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Entenda como o decreto assinado por Lula no 1º de Maio apoia a luta das domésticas

Convenção 189 da OIT que cria condições dignas para o trabalho doméstico havia sido ratificada em 2018, mas não foi promulgada pelo governo federal na época, criando insegurança jurídica para a categoria

Ao lado do presidente da CUT, Sérgio Nobre, o presidente Lula aproveitou a comemoração do 1º de Maio realizado em São Paulo para assinar o Decreto n° 12.009/2024, que sedimenta no Brasil a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O decreto trata do trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos, além da Recomendação 201 que também versa sobre trabalho doméstico. Mas o que a assinatura significa na prática? 

A ratificação da Convenção 189 da OIT apoia um histórico de lutas da categoria, além de medidas tomadas pelo próprio governo brasileiro, para fornecer proteções fundamentais a essas trabalhadoras e trabalhadores. 

Essas medidas incluem a adoção de uma emenda constitucional em abril de 2013, que estabeleceu uma semana de trabalho de no máximo 44 horas, a proibição do trabalho doméstico para menores de 18 anos, instituiu a jornada de trabalho de no máximo 8 horas por dia, o direito a férias remuneradas, a multa por demissão injustificada e o acesso à proteção social. 

A Coordenadora-Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luíza Batista, explica que o decreto não cria novos direitos, “mas confirma e fortalece o dever de se adotar medidas para assegurar a promoção e a proteção efetivas dos direitos humanos”. 

Luiza afirmou ainda que a assinatura do decreto foi uma promessa feita pelo presidente no ano passado, quando recebeu mais de 200 lideranças da categoria em Brasília. “Lula sempre nos ouviu, então estávamos otimistas em dar mais um passo este ano”, disse. 

Neste momento, segundo a dirigente sindical, é preciso usar a Convenção 189 e a Recomendação 201, agora com força de lei, para avançar na equiparação dos direitos das domésticas com as de outras categorias. 

Isso inclui, ainda segundo a dirigente, o reconhecimento de vínculo empregatício independente da quantidade de dias que a trabalhadora vai ao local de trabalho – hoje, para que a carteira de trabalho das domésticas seja assinada elas precisam trabalhar no mesmo local pelo menos três vezes na semana -, e que elas tenham o direito a convenção coletiva anual pela categoria. 

“A nossa legislação sindical garante a negociação coletiva dos trabalhadores da iniciativa privada. No nosso caso, não há uma lei que garanta essa negociação. Mas nós temos o direito de organização, e de estabelecer as condições de trabalho como qualquer categoria”, explica Luíza. 

O novo decreto assinado pela presidência cria, portanto, um arcabouço jurídico para que tanto a categoria como o próprio governo através do Ministério do Trabalho e Emprego e das Mulheres, ajuste essa distorção.

Foto: Reprodução/CUT

O processo de luta por direitos das trabalhadoras domésticas 

O Brasil contou com intensa representação sindical das trabalhadoras domésticas nas Conferências Internacional do Trabalho de 2010 e 2011, quando foram realizadas as discussões que levaram à adoção de um instrumento internacional de proteção ao trabalho doméstico. A Convenção entrou em vigor em setembro de 2013. Ao todo, 29 Estados membros da OIT a ratificaram.

O Congresso Nacional brasileiro aprovou a ratificação da Convenção em janeiro de 2018, tornando-se o 25º Estado membro da OIT e o 14º Estado membro da região das Américas a fazê-lo. A ratificação, no entanto, até então não havia sido promulgada, deixando uma lacuna para que a Convenção pudesse servir de subsídio para a adequação das leis brasileiras que versam sobre o tema. 

A promulgação soma-se a um longo processo de conquistas de direitos para as trabalhadoras domésticas. A Constituição Federal de 1988 assegurou o direito a salário mínimo, 13º salário, repouso semanal remunerado, férias, licença maternidade, aviso prévio e aposentadoria, entre outros. 

Novos direitos foram decorrentes da aprovação da Emenda Constitucional Nº 72, de abril de 2013, fixando a jornada semanal de trabalho de no máximo 44 horas, e a adoção da Lei Complementar nº 150 de 1º de junho de 2015. 

A secretária nacional de Autonomia Econômica e Políticas de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane da Silva, explica que em maio de 2023 um grupo interministerial recebeu as lideranças das trabalhadoras domésticas e assinou um protocolo de intenção cujo objetivo é resgatar os direitos que ficaram travados nos últimos anos. 

“Foi nesse processo que percebemos que a Convenção 189, embora ratificada, não tinha força de lei, de diretriz, e isso nos impedia de negociar com diversos setores da sociedade para avançar nesses direitos perdidos ou nunca conquistados”, explica. 

Na época das conferências internacionais Rosane não fazia parte do governo, mas era membro da executiva da CUT, assumindo de 2008 a 2015 a Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da central sindical, e acompanhou esse debate ao lado das trabalhadoras domésticas. 

“Fizemos parte de todas as delegações brasileiras. Foi um trabalho muito rico, feito de forma coletiva entre a CUT e os sindicatos; acompanhamos caso a caso os relatos que nos chegavam para assegurar o máximo de proteção nas frentes que travamos”, conta a secretária. 

Trabalho invisível

Apesar de sua importância central para a organização social e econômica de um país, o trabalho doméstico ainda se caracteriza pela invisibilidade, desvalorização e baixa regulamentação. 

Em muitos países, as(os) trabalhadoras(os) domésticas(os) geralmente recebem salários muito baixos, trabalham horas excessivamente longas, não possuem um dia de descanso semanal garantido e, às vezes, são vulneráveis a abusos físicos, mentais e sexuais ou a restrições à liberdade de movimento. 

A secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, afirma que o decreto é mais um passo na luta pelo reconhecimento de direitos que já existem, mas que não são respeitados.

“O aceno do presidente Lula é importante porque reforça a garantia dos direitos desses trabalhadores e trabalhadoras tão invisibilizados. Em sua maioria o trabalho doméstico é realizado por mulheres em condições precárias e sem fiscalização”, disse a secretária. 

Maioria vive de forma precária e na informalidade

Segundo Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (Pnad) de dezembro de 2023, o país tem 6,08 milhões de empregados domésticos (são todos aqueles que prestam serviços em residências como doméstica, jardineiro, motorista, mordomo) trabalhando. Destes, 5,539 milhões são mulheres (91,1%), e homens são apenas 540 mil (8,9%).

Dos mais de 6,08 milhões, apenas cerca de 1,4 milhão têm carteira assinada, de acordo com informações do e-Social de março de 2024, e a média salarial é de apenas um salário-mínimo. A grande maioria vive na informalidade. 

Segundo a Pnad, as diaristas ganham menos de um salário-mínimo por mês, a grande maioria é formada por mulheres negras, com mais de 46 anos. Dos mais de 6 milhões de empregados domésticos, a média de salário é de apenas R$1.146,00; menos de um salário-mínimo.

O que é poder público pode fazer 

Garantir os direitos humanos fundamentais trabalhistas das empregadas domésticas é a finalidade da Coordenação Nacional de Fiscalização do Trabalho Doméstico e de Cuidados (Conadom), do Ministério do Trabalho e Emprego. 

Recém-criada, essa coordenação tem realizado ações de fiscalização focadas no trabalho doméstico que ocorrem em residências, condomínios residenciais, clubes. No 1 de Maio, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou que as denúncias de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico estão crescendo.  

Dos 248 registros do Cadastro de Empregadores, conhecido como a “Lista Suja”, que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, 43 eram de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico.

 A atualização da lista foi divulgada no início de abril, o trabalho doméstico liderou a categoria de atividades econômicas. Depois do trabalho doméstico, vem o cultivo de café (27), seguido por criação bovinos (22) e produção de carvão (16).


Fonte: CUT Brasil

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