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Sindicalistas de Londrina repudiam invasão em Brasília; Coletivo cobra que financiadores sejam identificados

Lideranças contam que o atentado não surpreendeu, visto o fortalecimento de discursos golpistas, e criticam complacência das forças de segurança do Distrito Federal

O discurso golpista de Jair Bolsonaro (PL) impulsionou um dos episódios mais graves e tristes na história do Brasil após a redemocratização. Neste domingo (8), apoiadores do ex-presidente da República, invadiram a sede dos Três Poderes em Brasília. O ataque ocorreu após dias de acompanhamento nas imediações dos Quarteis Generais, localizados na capital federal.

A mesma cena pode ser observada em diversas cidades do país desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vitorioso das urnas: pessoas envoltas pela bandeira do Brasil evocam pedidos de “intervenção militar”, não reconhecendo a eleição do petista, escolhido democraticamente por mais de 60 milhões de brasileiros em um processo com total lisura, conforme apontado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os estragos do rompante antidemocrático são diversos: além da destruição do mobiliário, o acervo histórico-cultural do país também foi depredado. Objetos como esculturas, quadros, muitos deles enviados por outros países ao Estado brasileiro foram quebrados. O quadro intitulado “As mulatas”, de Di Cavalcanti, principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto, com valor estimado em R$ 8 milhões, foi uma das obras danificadas com sete rasgos, segundo comunicado emitido hoje pelo órgão.

Laurito Filho, membro do Sindicato dos Bancários de Londrina e Região, avalia que a ação terrorista não causou espanto e ressalta a negligência das forças de segurança do Distrito Federal (DF), que só agiram duas horas após o início da invasão. Ele lembra, inclusive, do Capitólio, espaço do Congresso americano, tomado por cidadãos que não aceitavam a vitória de Joe Biden (Democrata) em janeiro de 2021. À época, foram motivados por Donald Trump (Republicano) que tentava a reeleição, mas saiu derrotado.

“O que a gente percebeu ontem é que se não foi por incompetência do governo do Distrito Federal, ocorreu uma falha enorme destes agentes em fazer a defesa. O que se vê pelas imagens, é que houve uma certa conivência com os manifestantes, inclusive, permitindo que eles entrassem e fizessem o estrago que foi feito, destruindo o patrimônio histórico-cultural do país, também do patrimônio público com a depredação de outros itens”, avalia.

Foto: Agência Reuters

A anuência dos poderes públicos do Distrito Federal também foi apontada por Ronaldo Gaspar, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Estadual de Londrina e Região (SINDIPROL/ADUEL). Para ele, a complacência reforça a necessidade de uma investigação detalhada a fim de que preferências ideológicas não sejam elementos que legitimem – ou não – o trabalho dentro das corporações.

“Essa tentativa de golpe demonstrou também que a Polícia Militar do DF – e, ao que tudo indica, também de outros estados – está carcomida pela influência bolsonarista. Portanto, é necessário um expurgo de muitos oficiais e soldados das polícias militares, polícias civis, polícia rodoviária federal e polícia federal para que se reestabeleça o pleno controle dessas instituições e, assim, que elas possam cumprir com alguma confiança as suas funções institucionais”, analisa.

Gaspar ressalta também a responsabilidade do governador Ibaneis Rocha (MDB), que durante campanha presidencial, esteve ao lado de Bolsonaro, e indica a “ingenuidade” de segmentos do atual governo ao dialogar com representantes da antiga gestão.

“O que causou certa surpresa foi a absoluta leniência das forças de segurança do Distrito Federal – cujas responsabilidades precisam ser apuradas, especialmente do governador e do secretário de segurança – e, principalmente, a ingenuidade do novo governo, que, de um lado, apostou na acomodação de interesses com alguns bolsonaristas e, de outro, na figura de Flávio Dino, foi demasiadamente crente nas declarações do governo do Distrito Federal”, ele pontua.

Márcio André Ribeiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), Núcleo de Londrina, também conta que não foi surpreendido com a tentativa de golpe, visto que os ataques à Constituição Federal estão em escalada há algum tempo, principalmente, após o fim do pleito de 2022. Na ocasião, rodovias de todo país foram tomadas por parcelas da população que discordam do resultado das eleições.

A mesma ofensiva ocorre desde ontem, quando golpistas voltaram a fechar estradas, impedindo a circulação em diferentes estados, entre os quais, no Paraná. Trechos da PR 092, entre os kms 309 e 322, amanheceram com arvores derrubadas, obstruindo passagens em uma das pistas e pneus foram queimados em sete pontos, segundo informações da Polícia Rodoviária Estadual. Em nota, a Instituição declarou que acredita que os atos de vandalismo foram propositais.

Foto: Divulgação Polícia Rodoviária Estadual do Paraná

“Já se sabia, inclusive, da tentativa de bloqueio de estradas e distribuídas de combustíveis desde semana passada. Ficou muito evidente a participação das forças de segurança do Distrito Federal, no sentido de não agir, não se preparar adequadamente, e precisa se averiguar se o governador também fez parte desta orquestração. Lamentável, preocupante, mas temos que manter a calma e exigir que a Justiça brasileira tome as providências contra estes fascistas que não aceitam resultados democráticos”, adverte.

Além disso, as incursões autoritárias contra a democracia são reforçadas por Bolsonaro, que deixou o país antes do término do mandato, para não entregar o posto ao presidente eleito, em mais uma demonstração de desrespeito à soberania popular. Ribeiro recorda também dos ataques organizados em Brasília durante diplomação do presidente eleito em dezembro do ano passado. Durante a cerimônia, bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal (PF), atearam fogo em carros e espalharam explosivos nos arredores do aeroporto de Brasília.

“Nós estamos enfrentando um crescimento do fascismo, as pessoas às vezes nem sabe o que ele significa mas estão praticando. Somos uma jovem democracia que desde a redemocratização, após um golpe cívico-militar, na década de 1960 do século 20, teve apenas nove eleições livres e democráticas e já estamos enfrentando este desafio de combater o fascismo de extrema-direita no país”, complementa.

Quem está financiando o golpismo?

Os sindicalistas reforçam a necessidade de que a investigação não apenas responsabilize os invasores, mas também demonstre à sociedade brasileira quem são os grupos que estão pagando para que atos golpistas sejam realizadas no país.

“Cabe às forças progressistas cobrarem e exigirem da Justiça brasileira as medidas cabíveis, sobretudo, para que não haja nenhum tipo de perdão e alívio, principalmente, aos mandantes destes crimes. Que não haja anistia às pessoas que organizam, financiam, incentivam estes atos. Que a punição não seja apenas para as pessoas que estavam lá de maneira irresponsável, mas aquelas que continuam dentro das suas casas, sentados em cima dos seus abastados cofres financiando estes atos terroristas”, afirma Ribeiro.

Para Gaspar, além da identificação de todos os participantes, é urgente criar atividades que conscientizem a população sobre seus direitos, que são garantidos pela ordem democrática. “Primeiramente, uma pressão política para que as instituições cumpram com suas funções legais e não hesitem na investigação e punição dos envolvidos: manifestantes, políticos apoiadores, policiais e autoridades coniventes e financiadores. Depois, organizar e fortalecer as ações de rua e nos locais de trabalho. Contra o fascismo, a luta não pode se circunscrever às instituições, pois as suas ações não são exclusivamente institucionais. Portanto, o caminho é o fortalecimento da organização dos trabalhadores, das massas populares e suas lutas”, adverte.

Valdir de Souza, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Londrina, considera que a entidade vê com muita preocupação este atentado à democracia brasileira. “Uma vergonha para o nosso país, provocada por poucas pessoas que eu diria que são vândalos, fascistas, terroristas, este é o termo mais indicado. Elas não representam a população brasileira, destruíram os Três Poderes. Nós temos que saber quem financiou, quem bancou aqueles vândalos, para estarem em Brasília ontem”.

Filho salienta que a expectativa é que a Justiça brasileira averigue com muito cuidado o episódio, já que, quando se trata de reinvindicações da classe trabalhadora, a repressão com as manifestações se faz presente de maneira muito incisiva.

“Estas pessoas saíram de algum lugar, as inteligências de segurança pública dos diversos estados também permitiram que estas pessoas fossem Brasília. Teve caravana que saiu de Londrina. Que a Justiça se faça presente contra aqueles que estão lutando por uma causa antidemocrática. Porque quando a gente vê a ação contra os trabalhadores, o aparelho de repressão do estado funciona muito bem. A violência é enorme, vamos ver agora como eles vão agir contra estes fascistas que tem, em grande, financiamento do patronato”, observa.

Dos 87 veículos apreendidos em Brasília, 14 já foram identificados, sendo três deles fretados pela Viação Garcia e dois pela Brasil Sul Linhas Rodoviárias, de acordo com levantamento do Portal G1.

Conta paga pela classe trabalhadora

Souza ressalva que o prejuízo será sentido, sobretudo, pela parcela mais vulnerável da população. “Os bens públicos que pertencem a todos nós foram destruídos e a conta ficará para nós, trabalhadores, pagarmos futuramente. São pessoas que foram lá para bagunçar e não para reivindicar como as classes trabalhadoras fazem. Ninguém ali pediu para melhor a saúde, educação, segurança pública”, diz.

O entendimento é compartilhado por Gaspar, que enfatiza que a “democracia” no Brasil, não contempla todas as camadas da sociedade, visto que as múltiplas desigualdades sociais (de renda, gênero, pertencimento étnico-racial) afetam na igualdade de oportunidades e acesso às liberdades e direitos. Assim, setores mais empobrecidos e subalternizados tendem a ser ainda mais afetados já que a agenda neoliberal, adotada pelos governos com viés autoritário, tende a adotar medidas econômicas que não atendem os interesses dos trabalhadores.

“Mais, uma vez, uma tentativa de golpe foi perpetrada por forças políticas comprometidas com ideias e práticas regressivas – antidemocráticas, segregacionistas, obscurantistas etc. Igualmente, ela também é incompleta porque, como não passamos por nenhuma revolução nacional-popular, a nossa construção como nação está profundamente comprometida tanto pela nossa dependência econômica e tecnológica das potências centrais como por uma imensa desigualdade social, que mantém uma parcela substancial das massas populares em condições miseráveis de existência e, assim, as impedem de usufruir verdadeiramente de direitos políticos”.

Para ele, “mantidas as condições atuais – uma “democracia” com apenas uma pequena parcela dos democratas comprometidos com a democratização econômico-social – a ameaça do golpe fascista continuará a nos espreitar”, acrescenta.

Foto: Reprodução Twitter

Filho também acredita que as consequências maiores irão chegar para a classe trabalhadora que torna-se ainda mais fragilizada mediante o fortalecimento de grupos antidemocráticos e obscurantistas, responsáveis por dificultar o debate de pautas das minorias sociais, comprometendo que elas avancem e sejam convertidas em políticas públicas.

“Vendo o que ocorreu ontem e sabendo que este pessoal tem dinheiro para manter esta estrutura para garantir um ato como aquele, levanta suspeitas sobre o que a gente pode construir dentro do Congresso Nacional porque a grande maioria dos deputados federais são ligados ao fascismo, não tem como dizer outro nome para caracterizar este grupo. E nós sabemos o que eles defendem: destruição da terra, dos povos originários, exploração irrestrita das pessoas, a destruição da vida frente à acumulação de capital”, alerta.

Nesta segunda-feira (9), o Coletivo de Sindicatos de Londrina, emitiu nota em repúdio à invasão golpista. Acompanhe documento na íntegra abaixo:

Fonte: Assessoria

O que foi feito até agora

Ainda ontem, Lula decretou intervenção federal até o próximo 31 de janeiro no Distrito Federal (DF). Alexandre de Moraes, ministro do STF, determinou o afastamento por 90 dias do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB) e a desmobilização dos acampamentos frente aos quarteis em todo o país. Até o momento, a Polícia Civil informou que mais de 400 criminosos já foram presos. A estimativa é que aproximadamente 3 mil pessoas estejam envolvidas.

Já o Senado Federal colheu, até o momento, 31 assinaturas, atingindo quantidade suficiente para a abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos atos antidemocráticos, proposta por lideranças de governo para investigar a responsabilidade pelos atos de destruição. Ainda, segmentos da sociedade civil também têm repudiado a tentativa de golpe.

Também nesta segunda-feira (9), movimentos sociais e partidos políticos organizam ato nacional em defesa da democracia por diversas cidades do país. Em Londrina, a concentração está marcada para às 17h em frente ao Cine Teatro Ouro Verde. Confira mais informações em matéria do Portal Verdade sobre a mobilização, disponível aqui.

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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.
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Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.

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