Docentes também apontam sobrecarga de trabalho para além da carga horária contratada
No fim de março, o Sindiprol/Aduel, entidade que representa docentes da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e da UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná) divulgou resultado de pesquisa cuja finalidade foi identificar as condições de trabalho de docentes temporários na UEL.
Ao todo, participaram 173 professores com contratação intermitente de 554 profissionais submetidos a este tipo de vínculo na Universidade. Isto é, o estudo contou a adesão de 31,2% da categoria.
Registra-se um aumento na participação em comparação a 2022, quando 93 professores responderam ao formulário, representando 21,7%. Naquele ano, a UEL possuía 428 docentes temporários, ou seja, nota-se também um crescimento nesta modalidade de contratação.
É importante ressaltar que as contratações temporárias oferecem condições ainda mais precarizadas de trabalho, já que diferentemente dos efetivos, estes profissionais não conseguem progredir no plano de carreira tampouco recebem indenizações ao término dos contratos.
O levantamento observou que, atualmente, a maioria dos docentes temporários em exercício é jovem, possui entre 34 e 43 anos (55%). A maior parte também é composta por mulheres (59,5%) enquanto homens representam 36,4%. Destaca-se, ainda, a presença de professores que se declararam “não binários”, isto é, pessoas que não se percebem como pertencentes a um gênero exclusivamente (1,7%).
No que diz respeito à orientação sexual, há amplo predomínio da heterossexualidade, com 87,3% do total de docentes. Professores LGBTQIA+, por sua vez, somam 11%, se considerarmos homossexuais e bissexuais.
Ainda, os educadores são predominantemente brancos (85,5%). Docentes negros chegam a apenas 11%, agregando os autodeclarados pardos e pretos.
A proporção de educadores temporários filiados ao Sindicato também é baixa, somente 15%.
Experiência profissional e titulação
Sobre a experiência profissional, o mapeamento constatou um número significativo de docentes com considerável experiência de docência no ensino superior, com mais da metade tendo entre três e dez anos.
A maioria dos professores possui titulação de doutor ou doutora (79,2%). No entanto, quando questionados se o seu salário está de acordo com o seu nível de especialização, 20,2% apontam que não.
Modalidade e tempo de contratação
Sobre a situação dos contratos de trabalho, 120 dos docentes informam que possuem um contrato de 20h na UEL (69,4%) seguidos daqueles que acumulam dois contratos de 20h (37 professores, o que representa 21,4%). Em terceiro lugar, aparecem os educadores com um contrato de 40h em andamento (16 profissionais, o que equivale a 9,2%).
Majoritariamente, os professores possuem outra atividade remunerada (65,9%). Quanto à natureza deste outro trabalho, dos 114 que responderam sim, 44,7% não exercem atividades na docência.
“Para ampliar a composição do salário, os docentes acabam assinando mais de um contrato de 20h na própria UEL, em outras universidades estaduais do Paraná ou, então, em instituições privadas”, destaca o documento.
A investigação também observou o tempo de contratação dos professores temporários: 28 enfrentam esta condição por mais de sete anos (17%). Contudo, o Sindiprol/Aduel chama atenção que há ciência de casos em que educadores atuam de modo temporário há mais de 15 anos.
Rodrigo Bischoff Belli é um destes profissionais admitidos temporiamente na UEL e UEM (Universidade Estadual de Maringá). O professor também é membro suplente da diretoria do Sindiprol/Aduel. Para ele, três pontos podem ser evidenciados a partir da pesquisa, primeiramente, as durações dos contratos, que têm se tornado gradativamente mais longas, isto é, a admissão emergencial de trabalhadores que deveria que adotada em momentos esporádicos, é cada vez mais frequente.
“A condição temporária parece não ser tão temporária assim. Se existe uma quantidade muito grande de profissionais que estão no seu primeiro contrato de trabalho, não é pequena a quantidade de pessoas que já estão no seu segundo, terceiro, quarto ou até mesmo quinto contrato de trabalho na Universidade, nesta condição de docente contratado temporariamente”, adverte.
Jornada de trabalho excedida e não paga
A maior parte dos entrevistados disseram que têm jornadas de aulas superior a nove horas semanais (67,6%) e atua em somente um curso (89 professores, indicando 51,4%). No entanto, 21,4% apontam que suas atividades são realizadas em três cursou ou mais.
Ainda, ressalta-se o número de disciplinas ministradas pelos docentes e quantidade de turmas assumidas. Os dados revelam que 30,6% possuem quatro ou mais disciplinas sob sua responsabilidade. O maior número de professores oferta aulas em três ou mais turmas (51,4%).
Quase a totalidade da categoria, possui atividades vinculadas à graduação (99,4%), porém, também existem aqueles que atuam na pós-graduação: 23,7% dos docentes ministram aulas nos cursos de especialização e 15% em mestrados e doutorados.
Belli acrescenta que um dos principais reflexos da contratação temporária é a limitação à prática docente. De acordo com o professor, devido a diretrizes da LGU (Lei Geral das Universidades) e de mecanismos internos das próprias instituições de ensino superior, é estabelecido que os docentes temporários desenvolvam suas jornadas predominantemente através de atividades realizadas em sala de aula, a nível de graduação.
“A gente sabe que a universidade é sustentada pelo tripé, ensino, pesquisa e extensão e isso se reflete no trabalho docente. Todos nós realizamos atividades de ensino na graduação e na pós-graduação, de pesquisa e extensão também, mas os temporários, em particular, as nossas condições de trabalho são orientadas, para a graduação. Então, se você tem um contrário temporário ou vários contratos temporários que te mantem dentro da universidade ao longo de grande período, isso significa que as condições de pesquisa e extensão que este servidor pode realizar são limitadas”, assinala.
Embora esta seja a orientação, conforme ressalva o relatório, além do trabalho em sala de aula, os docentes desenvolvem outras atividades de ensino, como orientação de trabalhos acadêmicos na graduação (66%) e na pós-graduação (24,8%), participação em projetos de ensino, pesquisa e extensão (57,2%) e supervisão de estágio (48%).
“Uma parcela importante tem extrapolado as suas horas de trabalho no ambiente da graduação, o que dificulta ainda mais as atividades de pesquisa e extensão. Dificulta, mas não elimina. Percebemos que atividades de pesquisa, extensão e até mesmo administrativas desenvolvidas pelos professores temporários existe e é volumosa e isso pode parecer uma característica positiva dentro do conjunto de atividades da universidade, mas nos moldes que se coloca não é. Isto porque, se boa parte do tempo de trabalho vai para graduação, isto significa que as demais atividades desenvolvidas pelos docentes não se enquadra no regime de trabalho, a gente poderia considerar que se trata de atividades que os profissionais desenvolvem e não são remunerados, são formas de trabalho não pago”, complementa Belli.
Quando questionados sobre a quantidade de horas que trabalha semanalmente, 70,5% dos docentes afirmam que o valor está adequado e 28,3% consideraram que está excedente. Um contingente relevante de professores informou que realizam atividades que não estão sendo contabilizadas em sua carga horária (32,4%).
O relatório pode ser consultado na íntegra, clicando aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.