Entenda como data-base, dissídio, acordos e convenções coletivas são importantes para o trabalhador defender um ganho maior no seu salário e o papel do sindicato nessas negociações
Apesar da reforma Trabalhista, aprovada em 2017, ter acabado com mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), todo trabalhador tem direito a um reajuste anual do salário, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Com a longa crise econômica, desemprego e inflação alcançando dois dígitos, as negociações salariais estão difíceis e muitas categorias não estão conseguindo sequer repor o índice de inflação, mas algumas, depois de muita luta, organização e mobilização conseguem repor a inflação, e outras conseguem aumento real, ou seja, um percentual de reajuste superior ao INPC.
É importante que todo trabalhador saiba a época em que os sindicatos iniciam as negociações para atender os chamados por mobilizações e atos que pressionam os patrões a dar aumentos iguais ou superiores à inflação do período de doze meses, a chamada inflação da data-base.
Para explicar o direito ao reajuste salarial anual e como funcionam as negociações dos sindicatos com os patrões, qual a importância delas e como o trabalhador pode participar, o PortalCUT ouviu o advogado trabalhista, Fernando José Hirsch, do escritório LBS que atende a CUT Nacional e o secretário de Assuntos Jurídicos da entidade, Valeir Ertle.
O que é data-base?
Prevista na CLT, a data-base de uma categoria profissional é a data da correção salarial e da discussão e revisão das condições de trabalho fixadas em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) ou Dissídio Coletivo.
Nas data-bases, que variam conforme a categoria profissional e caem sempre no dia 1º de cada mês, os trabalhadores, organizados por meio de seus sindicatos, lutam por reajuste salarial anual, manutenção de benefícios e obtenção de outros, como por exemplo o vale-refeição, plano de saúde, horas extras com adicional superior ao da lei, adicional de turno, jornada de trabalho entre outros.
“Por exemplo, se seu reajuste salarial e negociações de direitos ocorrem em 1º de agosto, esse dia é considerado a data-base de sua categoria profissional. É o marco, o pacto da renovação da norma coletiva negociado pelos sindicatos junto às empresas. Se não existissem sindicatos, a norma coletiva não teria obrigatoriedade”, diz o advogado trabalhista Fernando José Hirsch.
As empresas são obrigadas a dar reajustes a partir das data-bases?
Não necessariamente. Segundo Hirsch, se não houver acordo entre os trabalhadores e os patrões, por meio do sindicato, as negociações podem ultrapassar esse período. Pode ocorrer da empresa pagar, após firmar o acordo, retroativamente. Por exemplo, se a data-base é 1º de agosto e o acordo foi feito em outubro, os trabalhadores podem receber esses dois meses em que ficaram sem reajuste, a partir de outubro, ou uma outra data negociada. Pode ocorrer também da data-base começar a valer somente a partir do acordo selado. Ou seja, o trabalhador pode não receber o reajuste retroativo.
“É muito comum não ter um consenso entre sindicatos e patrões e essa discussão perdurar, atrasando o pagamento do reajuste até que um novo acordo seja pactuado”, diz Hirsch.
Quando ocorre o reajuste salarial?
Em geral, o reajuste salarial é anual, mas pode ser trimestral, semestral ou a cada dois anos. Tudo depende dos acordos feitos entre os sindicatos e os patrões anteriormente.
“Nos anos em que a inflação estava fora de controle, era muito comum os reajustes reporem as perdas salariais passados alguns meses, sem esperar um ano. Hoje, normalmente é anual, mas nada impede um sindicato negociar com empresas uma reposição inflacionária antes de 12 meses do último acordo, explica Hirsch.
Se não houver acordo como ficam os reajustes e direitos?
Caso não haja acordo entre os trabalhadores e os patrões, caberá ao sindicato ou mesmo às empresas, buscar uma conciliação, ou entrar com uma ação na Justiça do Trabalho pedindo o julgamento do dissídio coletivo.
“Se a empresa tem âmbito apenas numa cidade ou estado, quem sente à mesa para negociar junto aos trabalhadores e patrões é o Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Se a empresa for de âmbito nacional, como os Correios, por exemplo, caberá ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), fazer a negociação”, conta o advogado.
O que é dissídio coletivo
Se as negociações entre trabalhadores, sindicatos e patrões, mesmo mediadas pela Justiça do trabalho, não derem certo, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidem o chamado dissídio coletivo.
Em resumo, o dissídio coletivo é o processo trabalhista que tem como objetivo resolver os conflitos relacionados às normas coletivas (ACTs e CCTs) por meio de julgamento pelo poder judiciário. O dissídio coletivo está previsto no artigo 114 da Constituição Federal.
Assim, a primeira condição para o dissídio é a frustração de todas as tentativas de acordo.
Por meio do dissídio, o tribunal avaliará os pontos controversos para solucionar o conflito sobre a norma coletiva, respeitando as disposições mínimas da lei e as condições acordadas anteriormente entre as partes.
É obrigatório repor a inflação nos salários?
Atualizar o valor do salário a partir da inflação não é obrigatório. Tudo depende da negociação entre trabalhadores, sindicatos e empresas. Pode haver casos de reposição salarial pela inflação, abaixo, acima dela e até o congelamento do salário.
Por que a valorização do salário mínimo impacta nos demais reajustes?
Algumas categorias têm como piso salarial um, dois, três ou mais salários mínimos, hoje de R$ 1.212. Por isso, que quando o mínimo é reajustado acima da inflação, como foi nos governos de Lula e Dilma do PT que garantiram aumento real para o piso nacional, quem tem piso baseado nesse critério ganha mais. Esse ganho acabou quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu acabar com a valorização do salário mínimo e reajustar o mínimo com o índice da inflação e nada mais. Com a decisão, Bolsonaro se tornou o primeiro presidente desde o Plano Real, em 1994, a deixar salário mínimo menor.
A política de valorização do salário mínimo repunha o poder de compra do trabalhador, com reajustes acima da inflação, diferente do que ocorre hoje com a massa salarial achatada, com perdas nos ganhos, critica o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional, Valeir Ertle.
“A política salarial de um governo é muito importante para a recuperação da renda do trabalhador. Nós sempre defendemos, enquanto CUT, a inflação mais a correção pelo PIB [Produto Interno Bruto] do ano anterior, o que permitiu que o salário mínimo nos governos do PT, tivesse reajuste de mais de 70% acima da inflação, o que acabou permitindo benefícios em toda a cadeia da economia, inclusive para quem ganhava acima dele”, diz Valeir
A correção dos salários acontece quando há o fortalecimento dos sindicatos para que tenham poder de negociar na data-base e obter ganho real para seus trabalhadores- Valeir Ertle
Por qual índice inflacionário os salários são corrigidos?
A correção dos salários é feita normalmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que calcula mensalmente a variação de preço de um mês para o outro de determinados produtos que são consumidos por famílias que possuem renda total de 1 a 5 salários mínimos.
O peso do grupo alimentos (arroz, feijão, leite, frutas, refeições feitas em restaurantes, lanchonetes) é maior no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que calcula a inflação de quem ganha até 40 salários mínimos.
É obrigatório pagar o que ficou decidido em acordos?
É obrigatório aplicar o reajuste pactuado pelo sindicato, mas nada impede que sejam negociados reajustes mais altos ou menores dependendo do poder financeiro de cada empresa e do poder de pressão do sindicato e sua base de trabalhadores mobilizada.
“As negociações são feitas durante o Acordo Coletivo de Trabalho. Dependendo da categoria, os sindicatos e os trabalhadores podem fazer acordos pelo tamanho da empresa. Por exemplo, metalúrgicos de montadoras podem ter reajustes maiores do que as empresas médias e pequenas de autopeças, apesar de pertencerem à mesma categoria. Isso depende se o acordo for feito com cada empresa e não pelo ramo a que elas pertencem”, ressalta Hirsch.
O Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) é feito a partir de uma negociação entre o sindicato que representa a categoria, os próprios trabalhadores e uma empresa. O ACT estipula condições de trabalho e benefícios, reajustes salariais, etc, apenas para quem trabalha na empresa que firmou o acordo.
Já a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) é negociada entre sindicatos, federações e confederações com várias empresas e as conquistas são válidas para toda uma categoria e não apenas uma empresa. É o caso dos bancários, que desde 1992 conseguem negociar a CCT.
“Se o trabalhador preferiu negociar individualmente, a probabilidade dele ganhar melhores condições de trabalho e reajustes salários é muito menor, valendo o negociado acima do legislado”, alerta o advogado trabalhista.
Fonte: Redação CUT Brasil