Obrigar os aplicativos a informar os motoristas sobre a taxa descontada por corrida e limitar a comissão das plataformas a 30% do valor cobrado dos clientes.
Essa é a principal aposta de Augusto Coutinho, deputado federal pelo Republicanos de Pernambuco e relator do Projeto de Lei Complementar 12, que regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativo. Proposto originalmente pelo governo federal, o texto tramita no Congresso Nacional desde março.
“O que acontece hoje? Quando você tem tarifa dinâmica, a Uber cobra mais caro de você, mas não repassa ao motorista”, explica Coutinho. “À medida que eu caso o que a plataforma vai ganhar com o que ela vai pagar ao motorista, ela não vai baixar o preço [pago ao trabalhador]”, acrescenta.
Dessa forma, diz o deputado, torna-se desnecessário fixar preço mínimo por corrida ou por quilômetro rodado. “A política de formação de preço é a política do mercado. Se a Uber começar a cobrar mais do que o táxi, vai acabar a Uber”, afirma.
Em entrevista exclusiva à coluna, Coutinho também descarta o formato do MEI (microempreendedor individual) para a contribuição previdenciária. “Isso causaria um déficit de R$ 1,4 trilhão. Eu não posso ser irresponsável”, justifica.
Sobre o quesito segurança, o relator coloca no texto a exigência de que os passageiros também façam cadastro com reconhecimento facial nas plataformas. “Acaba com o cliente fake,, o cliente que assalta o motorista”, diz.
Atualmente, o projeto tramita na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços (CICS). Apesar de ter sido retirado de pauta na semana passada, segundo o sistema oficial da Câmara, Coutinho ainda espera que o texto seja votado o mais breve possível. “Existem muitos interesses políticos por trás disso, mas eu estou tentando descontaminá-lo”, afirma.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
O projeto do governo propunha uma remuneração mínima de R$ 32,10 por hora efetivamente trabalhada, mas isso despertou uma série de reações. O texto do seu projeto cita esse valor como referência, mas fez alterações. O que mudou?
Na verdade, o entendimento está equivocado. Esse valor não é o mínimo a ser pago. Esse valor de R$ 32,10 é a conta para que um trabalhador que trabalhe 176 horas por mês não receba menos do que um salário mínimo. É esse o ponto.
A gente mudou a lógica: a plataforma vai ter que dizer quanto ela vai cobrar de taxa de intermediação — nisso eu não posso intervir, é livre mercado — ao máximo de 30%. Ou seja, do quanto a plataforma ganhar, ela vai pegar o percentual de intermediação dela e repassar o resto para o trabalhador.
Então, o plano é estabelecer um teto da taxa a ser cobrada?
Exatamente. E ela vai ter que anunciar isso antes. “Eu cobrei nessa viagem 20%. Eu cobrei 25%”. Ela não vai poder passar de 30%.
Alguns motoristas reivindicam pagamento por quilômetro e uma taxa mínima por corrida…
À medida que eu equiparar [definir] um percentual, acaba a necessidade do [pagamento por] quilômetro. Como funciona o algoritmo? Ele vai tentar a toda hora cobrar o máximo que o cliente pode pagar e o mínimo que o motorista pode receber. É assim a lógica dele hoje. Quando eu acoplo a plataforma com o motorista, o que ela cobrar para ela, o motorista vai receber também.
Mas qual vai ser a política de formação de preço de uma corrida?
A política de formação de preço é a política do mercado. Se a Uber começar a cobrar mais do que o táxi, vai acabar a Uber. O mercado é que vai regular essa política de preço. Eu apenas estou equiparando [definindo] o quanto o trabalhador vai receber e o quanto a plataforma vai receber. Porque hoje eles [motoristas] reclamam que tem corrida que a plataforma abocanha 50%.
Então, a plataforma não vai dizer: “a minha taxa de intermediação é de tantos por cento e eu pago um mínimo de xis”?
Existem hoje muitas corridas que são menos de R$ 10. Muitas. Tem muita gente que desce na estação do metrô e pega um aplicativo para ir até a casa, que dá R$ 7. Se eu faço essa limitação, eu acabo com esse serviço.
Mas a previsão de ganhar pelo menos o mínimo de R$ 32,10, isso se mantém ou não?
Volto a dizer: isso é uma confusão que se faz. Esse valor mínimo de R$ 32,10 eu vou até ver se tiro do texto, porque a turma está achando que a gente está impondo que a plataforma vá pagar R$ 32,10. Não é isso. O valor de R$ 32,10 é apenas para a questão da Previdência Social. Um trabalhador que trabalhe 176 horas por mês não poderá receber menos do que isso.
À medida que eu caso o que a plataforma vai ganhar com o que ela vai pagar ao motorista, ela não vai baixar o preço [pago ao trabalhador]. O que acontece hoje? Quando você tem tarifa dinâmica, a Uber cobra mais caro de você, mas não repassa ao motorista. Agora [se o projeto de lei for aprovado], ela vai repassar. Se ela cobrar mais caro na tarifa dinâmica, o motorista vai ganhar aquele percentual que ela já definiu anteriormente que vai pagar.
Sobre a questão da Previdência, o senhor está afastando a possibilidade de MEI e basicamente acatando a proposta do governo [em que empresas e motoristas vão pagar um percentual sobre uma parte da remuneração repassada pelos aplicativos]?
A questão do MEI, eu não tenho como acatar. Não adianta fazer um projeto que o governo não aceita. Isso causaria um déficit atuarial, só dos trabalhadores de aplicativo, de R$ 1,4 trilhão na Previdência. Eu não posso ser irresponsável.
A proposta do senhor vai manter aqueles percentuais que o governo tinha sugerido [7,5% para os trabalhadores e 20% para as empresas, tendo como base um quarto da remuneração repassada pelo app]?
Vamos fazer a conta. Tem uma corrida de R$ 100. Aí, vamos dizer que a plataforma está cobrando 20% de intermediação. Sobram R$ 80 para o motorista. Desses R$ 80, eu considero 25% disso como o trabalho dele. Então, R$ 20 reais, desses R$ 80, é o trabalho dele. Eu vou cobrar 5% de R$ 20 [a título de contribuição para o INSS]. Inclusive, isso é uma inovação, porque [a proposta original do governo] era 7,5%. Eu baixei 2,5% do trabalhador e botei 2,5% para o aplicativo.
O plano é baixar para 5% para o trabalhador e aumentar para 22,5% para a empresa, para continuar com os 27,5%?
Exatamente. Na verdade, essa é uma questão política. “Ah? Cria um MEI, como o Bolsonaro fez”. Um MEI caminhoneiro custa 12,5% [na verdade, a alíquota para o INSS é de 12% sobre o salário mínimo]. É muito mais do que eles [motoristas] vão pagar [se o projeto de lei for aprovado].
O senhor também introduziu algumas coisas no quesito transparência que faltavam no projeto do governo…
Muita coisa. Por exemplo: essa coisa de exigir que todos os trabalhadores sejam cadastrados. A rigor, já são. Mas eu vou exigir também que o cliente seja cadastrado. Ou seja, eu vou exigir que você que toma Uber tenha que fazer seu cadastro, mandando uma foto sua com um documento, como você faz em qualquer aplicativo de banco. Por que isso? Acaba com o cliente fake, que é o cliente que assalta o motorista.
O motorista hoje reclama muito que, unilateralmente, a plataforma exclui ele. A gente não vai permitir mais isso. A plataforma vai excluir nas condições que são tratadas, ou seja, uma série de coisas que são de “conduta inapropriada”, vamos chamar assim. Mas desde que o cara tenha ampla defesa.
O plano do governo era deixar essa discussão para as convenções coletivas, entre empresas e sindicatos?
Essa questão da convenção coletiva é o seguinte: muitas associações [de motoristas] têm uma briga enorme — que eu não sabia — com as entidades mais organizadas [sindicatos]. O pior de tudo é que todo mundo desses caras [das associações] é candidato a vereador agora — eu já mandei pesquisar.
A Constituição Brasileira diz que qualquer trabalhador, para convenções coletivas de trabalho, será representado por um sindicato. É o que diz a Constituição Brasileira, não sou eu. Alguém tem de representar essa categoria que está sendo criada perante uma negociação de trabalho. Agora, não tem nenhum sindicato constituído para essa categoria. Nenhum! Então, já começam a dizer: “não aceita sindicato”. Mas nem existe o sindicato ainda? É uma questão unicamente política isso.
As empresas líderes de mercado — a Uber, principalmente — elogiaram o projeto de lei do governo. Qual é sua previsão com relação ao seu substitutivo?
Eu recebi a associação deles, a Amobitec [Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia]. A gente atendeu, inclusive. Tirei do texto coisas que eram técnicas.
Por exemplo?
A gente tinha colocado a necessidade de que, para que ele [aplicativo] excluísse um trabalhador, ele teria de fazer isso mediante um boletim de ocorrência. Se você faz a denúncia de um motorista que assediou, por exemplo, você tinha de prestar a ocorrência. Eles disseram que isso não funcionava. A pessoa ia ficar com medo, porque o motorista ia saber onde ela mora. Ia dar problema. Eu achei que era razoável isso. Eles contra-argumentaram: “a gente não tem interesse nenhum de cortar motorista, pelo contrário”.
Então, a gente está tentando ajustar da melhor forma, com todo mundo. Existem muitos interesses políticos por trás disso, mas eu estou tentando descontaminá-lo e usando o bom senso com os colegas que querem, de fato, discutir o assunto e trazer uma boa solução para o trabalhador. Eu não considero, honestamente, que esse projeto é um projeto de governo. Esse projeto é do país.
Fonte: UOL