerando bilionários de um lado e miseráveis de outro. Estamos quase no meio do terceiro ano de um governo que se vê incapaz diante dessa legalidade imoral.

Se a autonomia do banco central tinha como objetivo impedir o controle dos governos sobre a instituição, o que vemos é que esta mesma autonomia está sendo utilizada politicamente para garantir os ganhos de um capitalismo parasitário que beneficia muito poucos.

O segundo exemplo fica com o tema “Exploração do petróleo na margem equatorial”. Há uma perspectiva de que a margem equatorial brasileira, região do litoral atlântico que se estende desde o estado do Rio Grande do Norte até o estado do Amapá, fronteira com a Guiana Francesa, tenha grandes reservas de petróleo e gás, comparadas até ao Pré-Sal brasileiro. Países como a Guiana Francesa, Suriname e Guiana já estão produzindo óleo e gás e se enriquecendo mais a cada ano. Estima-se que a Guiana já possua o equivalente a 75% das reservas brasileiras.

No Brasil, o governo está há quase dois anos tentando as licenças ambientais por parte do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente. Dois anos! Essas licenças são necessárias para fazer as pesquisas que indicarão se há petróleo e qual a estimativa das reservas. Se as expectativas estiverem corretas, o país pode ter um acréscimo de quase 200 bilhões de reais em sua arrecadação governamental, com a geração de mais de 300 mil empregos.

O Ibama nega liberar essas licenças, alegando riscos ambientais, em caso de vazamentos, que poderão afetar todo o ecossistema marinho e a foz do rio Amazonas.

É importante lembrar que o local da perfuração inicial está aproximadamente a 500 km da foz do rio Amazonas e a 180 km do litoral do estado do Amapá, respectivamente.

A Petrobrás se qualifica por ser uma das empresas do setor que mais investe em meio ambiente e é exemplo para o mundo na extração de petróleo e gás em águas profundas e na proteção ambiental. Mas nada disso sensibiliza o Ibama. Em fevereiro deste ano, os técnicos do instituto voltaram a recomendar que a permissão seja rejeitada. Mas será que, realmente, é a causa ambiental que não permite a liberação das licenças?

O golpe que foi dado no governo da Presidenta Dilma em 2016 teve como um dos objetivos entregar grande parte do Pré-Sal para as empresas estrangeiras. Ainda hoje se fazem guerras no mundo por causa do petróleo. Sobram razões para desconfiarmos que os interesses são só ambientais. Estaríamos diante de uma protelação deliberada que tem como objetivo passar as reservas para empresas estrangeiras num futuro próximo?

Neste cenário, o que resta é um governo que não consegue mais impor determinadas políticas públicas, aqui nos casos, relacionadas à política econômica e à política energética do país. Um governo de mãos atadas que, mesmo eleito democraticamente, fica à mercê de outros órgãos e instituições, algumas do próprio governo!

Uma democracia que, aos poucos, vai minando a autonomia de governos eleitos é uma pseudodemocracia, uma democracia corroída por forças neoliberais que querem, a todo custo, impedir o desenvolvimento nacional.

Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha é geógrafo e professor associado do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Londrina – UEL.