Parte I: Como e porque nasce o SUS
Em toda a história da assistência à saúde no Brasil, a grande maioria do povo esteve sempre excluído do acesso ao atendimento. Para eles, era o ‘curador’ (ou curandeiro), a benzedeira, os chazinhos, as ervas medicinais, as orações e muita fé.
Realidade que atinge o ápice com a política autoritária da ditadura militar, com um sistema de saúde implantado que estratificava a sociedade para acesso ao atendimento em três grupos: 1) ricos que podiam pagar; 2) trabalhadores em emprego formal com carteira assinada e direito (mediante desconto de seu salário) à carteira do INAMPS e à fila de atendimento da Previdência e 3) aqueles que não podiam pagar, por ser pobre, desempregado ou no trabalho informal sem carteira registrada, sem direito a atendimento e eram classificados como “Indigentes” nos registros.
A massiva maioria dos brasileiros não conseguiam ser atendido por aquele sistema de saúde. E o Brasil se urbanizava, aumentando esta insatisfação, somada ao elevado custo e à ocorrência de fraudes e corrupção no sistema, levando à sua falência.
Isto e o clamor por democracia e liberdade de expressão e organização, em meados década de 1970, gera um forte movimento de discussões, debates, teses acadêmicas e reivindicações vindas de movimentos sociais, como sindicalistas, associações de moradores (que nasciam nas periferias das grandes cidades), estudantes, comunidades eclesiais de base e tantos outros, clamando por uma reforma no sistema de saúde, mais inclusiva e voltada às necessidades de nosso povo.
Tudo isto se articula no Movimento da Reforma Sanitária Brasileira que ganha forte impulso político com as eleições de 1982, onde a oposição à ditadura militar (que ainda governava o país) elege muitos prefeitos e governadores (primeira eleição direta para governadores desde 1964, com o golpe militar), que começam a implantar em seus estados e municípios várias teses da Reforma Sanitária. Por exemplo, os postos de saúde (UBS) nas periferias da cidade, algo que não existia até então.
Vem a Campanha das ‘Diretas Já’, reivindicando eleições diretas e livres no Brasil, mobilizando espontaneamente milhões de brasileiros em todos os cantos do país. Ocorre a eleição ainda indireta do Tancredo Neves decretando o fim da ditadura militar e a eleição da Constituinte. O Movimento da Reforma Sanitária se aglutina na 8ª Conferência Nacional de Saúde, março de 1976, com cerca de 5 mil delegados e participantes de todos municípios brasileiros. Aprova as teses que foram para a Constituinte criando o Sistema Único de Saúde, o SUS, e traz a universalização da assistência à saúde, garantindo por lei a todos brasileiros o direito à saúde como um dever do estado.
Daí que, por exemplo, pessoas que você conhece que estão desempregados ou no emprego informal, sem carteira de trabalho ativa, podem e devem ser atendidas pelo sistema de saúde vigente hoje.
E o que isto significa? Bem, aí é assunto para o próximo capítulo desta história.
Gilberto Martin, médico sanitarista