Marina Rezende Bazon tece comentários acerca de um cenário que revela que o Estado brasileiro falha na preservação da saúde mental dos agentes de segurança pública
A taxa de suicídio entre policiais civis e militares da ativa cresceu 26,2% em 2023 em comparação ao ano anterior e se transformou na maior causa das mortes de policiais no Brasil, superando as que se dão em confrontos, seja durante o serviço ou na folga.
O suicídio entre a categoria é quase oito vezes maior do que entre a população em geral. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 e é a primeira vez que esse fenômeno acontece desde que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a registrar os dados de vitimização de policiais. Em 2023, considerando apenas a Polícia Militar, o total de suicídios superou a soma de mortes de PMs por confrontos, 46, em serviço ou na folga, 61, totalizando 107 óbitos.
Na visão de especialistas, os dados apresentados mostram que existem graves problemas estruturais de ordem psicológica nas corporações de segurança pública brasileira e que o Estado brasileiro falha na preservação da saúde mental e proteção da vida dos policiais.
Segundo a professora Marina Rezende Bazon, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, esse aumento do suicídio entre os policiais é multideterminado e depende de uma série de fatores: “Os policiais estão em constante contato com vários fatores de estresse, como mazelas e contradições sociais, extrema violência, sobrecarga e condições precárias de trabalho, que criam um cenário difícil para esse profissional”.
Fontes de estresse
A natureza da função policial é fonte de estresse e impacta diretamente a saúde mental desses profissionais, principalmente no contexto brasileiro, onde a polícia é considerada muito violenta. De acordo com dados do Ministério da Justiça, foram registradas mais de 6,3 mil mortes por ação de policiais no Brasil entre janeiro e dezembro de 2023, em média, são 17 casos por dia. Essa violência extrema e banalizada, em um contexto de profundas desigualdades sociais, tem grande impacto no psicológico dos servidores de segurança pública, segundo a professora Marina.
Além disso, a professora afirma que a sobrecarga de trabalho é outro fator de estresse. “Os modelos de trabalho, com várias horas de atuação e com horários de folga reduzidos, além de salários, em sua maioria, baixos, obrigam os policiais a fazer horas extras ou bicos. Esse problema afeta principalmente os policiais de menor patente.”
Portanto, para Marina, o contexto no qual os profissionais de segurança pública estão inseridos é extremamente desgastante psicologicamente e o aumento na incidência dos suicídios entre os policiais é reflexo da agudização desses problemas estruturais que levam ao aumento do estresse e dos transtornos mentais.
Identidade policial
Outro ponto identificado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 é que, na formação desses profissionais, cria-se uma identidade policial que reproduz a ideia de que ele precisa estar preparado para qualquer situação e resistir a qualquer condição, por mais extrema que seja. Segundo a professora Marina, “a identidade do policial no Brasil é de um combatente, que precisa exterminar um inimigo, além disso, geralmente, esse suposto inimigo guarda certas semelhanças socioeconômicas e culturais com os próprios policiais de mais baixa patente”.
A professora reforça que a ideia de combate ao inimigo é uma lógica de guerra e que, caso seja aplicada constantemente, como acontece entre os policiais, é fonte de um grande estresse. Além disso, outro ponto problemático que ela cita é a visão da sociedade sobre a figura do policial, muitas vezes negativa. Logo, investir na formação desses policiais de maneira que eles se apresentem de forma confiável e como um servidor público para garantir a paz social é uma mudança estrutural e lenta, mas importante não só na preservação da imagem do policial perante a sociedade, mas na forma como eles mesmos se enxergam nesse papel social.
Atendimento psicológico
O atendimento a esses profissionais na área de saúde mental segue um procedimento padrão de detectar pessoas em risco de suicídio. Existe a prevenção primária, que atende a todos, e a secundária, que ocorre após uma tentativa de suicídio. A professora alerta, entretanto, para um ponto importante no tratamento desses profissionais. “Normalmente, os médicos e psicólogos das corporações de segurança pública são policiais e possuem uma patente mais alta em comparação com a base da polícia, e, em um contexto de forte hierarquia, esse fato pode ser uma grande barreira no atendimento à saúde mental.”
Uma vez identificado o risco de suicídio, existem protocolos de tratamento específico a esse profissional, que passam por diversas medidas como, por exemplo, afastamento da função e restrição ao acesso a armas de fogo. “Para aprimorar o tratamento da saúde psicológica dos policiais, seria fundamental criar programas de apoio mental com profissionais capacitados, mas que não fossem conveniados às corporações de segurança pública”, afirma Marina.
Atualmente existe um programa de saúde mental criado pelo governo federal focado nos servidores da segurança pública, porém, ainda é muito recente. Trata-se do Escuta Susp (Sistema Único de Segurança Pública), que promove um atendimento psicológico on-line com profissionais especializados e protocolo de atendimento específico. Porém, o atendimento só é oferecido para os Estados de Sergipe, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e do Distrito Federal. O plano é a expansão do projeto para todo o País a partir de janeiro de 2025.
Além disso, existe o Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar (Sismen), programa da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que promove um conjunto de programas de atendimento à saúde mental e prevenção do adoecimento e do suicídio.
Por Leonardo Ozima
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone
Fonte: Jornal da USP