Emissoras e entidades acusam Tel Aviv de tentar calar jornalistas para que não retratem as atrocidades em curso
Em meio à visita a Israel de um enviado do governo dos Estados Unidos, que tem pressionado para que a ofensiva em Gaza encontre formas de poupar as vidas de civis inocentes, o massacre israelense na Faixa de Gaza tirou a vida de mais dois jornalistas nesta sexta-feira (15), o que elevou para 64 o número de profissionais da mídia mortos desde o início da guerra.
O número total de vítimas do lado palestino já beira 19 mil e aumentou a suspeita de que as tropas do país invasor mantêm uma política deliberada de tentar inviabilizar o trabalho de quem se dedica a reportar a agressão em curso.
Samer Abudaqa, da emissora Al Jazeera, e Ramy Budair, da agência Palestinian New Press, são as vítimas fatais do dia na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza. Mas o ataque israelense deixou também uma série de feridos, entre eles o chefe da redação da Al Jazeera em Gaza, Wael Dahdouh, que deu detalhes sobre o que ocorreu.
Dahdouh afirmou que a equipe da emissora estava acompanhando socorristas na evacuação de uma família após a destruição de sua casa. “Capturamos a destruição devastadora e chegamos a lugares que não tinham sido alcançados por nenhuma lente de câmera desde o início da operação terrestre israelense”, disse, na cama de um hospital.
À medida que os jornalistas saíam do local a pé, Dahdouh disse que “algo grande” o derrubou no chão. Após a explosão, ele pressionou seus ferimentos e saiu do local em busca de ajuda, mas quando chegou a uma ambulância, os socorristas disseram que não poderiam retornar ao local do ataque porque era muito perigoso.
Segundo ele, uma ambulância tentou chegar até Abudaqa, mas foi alvo de disparos, o que parece configurar mais um caso, entre tantos outros reportados nos últimos dias, em que civis inocentes feridos não conseguem obter o atendimento médico adequado porque as forças israelenses atrapalham o trabalho de resgate.
Estatísticas
Dahdouh perdeu vários membros de sua família (esposa, filho, filha e neto) em um ataque aéreo israelense em outubro. Segundo o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), jornalistas em Gaza enfrentam riscos particularmente altos ao cobrir a invasão israelense, que advêm de ataques aéreos devastadores, comunicações interrompidas, escassez de suprimentos e cortes de energia, sem falar em múltiplos ataques, ameaças, ciberataques, censura e assassinatos de familiares de jornalistas.
Confira os números que se referem a profissionais de mídia até 15 de dezembro: 64 mortos (57 palestinos, 4 israelenses e 3 libaneses); 13 feridos; 3 desaparecidos; 19 presos.
O CPJ pediu uma investigação independente sobre o ataque desta sexta. Carlos Martinez de la Serna, diretor da entidade, disse estar alarmado com “o padrão de ataques a jornalistas da Al Jazeera e suas famílias”.
Ao todo, pelo menos 18.787 pessoas foram mortas em Gaza e 50.897 ficaram feridas desde o início da guerra, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.
Mortes premeditadas?
Em 27 de outubro, portanto 20 dias após o início da ofensiva de Israel, as agências de notícias Reuters e France Press buscaram junto às Forças de Defesa de Israel (IDF) garantias de que seus jornalistas não seriam alvo de ataques, e ouviram que seria impossível garantir a segurança deles.
Recentemente, a Al Jazeera afirma ter perguntado ao porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, se Israel estava alvejando jornalistas deliberadamente, o que ele negou: “Não vi nenhuma indicação disso, absolutamente nenhuma evidência de que Israel esteja indo atrás de jornalistas. É uma alegação infundada”.
Repercussão
Tim Dawson, secretário-geral adjunto da Federação Internacional de Jornalistas, soou o alarme sobre as “dezenas de jornalistas” mortos desde 7 de outubro. “Acredito que isso agora é uma questão de liberdade de imprensa. Temos que nos perguntar: ‘O que o [militar israelense] está tentando alcançar? Por que eles não permitem a entrada de jornalistas estrangeiros?'”, disse à Al Jazeera.
Stephane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, afirmou: “É crucial que os jornalistas possam realizar seu trabalho sem ataques violentos”.
Israel admite ter matado reféns por engano
Em meio à comoção causada pelas mortes dos jornalistas, o exército israelense admitiu que matou por engano três pessoas feitas reféns pelo Hamas na invasão a Israel do dia 7 de outubro. Segundo o porta-voz Daniel Hagari, o exército “identificou erroneamente três reféns israelenses como uma ameaça” durante combates na Cidade de Gaza.
“Durante uma varredura e inspeção da área do incidente, surgiu uma suspeita sobre a identidade dos mortos. Os corpos foram levados para exame em território israelense, após o qual ficou claro que eram três reféns israelenses”, disse. Os nomes de dois deles foram divulgados e o terceiro permaneceu em sigilo, a pedido da família.
As impressões do enviado de Biden
O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, que está em Tel Aviv, disse nesta sexta-feira que a guerra de Israel, que declaradamente é contra o Hamas, “vai levar meses”. Ele contou que discutiu com os líderes israelenses planos para transição da “fase de alta intensidade” da ofensiva em Gaza para “operações mais direcionadas”. Não especificou um cronograma para a suposta transição, mas disse que seu país quer “ver os resultados”.
Após declarar apoio total a Israel no início da ofensiva, inclusive com o envio de recursos bélicos e financeiros, o governo do presidente Joe Biden tem adotado uma postura mais crítica nos últimos tempos, ao afirmar que Israel precisa poupar civis e que seu aliado histórico está perdendo apoio na comunidade internacional por causa do massacre em Gaza.
Nova passagem humanitária
Israel anunciou na sexta-feira que abrirá temporariamente a passagem de Keren Shalom, de modo que algumas entregas de ajuda humanitária possam passar diretamente de Israel para Gaza, sem a necessidade de entrar no Egito para entrar em Gaza pela cidade de Rafah, onde existe um gargalo, uma limitação na capacidade de promover esse corredor humanitário. É a primeira vez desde o início da ofensiva que a ajuda humanitária poderá passar diretamente entre Israel e Gaza.
Fonte: Brasil de Fato