A cota de gênero nas eleições, que reserva o mínimo de 30% de candidaturas femininas na disputa proporcional, é uma ferramenta importante para garantir que as mulheres ocupem os espaços legislativos no Brasil. Mas, mesmo a regra estando presente na realidade brasileira desde a década de 1990, os casos de fraude com candidaturas femininas laranjas são frequentes.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou em maio deste ano a Súmula 73, que busca fechar o cerco contra as tentativas de burlar o que determina a lei eleitoral. O objetivo é que exista um padrão para o pleito deste ano, uma vez que o TSE tem jurisprudência consolidada sobre o assunto. Só em 2023, foram confirmadas 61 práticas de fraude à cota de gênero; em 2024, já passam de 20.
“Nas eleições municipais, há um número muito maior de fraude à cota de gênero do que nas eleições gerais. Os tribunais regionais eleitorais e os juízes eleitorais estarão já com um direcionamento importante para fazer aplicar em todo o território nacional o respeito à cota de gênero”, defendeu o relator do caso e presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes.
Entre os elementos que podem configurar fraude à cota de gênero estão as candidaturas com votação zerada ou inexpressiva; com prestação de contas zerada, padronizada ou sem movimentação financeira relevante; e com ausência de atos efetivos de campanha, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.
A juíza eleitoral Camila Gutzlaff, que responde pela 42ª Zona Eleitoral de Londrina, explica que as candidaturas laranjas buscam apenas cumprir a existência dos 30% e que, se forem identificadas, podem resultar na cassação do DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) da legenda e até na cassação do diploma das pessoas eleitas. Outras punições são a inelegibilidade de quem praticou ou anuiu a conduta e a nulidade dos votos recebidos pelo partido, implicando na recontagem dos quocientes eleitoral e partidário.
“São penalidades graves que vão ser reconhecidas pela Justiça Eleitoral caso se verifique a questão da candidatura laranja ou fraudulenta, com o objetivo apenas de cumprir a legislação e não efetivamente buscar a inclusão das mulheres na política”, afirma Gutzlaff. A juíza lembra que, apesar de responderem por mais da metade da população brasileira, as mulheres ocupam menos de 20% dos cargos eletivos.
“É necessário fazer essas ações afirmativas com o objetivo de que as mulheres realmente possam ser candidatas e efetivamente tenham condições de participar do processo eleitoral”, ressalta. “São ações afirmativas com o objetivo de obter a igualdade.”
Consequências gravíssimas
O advogado eleitoral Frederico Reis lembra que a cota não é novidade e que há muito tempo os partidos estão “conscientes das consequências” de desrespeitá-la. Com pelo menos 20 recursos julgados no TSE em 2024, as legendas não podem mais acreditar que a fraude não será punida.
“E as consequências são gravíssimas. Você ter a cassação do DRAP tira a chapa inteira da proporcional. Independente de participação daqueles que forem eleitos, por exemplo, ou não”, alerta.
Na avaliação de Reis, ainda é possível avançar mais nesse ponto e determinar, por exemplo, que os partidos políticos também tenham a mesma obrigatoriedade de cota nas suas estruturas. Ele também acredita que a especialização da Justiça Eleitoral a cada pleito faz com que os candidatos tenham um certo “profissionalismo”, no sentido de conhecer seus limites e as regras eleitorais.
“Eu acho que a cada eleição a Justiça Eleitoral vai se especializando, vai se modernizando para combater qualquer tipo de violência, em especial a violência de gênero”, aponta Reis, que entende que a Justiça é efetiva nas sanções.
Postura rigorosa
A leitura da advogada eleitoral Fernanda Viotto é que a postura rigorosa da Justiça Eleitoral busca justamente garantir a efetiva participação das mulheres na política. Os casos de candidaturas laranjas, historicamente, são mais frequentes nas eleições municipais, já que o número de candidatos é muito maior que no pleito geral.
“A grande expectativa é que nestas eleições de 2024 os partidos políticos e seus dirigentes partidários procurem compor suas chapas de vereadores com candidatas reais, que de fato tenham projetos políticos e que queiram realmente ocupar os espaços de poder, e, se não o fizerem por livre e espontânea vontade, acredito que o farão por receio da atuação da Justiça Eleitoral”, afirma.
Para a advogada, as mulheres ainda enfrentam muitos desafios que dificultam sua entrada e permanência na política, como barreiras econômicas, sociais, institucionais e culturais. Por isso, é essencial a promoção de políticas e ações que incentivem e facilitem a participação delas na disputa eleitoral.
Eleições plurais
O professor e advogado eleitoral Nilso Paulo da Silva afirma que intuito da legislação é garantir uma chapa plural durante o pleito. É uma ação afirmativa de responsabilidade dos partidos que, de 2020 para cá, não vinha sendo tratada com muita eficiência pelas siglas.
“A candidatura fictícia é aquela candidatura do faz de conta, que não representa nada, mas apenas cumpre a exigência legal da cota mínima, que não tem volume de ação, não tem participação efetiva, não tem votos, planejamento de campanha, programa de campanha, ela acontece apenas para garantir a presença do outro gênero, e isso a Justiça não quer”, afirma o professor, que pontua que a Justiça Eleitoral tem discutido muito sobre a validade do voto nos últimos anos.
A avaliação de Silva é que a cota de gênero ainda é uma “participação de meio”, pois não há reserva de vagas nas Câmaras Municipais, por exemplo. Mesmo assim, o especialista observa que Londrina vem avançando nesta questão nos últimos anos.
“A sociedade londrinense, os partidos londrinenses demonstraram na última eleição uma grande consciência de ter uma representação plural e eficiente. Vamos torcer para que isso aconteça nestas eleições, considerando que vamos ter uma redução no número de candidaturas femininas”, acrescenta.
Olhando para o cenário local, Viotto entende que, mesmo tendo sete das 19 cadeiras da CML (Câmara Municipal de Londrina), as mulheres de Londrina, que são mais da metade da população da cidade, ainda estão sub-representadas no Legislativo.
“Diante desse quadro, entendo que precisamos avançar com maior agilidade para que mais mulheres alcancem cadeiras no Legislativo Municipal de Londrina, para que não sejam deixadas à margem as pautas que nos são caras, e que devem ser objeto de discussão, estudo e elaboração de políticas públicas”, finaliza.
Fonte: Folha de Londrina