Fátima & Camila* são amigas de infância. Nasceram e cresceram na Zona Norte de Londrama em algum lugar entre o Conjunto Vivi Xavier e o Jardim José Giordano. Periferia né? São escoladas nesse trem. Seguiram caminhos diferentes, mas que desembocam no mesmo lugar. Ambas nasceram em dois mil e cinco.
Fátima, sonolenta, um tanto mais ponderada, reclama que mal dormiu estudando para a prova de Sociologia, que cobraria três autores.
– Meu, embaralhou tudo na minha cabeça. Esses autores são foda. As vezes uma palavrinha muda tudo… Não sei o que faço!
Camila, um tanto mais “espevitada”, também sonolenta, mas por outro motivo, curtiu todas as festas de carnaval possíveis. E ainda escarnece da amiga:
– Sociologia é daora amiga!! E é moralzinha! Quero ver você fazer as contas de álgebra linear quântica. Aquelas contas intermináveis. Te mostro depois, teve uma que fiquei duas horas, deu três páginas do meu caderno e mesmo assim, ainda errei… Funde o cérebro meu!
Ambas lamentam terem ido por caminhos diferentes. As duas sempre estudaram em colégios públicos, mas com talentos diferentes, divagam no quinhentos e cinco expresso rumo ao Centro da cidade, com perspectivas de futuro.
Fátima faz um concorrido curso na área de humanas em uma Universidade pública. Camila faz outro concorrido curso na área de exatas, em outra Universidade pública. Uma situa-se na Zona Sul/Oeste, a outra na Zona Leste da cidade, praticamente nas extremidades.
Animadas. Desses ânimos dos jovens cheios de vida e esperança. Em dado momento, lembram da menina mais bonita da escola, a Ana Julia*.
– Meu lembra da Ana Julia?
– Claro que sim!! A nossa “Miss” da Escola!! Por onde anda?
– Ih meu, deu ruim… Tá grávida de seis meses!
– Sério? Mas tá bem?
– Ah meu, sei não. Dizem que o pai do bebê dela é da igreja e disse que mulher dele não estuda nem trabalha. Não conheço o fulano. Mas já viu né??
– Ah meu, não é possível!! Isso em pleno dois mil e vinte e três?
– Pois ser é cara… Foda. Parece que o cara não tá deixando ninguém trocar uma ideia com ela. Não tem mais whats, face, insta… a última atualização dela é de 2022, acredita??
Alguns segundos de silêncio para logo bolarem juntas um plano: LIBERDADE PARA ANA JULIA!
– Vou dar um jeito de visitar a Ana, nem que for para me fingir de enfermeira! Diz Camila.
– Que ideia sensacional!! Se precisar tem a casa da minha tia! Ela pode ficar por lá uns tempos, para se organizar!
– É, mas ela tem que querer né? Não adianta nada fazermos planos, se a pessoa não quiser se libertar!
– Não é questão de não querer meu, é opressão! Já parou para pensar que mesmo não tendo noção, ela está sendo oprimida? É toda uma construção social para ela se sujeitar, ser submissa! Ela é da nossa idade cara, você tem noção disso?
– Você será uma excelente defensora das mulheres amiga! Orgulho de você!
– Prometo que não vou descansar enquanto não souber da Ana! Questão de honra! Vamos nos falando. Qualquer hora é hora!!
Mais uma vez, silêncio toma conta.
Troca de olhares.
E um abraço daqueles que nos enchem de entusiasmo e uma fé no porvir….
A trilha sonora na minha cabeça nesse momento é Gonzaguinha:
“Eu vou à luta com essa juventude!! Que não foge da raia a troco de nada! Eu vou no bloco dessa mocidade. Que não tá na saudade e constrói a manhã desejada!”
*Nomes fictícios, personagens reais.
** Uma breve reflexão em alusão ao Dia Internacional da Mulher
Fonte: Papo Reto Londrama