O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) criou um penduricalho que pode aumentar em até R$ 11 mil o salário dos procuradores da República. Eles agora ganharam o direito de receber até 33% a mais para exercer as funções pelas quais foram contratados sob a justificativa de que estão sobrecarregados. Da forma como foi aprovado pelo CNMP, o benefício seria pago sem o desconto do abate-teto. Com isso, seus vencimentos ultrapassariam os R$ 39 mil pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A resolução vale também para os integrantes dos Ministérios Públicos estaduais. Pelo menos dois Estados (Paraná e Santa Catarina) já se adiantaram e, com base em leis locais, concedem aos promotores o penduricalho por acúmulo de processo. No Paraná, foi definido que promotores com mais de 200 ações criminais têm direito ao adicional. Basta ele ter 201 processos para receber 11% a mais no salário. Essa cifra pode triplicar. A partir da decisão do conselho, o MP do Paraná abriu procedimento para analisar o reajuste do penduricalho para pagar os 33%.
Esse benefício já era concedido aos juízes, mas em outros moldes. Agora, o CNMP espelhou o modelo para também engordar seus contracheques. O ato é assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, foi aprovado em maio e começa a valer agora.
No caso dos juízes, que recebem o adicional desde 2020, o acréscimo não pode furar o teto, de acordo com resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa trava também chegou a constar numa minuta de resolução do CNMP, mas foi retirada na versão final do texto abrindo brecha para o pagamento integral.
Outra diferença é que no caso dos magistrados o benefício é pago apenas aos que acumulam varas e processos nas férias de colegas, o que não ocorre no exercício das funções dos procuradores. Sob reserva, um ministro do Supremo condenou a criação do penduricalho pelo CNMP com base apenas no acúmulo de processos. Segundo ele, uma coisa é um juiz responder por duas ou mais varas para cobrir colegas em férias e outra coisa é acumular ação na própria vara. Para esse ministro, isso pode se tornar um incentivo ao acúmulo de processos.
Pesquisador de burocracia e corrupção no Estado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor Sergio Praça avaliou que a recomendação se blindou com base em justificativas legais, mas, em essência, feriu o princípio da moralidade. “Os funcionários do Judiciário e do Ministério Público têm mecanismos para aumentar os próprios salários. Isso não acontece com o resto do funcionalismo público, tampouco com
cidadãos comuns que trabalham na iniciativa privada. Eles abusam dessa autonomia financeira”, disse o pesquisador.
Um projeto de lei em tramitação no Congresso busca restringir a criação desse tipo de penduricalho, que gera os “supersalários” no funcionalismo público. Aprovada em julho do ano passado na Câmara, a proposta de relatoria do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) limitou o pagamento de verbas indenizatórias no Judiciário. O texto, contudo, segue há um ano travado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, sob o comando do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
“Isso (a recomendação) é um absurdo, como se ganhassem salários pequenos. Se ele está ali para cumprir com o seu papel, que cumpra. O CNJ não deveria ter criado e o CNMP não deveria ter copiado. Deveria ter, na verdade, cobrado que se trabalhasse mais para desengavetar milhões de processos da Justiça brasileira e o Ministério Público deveria ter o mesmo espírito de cobrança por um Judiciário sério, que não fique à procura de cada vez mais penduricalhos”, afirmou Bueno.
Para o deputado, a recomendação do CNMP “é um abuso” que deve ser contido pelo Congresso. Ele disse ao Estadão que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometeu a levar o projeto para votação no plenário antes do início do recesso parlamentar. Procurada pela reportagem, a assessoria do senador disse que Bueno deve ter se “confundido”.
Em janeiro deste ano, o Centro de Liderança Pública (CLP) e o Movimento Unidos Pelo Brasil reuniram mais de 300 mil assinaturas em um abaixo-assinado para pressionar o Senado a votar o texto. O diretor-presidente do CLP, Tadeu Barros, disse ao Estadão que o Congresso precisa agir para frear a criação desses penduricalhos que geram problemas “fiscais e morais”.
“O Senado precisa agir urgentemente e cortar esses penduricalhos da elite do funcionalismo. Não é possível que, enquanto o Brasil sofre com dez milhões de desempregados, cerca de 25 mil servidores custam mais de R$ 2 bilhões aos cofres públicos todos os anos. O Congresso não pode arquivar o projeto e continuar fingindo que esse problema não existe”, disse.
Procurado pelo Estadão, o gabinete de Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR) disse que “o tema ainda não foi regulamentado no Ministério Público da União e por isso não há como responder aos questionamentos” enviados pela reportagem. O CNMP também foi procurado e disse que não conseguiu apurar as informações com o relator da proposta. Ambos não informaram qual a estimativa de despesa a partir da recomendação.
Fonte: Estadão