Projeto Parceiro da Escola, do Paraná, é questionado na Justiça pelo Ministério Público e pelo sindicato dos professores
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) indeferiu liminares para anular o edital do programa de terceirização da educação criado por Ratinho Jr. (PSD). O projeto Parceiros da Escola concede a gestão de escolas públicas do estado à iniciativa privada. Os autores das ações apontam irregularidades na condução do processo e no próprio formato do programa, já em vigor no estado depois de driblar outras inconsistências. Há recurso em andamento.
Mesmo provisória, a decisão dá um primeiro gosto de vitória para a Secretaria de Estado da Educação (Seed), que apostou muitas fichas em um projeto rejeitado por ampla maioria da comunidade escolar em sua primeira etapa de implantação. A intenção do Executivo era incorporar ao programa-piloto em 27 escolas, mas em apenas duas delas os pais e responsáveis admitiram a mudança, que, segundo a Promotoria de Justiça, caminha na corda-bamba da legalidade.
Terceirização da educação
A Secretaria da Educação não se manifestou sobre as supostas irregularidades apontadas. O governo concebeu a proposta sob a uma alegada “incapacidade” do estado dar conta de manter a rede formada por mais de 2 mil escolas e também sob a pretensão de aprimorar o desempenho dos alunos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – exame institucionalizado para medir a qualidade do ensino no país em que o Paraná já alcançou o topo do ranking.
Mas na peça de quase 50 páginas, o MP aponta como “grave” a situação à qual o sistema de ensino público do estado foi exposto e acusa o governo do Paraná de não ter conseguido justificar a necessidade de transferência da gestão educacional para empresas privadas. Na avaliação do órgão, uma série de falhas comprometeria a transparência do processo e violaria princípios legais da educação.
A começar, segundo a Promotoria, pela ausência de uma legislação específica que autorize a gestão de instituições da rede pública estadual por empresas particulares. O governo estaria, assim, criando um formato de ensino ainda não contemplado pelas diretrizes essenciais da educação brasileira. No ano passado, o TJPR derrubou lei sancionada por Ratinho Jr. para legalizar e normatizar a prática do homeschooling no estado justamente por entender que a legislação federal ainda não discutiu a incorporação da modalidade.
A interpretação do Ministério Público é de que a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), regulamentadora do sistema de ensino brasileiro, não permitem o repasse de recursos públicos para entes privados, exceto em casos bastante específicos e que não seriam válidos para a modalidade proposta pelo governo paranaense. O mesmo impasse se configuraria em relação ao Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no país. Lei de 2020 que regulamenta o uso do recurso não prevê destinação de verbas a empresas privadas com fins lucrativos.
O processo de credenciamento aberto para dar o primeiro passo rumo à terceirização da gestão escolar no estado homologou, pouco menos de três meses após o lançamento do edital, os grupos educacionais Apogeu e Decisão. Eles irão gerir, respectivamente, os colégios Anita Canet, em São José dos Pinhais, e Aníbal Khury Neto, em Curitiba. E apesar de a Seed ter sinalizado o envolvimento de ambos com atividades filantrópicas, os CNPJs relacionados na Receita Federal indicam natureza jurídica de atividade econômica.
A tese do Ministério Público é que, ao colocar o projeto sob responsabilidade de entidade vinculada ao governo, o Executivo “agiu para burlar a legislação”.
Parceiros da Escola
O programa Parceiros da Escola foi criado e executado em nome do Paranaeducação, serviço social autônomo formatado pela gestão de Jaime Lerner para prestar assistência ao estado na administração das escolas. Por ser instituição privada sem fins lucrativos, pode receber dinheiro destinado ao ensino público. Mas o argumento é de que os custos do projeto serão arcados diretamente pela Secretaria de Estado da Educação (Seed), como afirma a própria pasta em Nota Técnica citada pelo MP, e que, portanto, o Paranaeducação atuaria apenas um mediador dos repasses.
A Promotoria também considerou como motivo para pedir a anulação do edital os fatos de o governo não ter conseguido, na visão do órgão, explicar como definiu o pagamento às empresas de R$ 800 reais por aluno atendido no programa e não ter vinculado os R$ 220 milhões anuais destinados à execução do modelo ao orçamento do Estado.
O processo 19.711.565-3, que embasa o edital, não foi tornado público, mas de acordo com o pedido do MP, não constam nele indicação de fonte de custeio nem dotação orçamentaria dos gastos, bem como o estudo de viabilidade, uma exigência da lei de licitações. Segundo o órgão, “não houve a preparação de documentos, estudos ou análises preliminares capazes de chancelar a viabilidade do procedimento licitatório, sobretudo com relação aos aspectos orçamentários, em completa afronta ao art. 18 da Lei de Licitações. As Notas Técnicas e o Termo de Referência, que deram suporte ao Edital, são isolados, genéricos e desprovidos de fundamentos legais e orçamentários”.
Ilegalidade?
Um dos pontos mais polêmicos do projeto elaborado pelo Paranaeducação foi também um dos mais debatidos em audiência pública organizada na Assembleia Legislativa (Alep) em novembro do ano passado. Deputados, professores, estudantes e representantes de entidades alertaram para a brecha no projeto que permite a extensão da terceirização às atividades educacionais.
Consideradas atividades-fim, as práticas relacionadas à docência não podem ser terceirizadas – há entendimentos recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão –, embora o edital do Parceiros da Escola o permita. O edital concede à credenciada o direito de contratar, por exemplo, professores hoje incorporados pelo Processo Seletivo Simplificado (PSS), do estado, para compor o quadro de profissionais nas escolas que administram.
O MPPR vê na permissão um agravo à estabilidade dos profissionais, à liberdade de cátedra e a “um ensino crítico nos colégios da rede pública estadual de ensino, fundamentais à formação cidadã de alunos e alunas”.
No Paraná, a lei que estabelece o regime jurídico dos funcionários civis do poder Executivo, de 2020, proíbe a execução indireta de serviços em atividades para as quais exista cargo público. Mas a percepção muda a partir de agora com Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada a toque de caixa no último mês de dezembro pelos deputados estaduais. A mudança excluiu da Constituição Estadual artigo que vedava a “contratação de serviços de terceiros para a realização de atividades que possam ser regularmente exercidas por servidores públicos”, abrindo caminho para que mais cargos possam ser assumidos por mão de obra terceirizada.
Entre outros pontos, a Promotoria de Justiça também aponta indícios de desrespeito a princípios de transparência e publicidade em relação ao projeto. No parecer do órgão, a possibilidade de que pais e responsáveis pudessem votar sim ou não à adesão de forma online não garantiu a devida apresentação do programa à comunidade escolar, que também não foi chamada para discussões durante a elaboração do edital.
A Seed não chegou a fazer audiências públicas para tratar do tema com alunos e responsáveis. A pasta também não se manifestou sobre as alegações feitas pelo Ministério Público, apesar de ter sido questionada pelo Plural.
Juiz favorável
No despacho em que indeferiu a liminar para a anulação do edital requerida pela APP-Sindicato, o juiz Roger Vinicius Pires de Camargo Oliveira apontou não ter encontrado irregularidades que fundamentassem um posicionamento favorável ao sindicato.
Segundo o magistrado, não existe qualquer vedação para que sejam firmados contratos de gestão entre o Paranaeducação e o Estado do Paraná”, além do que, pela argumentação da APP, não foram demonstrados pontos que pudessem caracterizar privatização do ensino no Paraná.
O juiz considerou decisão do Supremo Tribunal Federal de 2007 que rechaçou pedido interposto pelo PT contestando a lei originária do Paranáeducação. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o partido acusou a legislação de permitir que o ensino público do Paraná passasse a ser administrado por pessoa jurídica. A Suprema Corte, no entanto, não acatou o argumento por ter reconhecido no serviço da entidade um auxílio ao Executivo, motivo pelo qual a atuação do Paranáeducação , segundo Oliveira, é legal e não tem a ver com privatização da educação pública, “mmas apenas um auxílio ao órgão estatal na gestão do sistema educacional, proporcionando, com isso, à comunidade padrões seguros de ensino e educação”.
“A conclusão prefacial que se chega é que não se trata de terceirização do Estado, ao contrário do defendido pelo autor, nem mesmo que tenha repasse de dinheiro público ao setor privado, já que não se resume a uma simplória parceria entre o Ente Público e os interessados na melhoria educacional das Instituições de Ensino”, diz a decisão.
Para indeferir o pedido, o magistrado também considerou razoáveis os cálculos de custo por aluno apresentado no edital, já que o valor de R$ 800 definido pelo programa. “diga-se de passagem, já é repassado para as Escolas por meio do custo com o Estado do Paraná, tudo em conformidade com o Edital de Credenciamento n.º 03 /2022. Ao que parece, não haverá impacto financeiro adicional para o Ente Público Estadual”.
Preliminarmente, o juiz também defendeu não haver como concluir que as atividades da empresa credenciada poderão influência na liberdade de cátedra. Para ele, “o Estado do Paraná continuará sendo o responsável pela educação pública, não se tendo alicerce necessário para impedir a parceria que está ocorrendo na área de educação, o que se mostra adequado e viável, mesmo porque não vejo descumprimento de espécies normativas aplicáveis no caso, nem mesmo o regramento constitucional previsto na Lei Maior em vigor”.
Fonte: Jornal Plural