Proposta de CPI é articulada por bolsonaristas; para o movimento, objetivo é atacar o governo e constranger entidade
Lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão em busca de uma agenda com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para tentar barrar a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST. Articulado por parlamentares bolsonaristas, o documento com o pedido de criação do colegiado juntou o quórum de 171 assinaturas e hoje está na mesa de Lira para que o mandatário delibere sobre o assunto.
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, argumenta que falta ao pedido respeito às normas que permitem a instalação de CPIs. De acordo com o regimento, é preciso ter não apenas um mínimo de 171 apoios da Casa e a indicação de tempo limitado de funcionamento, mas também um fato determinado que justifique uma apuração por parte do Legislativo.
“O MST fez praticamente menos de dez ocupações de terra e [o pedido] não tem nenhum fato pré-determinado. O MST também não tem convênio com governo em nenhum estado. O movimento já demonstrou que é uma organização que produz alimentos saudáveis e por isso queremos essa reunião com o Lira para fazer um bom debate com eles sobre esses assuntos.”
A lista de signatários do pedido de CPI contém nomes das siglas PL, PSDB, MDB, PSD, PP, Novo, União Brasil, Patriota e Podemos, além de um membro do PDT, partido da base do governo, Félix Mendonça Júnior (BA). Entre os apoiadores estão nomes como Maurício do Vôlei (PL-MG), Mário Frias (PL-SP), Deltan Dallagnol (Podemos-PR), Bia Kicis (PL-DF), Sílvia Waiãpi (PL-AP) e Pedro Lupion (PP-PR), este último líder da bancada ruralista.
O requerimento é encabeçado pelo deputado Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS) e foi apresentado formalmente em 15 de março. De lá para cá, o parlamentar e outros apoiadores têm pressionado Lira pela instalação do colegiado. No documento apresentado à Casa, o grupo pede a investigação do movimento, seu propósito e financiadores. Além disso, aponta “uma suposta influência por parte do governo federal” na atuação da entidade.
O MST entende que a CPI é uma forma de tentar atingir a gestão Lula, que conta com o apoio político da entidade. Também seria uma estratégia para frear a pauta agrária da gestão, que tem no escopo planos e políticas voltados à agricultura familiar, segmento que disputa espaço na agenda política do país com o agronegócio. João Paulo Rodrigues argumenta que o movimento já foi alvo de tentativa de criminalização em outras três iniciativas do tipo – as CPIs da Terra (2005), do MST (2009) e das ONGs (2010) – todas patrocinadas por parlamentares conservadores durante os primeiros governos Lula.
“Essa é mais uma para tentarem nos incriminar. As anteriores tinham o objetivo de apurar suposta irregularidade no uso de dinheiro público só para tentar constranger o movimento. Inventavam que nós tínhamos quadrilha ou algum tipo de corrupção interna, mas foi um verdadeiro vexame para a direita porque ninguém achou nada. Mas isso praticamente paralisou a reforma agrária por alguns anos”, comenta Rodrigues.
Para a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Luizianne Lins (PT-CE), a questão vai também além. “É uma cortina de fumaça para tirar o foco dos reais problemas que existem no mundo rural brasileiro. Querem esconder uma enormidade de violações de direitos humanos causadas pelo trabalho escravo, pelo uso abusivo de agrotóxicos, pela grilagem violenta de terras e pelo desrespeito a comunidades tradicionais com o garimpo ilegal.”
Jejum
O movimento teme a eventual instalação da CPI agora porque, entre outras coisas, a existência da comissão tenderia a paralisar novamente as políticas públicas voltadas ao segmento, que viveu um jejum de ações governamentais voltadas à agricultura familiar nos últimos anos.
“Essa CPI não tem sentido. É apenas mais uma CPI contra as políticas, contra o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. De novo eles querem apenas enquadrar o governo para, em vez de discutirem a pauta da reforma agrária, discutirem somente depoimentos, convocações de cooperativas, e assim por diante, para depois não se chegar a lugar nenhum”, diz o dirigente do MST.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) entende que, com a configuração majoritariamente conservadora da Câmara, os governistas precisam de uma forte articulação para tentar barrar uma eventual decisão favorável do Lira à CPI. “Nós vamos seguir firmes na luta para que isso não seja instalado. Obviamente, é um ataque às liberdades democráticas e aos movimentos sociais populares, em especial ao MST.”
Na visão de Rodrigues, a busca por uma criminalização da entidade se daria também como forma de reação à visibilidade que os sem-terra alcançaram nos últimos anos no país. “Acho que o objetivo é tentar isolar o MST, tendo em vista o grande apoio que nós tivemos com a produção de alimentos saudáveis durante a pandemia. Além disso, terra no Brasil é sinônimo de poder. Nossa luta foca numa das coisas mais sagradas para o latifúndio, que é terra. Nós estamos propondo reforma agrária, e vamos insistir com essa agenda, por isso eles querem nos calar com uma CPI.”
Fonte: Brasil de Fato