No fim da tarde desta terça-feira (28), professores e demais trabalhadores da educação estiveram reunidos na sede da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná), em Londrina, com o intuito de discutir as estratégias de mobilização para a greve aprovada pela categoria em assembleia realizada no último sábado (saiba mais aqui).
O professorado se mobiliza contra o projeto de lei nº 345/2024, que institui o Programa Parceiro da Escola. De autoria do poder Executivo, a medida autoriza que a iniciativa privada assuma a administração de 200 escolas estaduais.
Ellen Cristina Ferracioli, docente da disciplina de Arte no Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, um dos escolhidos pela SEED (Secretaria Estadual de Educação) para ter a gestão repassada à iniciativa privada, esteve no encontro. Ela pontua que na unidade a maioria dos professores já aderiram à mobilização.
Ainda, de acordo com a professora, o próximo passo é conseguir o apoio de outros segmentos como estudantes e a população mais amplamente.
“Todas as atividades que a gente puder fazer para mobilizar a comunidade, os alunos, o grêmio estudantil para vir na luta com a gente, para resistir e para derrubar esse projeto, tirar qualquer possibilidade de ser transformado em lei”, diz.
Na manhã desta quarta-feira (29), alunos do Colégio Estadual do Paraná (CEP), o maior e mais antigo do estado iniciaram greve estudantil contra a privatização das escolas públicas no estado. Os jovens também criaram uma página no Instagram nomeada “Central das Escolas PR” para divulgar a manifestação do alunado contra a terceirização e o novo ensino médio.
“Eu me sinto ameaçada e muito triste nesse momento. Esse foi o sentimento que eu expressei para os alunos na escola, que a gente está muito triste porque não se imaginava de todos os ataques que privatizar a escola pública seria uma algo que a gente enfrentaria nesse ano. Isso é um absurdo, é inconstitucional, a educação é um direito de todos, de todas e de todos os alunos, alunas e alunes, e a gente precisa lutar para a gente conseguir manter uma escola pública e de qualidade para todo mundo”, acrescenta.
Erica Xavier também é professora no Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva. A docente, que ministra a disciplina de História, se declara “extremamente angustiada” com o futuro da educação pública no estado. Ela destaca os impactos, principalmente, para os estudantes com deficiência.
“A gente sabe que as empresas, como serão daqui para frente, se preocupam com metas. Então, acho que isso é uma coisa que a gente tem falado bastante para os alunos também. Que alunos com especialidades, falta de rendimento, tudo isso vai implicar dentro desse formato empresarial das escolas”, pontua.
Xavier também ressalta o papel dos poderes públicos na oferta de uma educação gratuita e de maneira universal. “Eu acredito numa escola pública, de qualidade, inclusiva, e que o governo tenha responsabilidade, isso está dentro da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], é a obrigação do estado e dos municípios gerir as escolas e não passar o dinheiro dos nossos impostos, lesar nós enquanto profissionais, como professores, direcionando o dinheiro que poderia ser investido pelo estado dentro de uma escola pública para empresas que só vão acabar sucateando cada vez mais”, adverte.
O governo anunciou que o pagamento será feito por aluno. A SEED estima que o custo hoje de cada estudante da rede estadual é de cerca de R$ 800.
A professora questiona a justificativa da gestão Ratinho Júnior (PSD) de que o projeto tem como objetivo melhorar a qualidade da educação no estado. Ainda, evidencia o compartilhamento de notícias falsas e deturpação de dados para obter maior apoio popular.
“O governo do estado tem enganado a população com informações falsas porque eles estão dizendo que as escolas que foram de baixo índices, que estão sendo miradas, estão dentro desse projeto, quando na verdade a nossa escola foi, no ano passado, reconhecida como escola ouro. Não estamos em uma competição, mas é um índice bom dentro do estado, então, isso é o que mais me angustia, saber que estão trabalhando com fake news, com falsificação de dados, com mentira para a população”, assinala.
Entre os argumentos para aprovação da iniciativa, o secretário de Educação, Roni Miranda, defendeu que a terceirização irá melhorar a qualidade do ensino público do Paraná através da elevação do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
De acordo com ele, as escolas vão poder identificar, através de pesquisas de avaliação, se o projeto resultou em progresso para o colégio. E caso haja insatisfação o contrato de terceirização não será renovado.
Outro fator a ser adotado é o desempenho dos alunos, que terão de fazer uma avaliação das disciplinas de português e matemática no começo do ano para que haja uma percepção da progressão do aprendizado.
Além do colégio localizado na zona Sul, outras três escolas foram escolhidas na cidade para serem terceirizadas: Escola Estadual Professora Kazuco Ohara (zona Oeste), Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes (zona Leste) e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira (zona Norte).
Ainda, na região de Londrina, outros quatro colégios foram elegidas: Escola Estadual Julia Wanderley em Prado Ferreira, Escola Estadual Malvino de Oliveira em Porecatu, Colégio Estadual do Jardim San Rafael em Ibiporã e Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes em Cambé.
Leandro Oliveira Leite é agente educacional neste último, Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes. Ele também enfatiza o receio das consequências do projeto, sobretudo, para estudantes com dificuldades de aprendizagem.
“Nossos alunos, vários que têm algum tipo de deficiência, déficit de atenção, até mesmo alunos que têm problemas mesmo de locomoção, e eles com certeza vão ser os principais prejudicados por esse projeto, porque tendo em vista que se for terceirizado, esperamos que não seja, mas a empresa vai tentar afastar esses alunos que são os que mais precisam, mais necessitam da escola pública”, observa.
Leite também pontua a necessidade de convocar toda a sociedade em defesa da escola pública. “Eu acredito que o principal agora é fazer com que os pais tenham consciência de que esse projeto é maléfico, não é um bom projeto, que ele só vai tirar direitos dos alunos, principalmente, da própria sociedade que ali está no entorno do colégio. Acho que esse esclarecimento é essencial e nós temos que buscar as estratégias que tiver a nosso alcance para que eles tenham acesso a essa informação verdadeira e não essa informação que o desgoverno está tentando passar”, analisa.
Segundo a SEED, o programa será instalado mediante consulta pública junto às comunidades escolares.
Comando Regional de Greve
Bruno Garcia, representante da diretoria de Saúde e Previdência da APP-Sindicato Londrina, explica que o encontro instaurou o Comando Regional de Greve que deverá instruir a categoria com base nas resoluções do Comando Estadual de Greve. Ele avalia que a reunião superou as expectativas. “Depois da pandemia nunca tivemos a casa tão cheia como hoje”, indica.
Entre os encaminhamentos, na próxima segunda-feira (3), ocorre em Curitiba, ato estadual “Não venda a minha escola”. No mesmo dia, está prevista a votação do projeto em plenário.
O projeto foi enviado para ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) nesta segunda-feira (27) em regime de urgência, o que reduz o prazo para análise das comissões do Legislativo antes da votação pelo plenário.
Em sessão extraordinária realizada nesta quarta-feira (29), parlamentares membros da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), aprovaram com grande adesão o projeto. Apenas os deputados Arilson Chiorato (PT) e Requião Filho (PT) votaram contra a proposta. Agora, o texto segue para a Comissão de Educação, onde recebeu pedido de vista.
Próximos passos
A APP-Londrina está convocando os trabalhadores da educação para comparecer ao protesto. Um ônibus sairá da cidade rumo à capital paranaense no domingo (2) às 23h30. Mais informações podem ser conferidas na página @appsindicatolondrina.
Para aqueles que não puderem comparecer, também está previsto um protesto na frente do Núcleo de Educação de Londrina a partir das 16h desta próxima segunda-feira.
Garcia compartilha que a expectativa é que a mobilização possa barrar o avanço do projeto. “Hoje, temos mais profissionais temporários do que efetivos, serão todos terceirizados. Quem mais perde é o professor temporário, mas o efetivo pode ser transferido a qualquer momento por mais que o governo diga que ‘não’, se ele não atingir as metas, ele estará disponível para administração privada e o funcionário da mesma forma”, ressalva.
Conforme informado pelo Portal Verdade, atualmente, metade do quadro de funcionários de escola já está terceirizado em todo o Paraná. Além da falta de direitos, a terceirização custa no mínimo R$ 114 milhões a mais por ano aos cofres públicos, constatou levantamento da APP-Sindicato.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.