Blumenau e o suplício malévolo na creche não me saem da cabeça. Ainda dói o destino das crianças pela mão do despossuído de sentimentos que as matou. Na sequência do ato de extrema violência e covardia as redes sociais revelaram o perfil do assassino: violento, machista, homofóbico e apoiador de mitos.
Essa nuance ligou o assassino à extrema direita tupiniquim e o fez mensageiro do discurso de ódio que campeou o país nos últimos seis anos.
Assim, por seu ato (homicídio de crianças) e pensamentos esposados nas redes sociais, não é difícil identificá-lo enquanto fascista que buscou, com o assassinato das crianças, dar vazão a algum não sentimento próprio (tangido nos portões do inferno, sob a sombra do próprio Cérbero) e espraiar o medo na sociedade.
Essa insânia fez lembrar o dia em que as redes sociais espraiaram imagens de fiéis, em um culto evangélico, fazendo ‘arminha’ com os dedos atrás do pastor que os conduzia, em plena igreja. O culto era, sim, dos evangélicos, mas houve muito Padre malformado que pregou em favor das armas no seio dos católicos.
Neste dia deve ter havido uma festa nos círculos do inferno.
O tempo (de violência e ódio) foi plantado e a colheita do que semeamos no passado cobra, agora, da sociedade, um preço muito alto pelo desequilíbrio absurdo que a inversão de valores custou. Acuada pelo medo, a sociedade cobrou dos governantes uma solução contra a violência que lhe colheu da forma mais baixa e covarde possível. O estado do Paraná respondeu.
Houve aqui em Londrina, na noite de quarta-feira (12/04), um debate sobre o tema, convocado pelo governo do Paraná, sob sugestivo título ‘treinamento avançado em segurança escolar’, deflagrado imediatamente após o que ocorreu em Santa Catarina.
Ao que parece (não estive lá, mas ouvi da boca de quem lá esteve), há a intenção de transformar escolas em locais de vigilância armada, através da presença policial maciça em porta de escola. Houve, nesse sentido, a distribuição de um folheto propagandístico (digital) da intenção governamental, dizente com o desenho de um protocolo que alocaria cinco mil e seiscentos policiais nas escolas (estimadas em duas mil e duzentas). Este mesmo documento sugere que ‘toda viatura que não estiver atendendo ocorrência deve ficar, preferencialmente, em frente às escolas’.
Não posso desconsiderar o medo de milhares de mães (e pais) que estão na linha de frente da comunicação governamental no Paraná e esperam das autoridades constituídas uma solução. Assim e por esta razão me abstenho (por agora) de dizer o que penso de alocar estrategicamente guardas armados em frente escolas públicas. Mas vou, sim, lembrar a responsabilidade do estado do Paraná no evento de Santa Catarina.
O Paraná, enquanto estado, está para Santa Catarina, como a veia para o sangue: aparentemente são uma coisa só, mas em verdade a veia canaliza o caminho do plasma, evitando que este se esparrame pelo corpo e, assim, não cumpra seu papel – transportar oxigênio dos pulmões para as células, eliminando o gás carbônico celular.
Para que não fique vaga a metáfora (como fosse possível explicar uma metáfora), sustento a imagem sanguínea acima sugerida no último levantamento realizado pela inteligência da polícia federal, acerca da proliferação de células neonazistas no Brasil. O Paraná é o recordista (veia), Santa Catarina (sangue) vem em segundo lugar.
Deveras, já o disse mas preciso tornar dizê-lo: o fascismo, enquanto condutor da ditadura do pensamento único, não é senão um espaço de manobra do capitalismo, naquilo que a exploração da natureza pelo homem, a cada questionamento mais severo (quase sempre apostolado na crescente tutela do planeta em face do evidente esgotamento de recursos naturais), tende a contrapor dificuldades às inúmeras facilidades que o modelo neoliberal desenhou em favor das classes de dominância econômica.
Assim é que a crescente onda mundial gritando em favor da biodiversidade e do clima estão custando muito ao capital que, acuado, convoca seus mastins fascistas para operar discursos de ódio e ações de violência terminal (fazendo ‘arminha’ em culto evangélico), buscando impor uma onda de medo que capture a vontade e a razão da sociedade civil.
Foi assim na Alemanha nazista, na Itália fascista e na Espanha generalíssima. hitler, mussolini e franco ascenderam ao poder em meio a graves crises sócio econômicas e se mantiveram pela imposição de políticas de ódio e violência deflagradas contra as minorias.
A origem da expressão extrema direita remete ao debate público francês que seguiu os eventos então relacionados à revolução Bolchevique (março de 1917 a junho de 1923), sendo desenhada para recepcionar os mais violentos opositores da Revolução Russa.
Sem qualquer juízo de valor, lembro que a Revolução Bolchevique foi, como o próprio nome sustenta, uma Revolução (que se notabiliza por significar uma ruptura profunda na estrutura sócio econômica de um país). No caso específico, o Partido Bolchevique ascendeu ao poder derrubando a monarquia russa.
Havia fome e insatisfação da massa trabalhadora que, numa Rússia recém industrializada, convivia com a exploração abusiva da força de trabalho, que exigia demais e pagava de menos – sem falar que o czar absolutista Nicolau II desagravava aos trabalhadores que ansiavam menos opressão e mais liberdade democrática.
A instauração do primeiro regime comunista do mundo (Rússia) levou Europa a responder, justamente na criação de uma extrema direita que se contrapunha violenta e odiosamente ao modelo revolucionário das estepes. O mundo marchou, então, alimentado pelo e no ódio de classes. O ‘up grade’ desse insight (extrema direita) marcou encontro com a força, desembarcando (em parte) na militarização dos países latino americanos, justamente para que a ‘ideia de revolução’ não ganhasse fôlego.
Assim se fez e após o uso dos milicos que se venderam ao capital e ensaiaram a narrativa de época, apostolando as ditaduras latinas que mentiram sua real função na contrafação de um inimigo imaginário (comunismo), hoje a extrema direita está focada no debate da militarização de nossas escolas públicas – porque disputa a militarização do pensamento do jovem…
Lembra o ódio inexplicável à Paulo Freire? Então, essa é a sua justificativa. O sociólogo se fez inimigo do pensamento irracional da direita justamente porque era da essência de sua produção científico-acadêmica a fixação do pensamento crítico que levasse o homem ao crescimento interior, com ênfase na diagnose da luta de classes, em ordem a evitar a perpetuação de sua exploração.
Paulo Freire acreditava que o destino do homem era ser mais, a extrema direita o queria subserviente e submisso, para seguir comprando sua força de trabalho. Assim, sem nenhum medo de me equivocar, sustento que o evento maldito de Santa Catarina (sobre o qual já escrevi) repristina por aqui com a resposta imediata do governo coxa branca, que se vale do instante de medo e dor (verdadeiros combustíveis fósseis) para implementar a militarização de nossas escolas públicas.
Não é o caminho (aliás é a rota que leva ao inferno), naquilo que medo e violência não são conselheiros confiáveis quando se trata de abraçar uma necessidade imediata que não se revolve no enfrentamento do medo no combate irracional da violência.
Creio que a primeira medida viria dos pastores que fizeram ‘arminha’ com os dedos no culto em incitamento aos fiéis que, imediatamente, responderam de ‘arminha’ em punho (literalmente). Um mea culpa que afirmasse, com todas as letras, que a violência não se combate com a violência.
A igreja tem que vir a público reconhecer o erro de comportamento de pastores (e Padres) a fim de viabilizar uma reconstrução educacional nos discursos de ódio. Amar é com Deus, odiar com o diabo – e nossa sociedade parece pouco ciente dessa realidade.
Tristes e escravizados trópicos, onde a violência e o ódio escrevem com o sangue dos inocentes o portfólio da extrema direita em sua marcha pela perpetuação da exploração do homem.
João dos Santos Gomes Filho
Para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.