Presidente do Sindicato dos Motoristas defende que política pode aumentar arrecadação e melhorar serviço
O presidente do Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), Anderson Teixeira vem trabalhado com uma bandeira que, à primeira vista, parece arriscada para a categoria dos motoristas e cobradores: a tarifa zero. No entanto, a pauta pode ser justamente a chance de o segmento voltar a ampliar e se fortalecer.
O sindicato passou a defender a abolição da tarifa recentemente, a partir de estudos e da constatação de que é urgente diminuir os custos para beneficiar usuários e trabalhadores que já não usam o sistema de transporte. A oferta de ônibus na cidade inclusive enxugou linhas e oferta de horários.
“Ou seja, um ônibus que fazia dois, três horários, está fazendo um. Um ônibus que tinha dois ônibus fazendo a mesma linha, está fazendo uma. Então, isso eles reduziram muito a oferta, que também teve um impacto negativo, porque quando você reduz a oferta, o pessoal deixa de utilizar o transporte, que não é aquela hora que ele precisava”, critica.
Em entrevista ao BdF PR, Teixeira fala sobre a discussão da tarifa zero com a categoria, a aliança com outros movimentos e a necessidade de recuperar um sistema de transporte que vem excluindo a população mais pobre e a classe trabalhadora. Confira a entrevista exclusiva completa:
Brasil de Fato Paraná: Por que o sindicato resolveu encampar a bandeira da tarifa zero? Em algum momento ela surge, já há alguns anos atrás, via-se dificuldade das próprias entidades sindicais assumirem essa bandeira e hoje o próprio sindicato está falando sobre isso.
Anderson Teixeira: O grande motivador para que a gente pudesse encampar essa ideia foi a própria retirada dos cobradores, a vontade do poder não manter mais a manutenção do emprego dos cobradores, tendo em vista a tecnologia, tendo em vista a própria redução dos postos de trabalho. Mesmo porque o custo da operação, como próprio prefeito alega, o trabalhador toma lá 50% da tarifa. Mediante essa investida contra a categoria, nós começamos a estudar a questão da tarifa zero.
É uma oportunidade, se a gente conseguir encampar e estar dentro desta conversa para a implementação da tarifa zero, a gente consegue uma realocação desses trabalhadores para uma função que, sem isso, seria a gente ir embora. Ou seja, conseguiríamos manter os empregos desses trabalhadores, desses pais, mães de família que tiram o sustento do transporte coletivo, mas em outras funções. Porque se a gente ficar à parte desse discurso, à parte dessa conversa, os trabalhadores aos poucos vão ser eliminados dos seus postos de trabalho e esses pais não vão ser realocados em nenhum outro local dentro da empresa.
Por isso, a gente optou em encampar a defesa da tarifa zero, e tendo em vista que é com o poder concedente que a gente vê a viabilidade, não é uma coisa tão simples. Eu acredito que, num primeiro momento, a gente não consiga já de cara uma tarifa zero, mas de uma forma gradual. Reduzir bem a tarifa. A gente tem um exemplo e tem acompanhado muito, o que o sindicato tem feito em Araucária, onde nós temos R$ 1 a passagem de transporte coletivo, integrado com Curitiba, inclusive, e onde temos o maior salário dos motoristas de todo o Brasil, R$ 3,4 mil. A maior cesta básica paga aos trabalhadores também do setor de transporte é na cidade de Araucária, que é R$ 1,3 mil o cartão alimentação. Ou seja, como que eu consigo, com uma tarifa baixa, o atendimento a toda a população, com essa categoria sendo bem valorizada? É esse modelo que a gente quer trazer à tona para que a gente possa viabilizar dentro do sistema de Curitiba e puxar, claro, Curitiba como mote para que venha para as outras capitais.
E a partir de então, enquanto sindicato, vocês passam a compor fóruns também com outros movimentos sociais que têm debatido essa questão.
Exatamente, de buscar essa discussão internamente com os trabalhadores, aí nós já saímos para encampar junto com a comunidade, junto com algumas pessoas que têm essa demanda, que têm essa bandeira da tarifa zero, a gente tem se apropriado também para fazer esse debate, fazer esse discurso. O sindicato se dedicou muito a esse estudo para buscar viabilidade. Até porque um dia nós conversávamos na Câmara e o presidente da URBS [Urbanização de Curitiba], na ocasião, falou assim: ‘mas e quem vai pagar a conta?’ Aí eu fui muito tranquilo em responder para ele: ‘vai ser quem sempre pagou a conta, não vai mudar’.
Vai pagar não diretamente na catraca, mas que ele vai continuar pagando a conta, vai. É no IPTU, é no imposto do que ele está pagando, é na multa que tem dentro da cidade, porque o carro está estacionado. Hoje dentro do centro, praticamente não é mais só o centro, toda a cidade hoje tem, boa parte dela já tem Estar [cobrança para estacionamento na rua], e é um dinheiro que a gente não vê um norte que melhore a cidade, que a gente não tem essa informação, não é prestado conta. Isso pode ser colocado dentro do transporte coletivo, beneficiando toda a população.
Por um lado, temos visto a viabilidade da tarifa zero em várias cidades do país. Por outro, a gente sabe que as empresas familiares, tradicionais, sempre se aproveitam desse monopólio. E como você tem visto a reação da patronal contra isso?
Hoje eu não vejo mais com tanta resistência como no passado. Até por um exemplo bem claro, já tem várias cidades que esses grupos econômicos operam no Paraná e fora do Paraná, que já tem tarifa zero, e que ele já não vê com tanta – até com uma certa tranquilidade essa transição. Um exemplo é o de Paranaguá, que é a mesma empresa do grupo econômico da viação Cidade Sorriso, aqui em Curitiba, e que lá é tarifa zero, e aumentou o número de ônibus, e aumentou o número de usuários que estão sendo atendidos. Então, eles viram ali em Paranaguá como um ponto positivo também para quem quer fazer um trabalho sério e tem o retorno e ganho do transporte coletivo. A gente já não vê tanta resistência assim. Eu não tenho tido tanto embate com os empresários como quando eu começo a discursar sobre tarifa zero.
Você já comentou sobre o enxugamento da categoria que vocês vêm vivendo nos últimos anos. Se você pudesse falar um pouco disso, que ataques estruturais a categoria vêm recebendo, como vocês estão reagindo a esse cenário de aumento da exploração, e que é de introdução também de novas tecnologias e geração de desemprego também?
Bom, antes mesmo do período tecnológico, o que nós estamos tendo é uma redução do número de usuários dentro do transporte coletivo. Até por outras tecnologias fora do transporte, como a questão das big techs, que estão na questão dos veículos por aplicativos, e isso retirou uma certa demanda dentro do transporte coletivo. Quando retira essa demanda e passa para os veículos de aplicativo, no nosso entendimento, pelo estudo feito pelo Sindimoc, nós entendemos que a prefeitura vai na contramão, porque o que ela faz? Ela aumenta a tarifa para cobrir o custo dessas pessoas que saíram do sistema. E o que acontece com isso? Aumentando o custo, ela exclui ainda mais pessoas que não conseguem acessar o transporte coletivo, jogando elas diretamente para o caminho alternativo. O que acontece de novo? Onera de novo mais, porque mais gente está saindo do sistema. E o que aconteceu com isso? Eles começaram a tomar medidas para tentar não aumentar a tarifa, mas solucionar o problema da redução dos passageiros.
Eles começaram a retirar de algumas linhas horários. Ou seja, um ônibus que fazia dois, três horários está fazendo um. Um ônibus que tinha dois ônibus fazendo a mesma linha, está fazendo uma. Então, isso eles reduziram muito a oferta, que também teve um impacto negativo, porque quando você reduz a oferta, o pessoal deixa de utilizar o transporte, que não é aquela hora que ele precisava, muitas vezes, por cinco, seis minutos ele acaba chegando atrasado no serviço, o ônibus não consegue mais ser útil pra ele, e ele acaba migrando novamente pra outros meios de transporte.
Isso veio com, mais uma vez, o impacto negativo que você tem novamente que aumentar a tarifa. Então eu falo que a prefeitura, nos últimos anos, cada movimento que ela tem feito, tem ido mais pro fundo e onerado cada vez mais a tarifa e tirando cada vez mais usuários dentro do transporte coletivo. Outras capitais que a gente tem acompanhado, ainda não chegaram ao valor que nós temos em Curitiba, com o mesmo potencial de integração e até com outros modais de conexão.
O que até 2021 nós identificamos? Que saíram mais motoristas do transporte coletivo do que cobradores. Em 2021, quando tem aquele acordo feito com o Sindimoc, onde para se tirar uma vaga precisa requalificar a pessoa, colocá-la em um outro posto de trabalho, aí que começa essa transformação de tirar o cobrador para começar a capacitar e colocar nos outros postos de trabalho. E os cobradores que estavam se aposentando ou pedindo uma conta, não eram substituídos dentro do sistema, começando uma redução. Aí foi um avanço da tecnologia, quando culmina em 2023, que praticamente todos os ônibus de Curitiba só circulam com a cobrança no cartão, que é um outro fato que tira as pessoas de dentro do transporte coletivo.
Acho que foi meio catastrófica essa tomada de decisões que levaram o transporte coletivo a um caminho sem volta. Agora, com a chegada dos ônibus elétricos, nós vamos pôr mais preço ainda, por mais que a prefeitura consiga bancar, ou seja, aumenta demais o subsídio que poderia estar sendo investido em uma renovação da frota. Nós temos ônibus circulando em Curitiba desde 2004, isso também encarece a tarifa, porque a manutenção é maior, o risco de acidente é maior, o risco de adoecer um trabalhador é maior, porque, pensa, você trabalhar num ônibus que já tem 20 anos de utilização. Então o risco de acidente, o estresse do motorista é muito maior dentro dessa área, dentro desse veículo. E eles não estão vendo isso.
Vai colocar 70 ônibus elétricos, no pensamento deles, e nós vamos perder a possibilidade de colocar 700 ônibus novos dentro de Curitiba com o mesmo valor. E com a falácia que é pelo meio ambiente. Só para produzir esses 70 ônibus elétricos, eu garanto que a emissão de gás poluente é muito maior do que os 600 ônibus rodando com Euro 6 [nova norma regulatória para veículos a diesel] ao longo dos anos.
Voltando à pauta da mobilidade urbana, de alguma maneira sempre foi um tema encabeçado pelo movimento estudantil, até pela radicalidade da pauta, as lutas, a história do movimento do Passe Livre, Junho de 2013, sempre olhamos como uma pauta importante, mas nos ressentimos se o trabalhador está apoiando essa pauta, até vendo ela como possível. A entrada do Sindimoc nessa pauta, nessas lutas, nesses fóruns, pode ajudar um pouco a que essa pauta chegue um pouco mais na ponta, uma vez que hoje ela está mais nos setores médios e estudantis, o que é importante, porém limitado.
Exato. Hoje essa conversa dentro do transporte coletivo, com os operadores, com os motoristas e com os próprios cobradores, ela já está muito latente, já tem esse conhecimento, já tem essa ideia ou por que que a gente procura a questão da tarifa zero e essa capacitação dos trabalhadores. Hoje eu posso falar para você: encampamos a ideia da tarifa zero e a gente vem com os trabalhadores para engrossar de uma forma bem coesa a busca pela tarifa zero, a busca por uma tarifa justa ao transporte coletivo, garantindo o que a gente pensa e tem a nítida certeza, que é a forma de garantir os empregos dos trabalhadores.
Porque vamos pegar o exemplo das empresas, das cidades, que já aderiram à tarifa zero. Nós tivemos, por exemplo, Paranaguá, aumentou 70% do número de usuários. Eles tiveram que aumentar 40% o número de carros. Ou seja, nós temos lá um aumento de 40% do número de motoristas. Se nós pensarmos em Curitiba, 4,5 mil motoristas, se aumentar 40% nós estamos falando de 1,6 mil trabalhadores aproximadamente. Então é um volume muito interessante. Se acontece isso aqui, nós estamos falando praticamente do emprego de todos os cobradores, que hoje chega perto de 1,6 mil trabalhadores.
É um segmento expressivo. E como você acha que esse tema vai se desdobrar agora na questão eleitoral? Importante que seja pautado?
Eu vejo essa pauta como necessária. Eu acredito que o prefeito que tem a intenção de assumir Curitiba, ele vai ter que abordar esse tema. Ou apresentar uma solução semelhante a essa. Porque, infelizmente, o transporte coletivo excluiu a cidade. Ela colocou um paredão virtual dentro da cidade de Curitiba, onde infelizmente quem está na periferia não consegue mais acessar o centro da cidade.
A gente precisa de um prefeito, ele vai ter que quebrar esse paredão, ele vai ter que unir a cidade. É um grande desafio para ele. Até porque, se realmente se concretizar a compra desses ônibus elétricos, nós vamos ter aí um transporte coletivo já com uma defasagem gigante dentro do sistema. Vamos ter um problema muito sério de onde ter recurso ou simplesmente o próximo prefeito vai encampar alguma forma pra isso acontecer, tornar viável isso, ou ele vai continuar nessa espiral que daqui a pouco vai acabar o transporte coletivo de Curitiba porque o sistema vai quebrar. E no ano que vem tem licitação. Acho que não tem como, nessa questão de outubro, o prefeito que se propõe a entrar em Curitiba não falar do transporte coletivo. Principalmente para a movimentação das grandes massas.
Bom, eu só queria entender, Anderson, se o Sindimoc tem algum trabalho, alguma sugestão para a Curitiba inverter esse movimento, e começar a caminhar rumo à tarifa zero. Vocês pensam em algumas medidas que poderiam ser tomadas nas cidades principais?
Nós temos alguns estudos até com professores da própria Universidade Federal do Paraná a respeito de como seria o custeio da tarifa, que não é diferente das outras cidades. Hoje nós já temos o subsídio de boa parte. Claro que nós estamos falando de um bilhão de reais por ano. Então, dá um volume muito grande. Mas a gente também entende que existe dentro do transporte coletivo hoje uma evasão muito grande dos trabalhadores que deveriam estar recebendo das suas empresas o cartão de transporte ou a passagem do ônibus. Existe uma evasão muito grande nisso. Se a gente conseguir fazer com que cada empresa, cada patrão, compre a passagem, eu digo para vocês que nós conseguimos fazer uma tarifa mais barata, e só esse resgate dessa evasão de patrões que hoje pagam para o cara em dinheiro, e que pagam para ele vir de carro, ou paga gasolina, só essa evasão eu acredito que 80% do transporte coletivo estava resolvido. E aí o restante a gente poderia buscar uma solução de forma mais técnica, com redução dos custos,
Eles falaram muito quando investiram para retirar os cobradores que era para reduzir custo. Porém, praticamente nós temos aí 80% dos cobradores saíram e o custo não mudou. Não reduziu o custo. Precisamos ter algum tipo de política realmente que vise a reduzir o custo do transporte coletivo.
Para esses 20% temos que ter várias alternativas, publicidade dentro dos ônibus, que hoje não é feita e nós vemos em outras cidades. Hoje 80% do problema estaria resolvido simplesmente com a busca e com a aplicabilidade da lei que já existe hoje. E aí é buscar outro fundo, porque a partir do momento que nós tivermos um fluxo maior dentro do transporte coletivo, se a gente tiver uma tarifa, eu penso assim, se a gente conseguir pegar essas pessoas que realmente têm que andar para receber o cartão de transporte e diminuir esse valor, que a empresa hoje teria que gastar R$ 240 por funcionário, mas que ela pagasse lá R$ 150 por funcionário, que é mais ou menos o cálculo que nós estamos fazendo, para subsidiar esses 80%, já teríamos uma vantagem que praticamente todo trabalhador que utilize transporte coletivo teria uma injeção no seu salário de 6%, que é o que ele teria descontado para pagar a tarifa.
Essa injeção e esse dinheiro vai aonde? O trabalhador que vai ter 6% de aumento no seu salário, ele vai gastar onde? No mercado, na farmácia, próximo a ele. Vai ser uma injeção de dinheiro que vai fomentar o comércio. Fomentando o comércio, você tem o próprio imposto e vai arrecadar mais, que pode preencher essa lacuna desses 20%. Então, são várias possibilidades que a gente tem estudado, que são viáveis. A gente vem trabalhando para que isso aconteça e que precisa ser estudado, claro, precisa estar com todo o sistema na mão. Mas eu acho que o principal de tudo, voltando à pergunta da prefeitura, para se transformar isso precisa da vontade do poder público, precisa da vontade do Executivo, o prefeito tem que ter vontade que isso aconteça.
Fonte: Brasil de Fato