Você já parou para pensar como, para algumas pessoas, a mera trivialidade de frequentar um banheiro público se torna uma operação calculada?
Eu fico ali, há alguns metros da porta, esperando a hora certa, escutando os passos, me preparando para entrar e sair o mais rápido possível, evitar qualquer tipo de encontro. Não tem nada a ver com timidez, mas com segurança.
Mesmo assim, quase sempre tem alguém. E é aí que vem aquele olhar, típico da maioria esmagadora das vezes que isso ocorre. Olhos que não precisam falar nada para deixar claro que este banheiro feminino não é o meu lugar.
Há quem creia que a cisnormatividade e transfobia se resumem à violência física, explícita. Na verdade, na maior parte dos dias, ela se disfarça nestes olhares atravessados, em palavras não ditas, em corpos que se enrijecem ao cruzarem com o meu. Aquela conferida na placa do banheiro para ter certeza de que não estão entrando no banheiro masculino. Isso dói. Cansa. Adoece.
Problemas urinários crônicos não são raros entre as populações trans. Não tem nada a ver com uma correlação biológica. A gente simplesmente evita ir ao banheiro em espaços públicos. E o corpo cobra.
Já passei horas segurando, desconfortável, por não me sentir segura. Já tentei beber menos água, sair mais cedo de reuniões. Já preferi a dor ao risco. Tudo por conta de um ato banal: urinar.
Para quem é cis o banheiro é apenas um lugar. Para quem é trans, pode ser um campo minado.
É muito fácil me dizer “vá ao banheiro feminino”, como quem me incentiva, quando você não tem medo de apanhar durante ou depois de sua passagem por ali. É fácil defender um “banheiro específico para pessoas trans” quando você nunca foi humilhade tentando viver uma vida normal, como qualquer outra pessoa.
Quem sabe se eu me parecesse mais com uma mulher cis não fosse tão profundamente afetada por isso. Mas o problema não está em mim e eu me recuso a negociar minha subjetividade pelo conforto cis.
Quantas pessoas estão dispostas a discutir este tema com seriedade? Preferem o sensacionalismo, o pânico moral, os discursos sobre “proteger nossas filhas” – como se nós não fôssemos filhas de alguém, como se não tivéssemos o exato mesmo direito de estar ali.
Por que diabos eu não posso fazer o meu xixi em paz?

Ursula Boreal Lopes Brevilheri
Travesti não binária, cientista social, mestra e doutoranda em Sociologia, ativista de direitos humanos.