Em tramitação há dois anos, texto prevê responsabilização das plataformas digitais por conteúdos extremistas e fake news
Antes do fim de abril a Câmara deve votar em regime de urgência o Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que “institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. Se conseguir concluir a votação, a casa dará um passo a mais no avanço de um texto que causa polêmicas há cerca de dois anos.
O projeto prevê medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais e chegou a ser apelidado inicialmente de PL das Fake News. Mas o conteúdo vai além e também responsabiliza empresas como Facebook, Twitter, WhatsApp e Telegram por não tomar medidas para frear a desinformação.
De acordo com declarações recentes do relator do texto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o PL vai trazer a previsão de que as empresas sejam mais transparentes em relação ao funcionamento dos algoritmos, que determinam o que cada pessoa recebe por meios das redes sociais.
A proteção de crianças e adolescentes também terá um capítulo à parte, ainda segundo o deputado. Após o registro de ataques e ameaças contra escolas no Brasil, o uso das redes sociais para planejamento desses crimes e disseminação de conteúdos extremistas veio a tona, assim como falta de controle do que é publicado.
Empresas privadas, riscos públicos
Do lado de quem critica o texto estão argumentos que classificam a proposta como uma tentativa de censura ao que é publicado nas redes sociais. O Brasil de Fato ouviu especialistas que rechaçam essa leitura e apontam que não regular as redes sociais pode afetar gravemente a democracia brasileira.
A jornalista Bia Barbosa, que integra a Coalizão Direitos na Rede explica que o funcionamento das plataformas é baseado em termos globais, definidos pelas próprias empresas e que, muitas vezes, não estão de acordo com a legislação dos países em que elas operam. Com o controle de dados do mundo todo, o alcance do que é publicado e o impacto no cotidiano da sociedade são gigantescos.
“A lei tinha um primeiro objetivo de dar mais transparência para o funcionamento dessas plataformas digitais. Outro objetivo, que a lei já tinha desde o início, era pensar como ampliar de alguma forma a responsabilidade dessas empresas. A forma como elas têm operado tem gerando uma série de riscos para a nossa democracia. Desde a distribuição de desinformação, que era uma preocupação que estava na origem do projeto, até a propagação de discursos de ódio.”
A especialista explica que o ambiente digital é permissivo e os limites não podem ser definidos por empresas privadas que visam lucro. A contrário, é preciso definir como responsabilizar as empresas e articular uma moderação mais consistente dos conteúdos postados.
“Como podemos reduzir esse poder enorme que elas têm de definir o que circula nesse ambiente digital? Obviamente, de uma maneira democrática. Ninguém quer censurar o exercício legítimo da liberdade de expressão. Mas esse não é um direito absoluto e precisa estar em equilíbrio com outros direitos.”
Como controlar?
A simples criação de uma legislação que regulamente o funcionamento das redes sociais pode não resolver o problema. O Estado brasileiro também precisará implementar maneiras de monitorar o cumprimento da lei.
A advogada, Flávia Lefèvre, especialista em telecomunicações, direito do consumidor e direitos digitais, afirma que o projeto de lei tem pontos muito positivos, como especificações detalhadas sobre obrigações de segurança e a transparência sobre os sistemas automatizados que as plataformas usam para gerenciar, moderar e recomendar conteúdo — os algoritmos. Lefèvre destaca que, como fornecedoras de serviços, as plataformas precisam cumprir o que determina o Código de Defesa do Consumidor.
“A obrigação de segurança é um direito básico do consumidor, e as plataformas não têm atuado de maneira adequada. Um exemplo disso foi a questão da pandemia, onde 75% das mensagens e notícias de desinformação com relação a medicamentos ineficazes e estímulo ao uso da vacina foram divulgadas pelo Facebook. Isso é uma prática criminosa prevista no Código Penal. Como uma plataforma não percebe isso, se eles têm sistemas algorítmicos que acompanham os conteúdos?”
No entanto, Lefèvre considera que o PL precisa especificar melhor como será feita a supervisão das obrigações estabelecidas. Segundo ela, a estrutura de monitoramento proposta no texto não é suficiente. A especialista defende ainda que sejam criados mecanismos para ampliação da participação da sociedade nas decisões. Sem isso, haverá “um déficit de representatividade” da sociedade civil, do meio acadêmico e de empresas.
“O projeto fala na criação de uma entidade autônoma de supervisão e não dá nenhuma dica de como será essa entidade. Independentemente da estrutura, precisaríamos que isso já estivesse constituído ontem. A questão da internet não pode ser definida de cima para baixo, no governo ou em uma agência reguladora, no modelo neoliberal padrão que já conhecemos e que sabemos que são tão cooptáveis.”
A informação de que o PL pode ser votado já na próxima semana veio do próprio presidente da Câmara Arthur Lira (PP). Em entrevista à BandNews, ele citou os casos de violência contra escolas e a influência da desinformação e de discursos extremistas sobre os jovens. Segundo o parlamentar o assunto terá uma decisão “finalizadora” entre os dias 26 e 27 de abril, no plenário da Câmara.
Fonte: Brasil de Fato