O Plano Nacional de Cultura (PNC), criado em 2010, completou 14 anos com 3 das 53 metas cumpridas na sua totalidade. Segundo o relatório final de avaliação do Plano Nacional de Cultura elaborado pela Escola Nacional de Administração Pública e publicado em 2022, foram cumpridas integralmente as metas de número 31 (aumentar o número de municípios brasileiros com algum tipo de instituição ou equipamento cultural), 3 (produzir um mapa das expressões culturais e linguagens artísticas de todo o Brasil) e 18 (aumento em 100% no total de pessoas qualificadas em cursos, oficinas fóruns e seminários na área cultural).
Outras 19 metas tiveram índice entre 50% e 99% e 25 metas foram concluídas com menos de 50% de aproveitamento. A análise foi feita com base nos relatórios anuais divulgados pelo Ministério da Cultura, elaborados entre 2013 e 2020.
Já a avaliação de Claudinéli Moreira Ramos, publicada na Revista #29 do Observatório Itaú Cultural (2021), traz um quadro de maior aproveitamento. Para a doutora em Cultura e Informação pela ECA/USP, 8 metas teriam sido cumpridas (15%), 16 metas parcialmente cumpridas (30%) e 29 metas não cumpridas (55%).
Criado após um processo de debate com o setor cultural, que envolveu a realização de duas edições da Conferência Nacional de Cultura, o plano apontou 53 metas a serem alcançadas de forma transversal pelo poder público a nível municipal, estadual e federal. O documento traçou objetivos para áreas como diversidade cultural, economia, educação e capacitação, espaços culturais e direitos autorais. O Plano foi idealizado para ser executado até 2020, mas sua validade foi estendida durante o governo Bolsonaro. A partir de 2024, um novo PNC começa a tomar forma com a 4ª Conferência Nacional de Cultura, realizada entre 4 e 8 de março.
Ao longo de 14 anos, que perpassam os governos de Lula (um ano), Dilma Rousseff (5,5 anos), Michel Temer (2,5 anos) e Jair Bolsonaro (4 anos), o MinC manteve uma plataforma de monitoramento e avaliação do cumprimento das metas do plano. Os resultados, no entanto, apresentam incoerências na metodologia de mensuração.
Na meta 3, por exemplo, o indicador utilizado para aferir o “mapa das expressões culturais e linguagens artísticas de todo o Brasil” é o número de municípios do país que inseriram alguma informação no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), sem indicar que tipo de informação consta no sistema. A metodologia para medir é chamada SMART, que prevê que uma meta deve ser específica, mensurável, alcançável, relevante e com tempo definido.
Outras metas não apresentam atualização nos dados há alguns anos. A meta 14 determina que 100 mil escolas públicas de educação básica passassem a desenvolver atividades permanentes de arte e cultura. O último dado disponibilizado na plataforma é de 2014 e revela que 5% das escolas de educação básica atingiram a meta.
A meta 28, que determina o aumento em 60% do número de pessoas que frequentam algum equipamento cultural, também parou de ser atualizada na plataforma em 2014. Segundo os dados, há uma irregularidade em relação aos setores monitorados: naquele ano, houve aumento de 100% no número de pessoas que frequentam museus e centros culturais, mas uma queda de 27% no número de pessoas que frequentam espaços de música, informação sem explicação plausível. A fonte utilizada pelo MinC é a Pesquisa Frequência de Práticas Culturais (Ipea), de 2013/2014.
Já a meta 21, 150 filmes brasileiros de longa-metragem lançados ao ano em salas de cinema anualmente, foi batida em 2017, 2018 e 2019; alcançou o índice de -24% em 2020 e se recuperou em 2021 (ano de execução da Lei Aldir Blanc 1), com 128 longas lançados. As informações são da Ancine.
Há também algumas propostas que tiveram índice nulo, a exemplo da meta 50, que previa o uso de 10% do fundo social do pré-sal para a cultura. A plataforma do Plano Nacional Nacional de Cultura informa que “não é possível aferir o desempenho da meta, pois não há dados disponíveis para mensurar o indicador desta meta.”
Metodologia e indicadores imprecisos foram obstáculos
No relatório divulgado em 2022, a pesquisadora Marcia Miranda Soares avalia que “As 53 metas do Plano Nacional de Cultura apresentam 63 indicadores abrangentes e pouco precisos que precisaram ser aperfeiçoados para possibilitar a aferição das metas estabelecidas”. A metodologia resulta em um monitoramento do PNC também pouco preciso. Para o ano de 2020, é apontado que a informação foi satisfatória para 35 metas, pouco satisfatória para 11, insatisfatório para 5 e inexistente para 2 metas.
Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia também compartilham dessa avalição em pesquisa publicada pela então Secretaria Especial de Cultura em 2019. No caso da meta 22, por exemplo, que visionava um aumento em 30% no número de municípios brasileiros com grupos em atividade nas diversas linguagens artísticas (teatro, dança, circo, música, artes visuais, literatura e artesanato), a revisão avaliou que está fora da alçada do MinC (então Secult) a existência ou não de artistas dessas linguagens. O que seria mais adequado, sugerem, era ficar mais nítido a forma como o Ministério poderia apoiar o estabelecimento desses artistas.
O documento aponta também que o tempo definido para as metas deve ser observado no próximo PNC. Do total, 30% das metas apresentaram impossibilidade de ser alcançável no tempo previsto e lacunas no planejamento do monitoramento e da avaliação das metas. Um exemplo foi a 47– “100% dos planos setoriais com representação no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) com diretrizes, ações e metas voltadas para infância e juventude”. Na avaliação feita no documento, metas que objetivam a totalidade costumam ser impraticáveis na execução.
Para o advogado André Brayner, diretor do Instituto Brasileiro de Direitos culturais (IBDCult), a necessidade de avaliar o que foi o não cumprido no PNC é importante. “Precisamos ter tempo de analisar o que, dos planos estaduais e nacional, foi de fato executado. O que não foi, por que não foi?”, provoca o advogado. “Muitas metas são inexequíveis ou dependem de outras secretarias”. A pesquisadora da UFSC Eloise Delagnello concorda: “Na retomada de discussão sobre o PNC, é fundamental falar sobre a revisão de metas. Não se pode falar em novo plano sem falar antes em rever o que se conquistou.”
Já o pesquisador Humberto Cunha, em artigo publicado em 2022, considerou que apenas 8% das metas eram exequíveis. Segundo ele, o Plano Nacional de Educação tem menos metas do que o de cultura e eles têm muito mais recursos. Em comparação, o professor da UNIFOR considera o Plano da Educação mais assertivo. Na análise de Humberto Cunha, as metas do PNC foram analisadas sob 5 categorias: assertivas, imprecisas (confusas), instrumentais, transculturais e pragmáticas. Apenas 7% das metas foram consideradas assertivas para a pesquisa divulgada no debate sobre o tema durante o ENECULT 2022.
Em artigo publicado no Observatório Itaú Cultural, as pesquisadoras Lia Calabre e Adélia Zimbrão ponderam que o primeiro PNC foi elaborado em um contexto no qual não havia no país uma tradição de execução de políticas de cultura. “A área nunca havia vivenciado um processo efetivo de construção de políticas com qualquer grau de participação social. As poucas experiências de gestões que buscaram construir políticas efetivas para a área estiveram marcadas pelos regimes de exceção democrática”, apontam.
Outro fator que ajuda a explicar a baixa efetividade do PNC foi a falta de continuidade das políticas públicas que estavam previstas à época. “O cumprimento das metas do PNC estava também vinculado à efetivação de outros mecanismos de políticas, em especial o Sistema Nacional de Cultura, e à reestruturação dos mecanismos de financiamento das políticas – essa última não ocorreu até 2020.” No PNC, há, inclusive, metas de programas que foram extintos com o passar dos tempo.
Para Claudinéli Moreira Ramos, editora da publicação do Observatório Itaú Cultural, “ficou evidente a falta de uma estratégia de ação territorial e de evolução gradativa, que fosse mais coerente com a diversidade da situação dos municípios, com foco no nível local, o que permitiria resultados mais visíveis e motivadores, porque mais concretos e eficazes. Também ficou clara na formulação do plano a ausência de bons indicadores de desempenho e de resultado que pudessem servir de norteadores de aonde pretendemos chegar, bem como a necessidade de ampliar o conhecimento e a compreensão acerca dos impactos socioeconômicos das políticas culturais e de incrementar a transversalidade do campo da cultura, no sentido de maior integração com a educação, a saúde, a geração de emprego e renda e outras esferas públicas.”
Na elaboração do próximo plano, pesquisadores recomendam cuidado “nos casos de metas cujo alcance está completamente fora da governabilidade do MinC”. Destacam também, as metas que acentuam um posicionamento social e político amplo, complexo, porém importante para o desenvolvimento cultural do país, a exemplo da ampliação do Produto Interno Bruto (PIB) da cultura.
“Embora reconheça-se a importância da manutenção do objetivo político e social desse tipo de meta em um plano para a cultura do país – portanto, não apenas um plano de governo –, indica-se como recomendável priorizar a elaboração de um título da meta que preveja ações que o MinC possa realizar para promover o objetivo final.” Há também a recomendação para que se evite a grande quantidade de alterações no processo de revisão após o Plano.
Desafios mais comuns encontradas nas Metas do 1º Plano Nacional de Cultura:
- Imprecisão no planejamento do monitoramento e avaliação das metas;
- Falta de definição das unidades responsáveis pela execução da meta;
- Metas correlacionadas que interferem no alcance de outras;
- Metas com previsão de alcançar percentuais muito elevados, como 100%;
- Tempo definido incompatível com a meta;
- Abrangência geral, pouco específica, para compreensão de termos e conceitos da meta;
- Pouca capacidade de aferição da meta.
Fonte: Nonada Jornalismo