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Experiências significativas de produção de moradia popular com autogestão e assessoria técnica

O BNH, a reforma da previdência e a luta pela redemocratização do Brasil foram os temas tratados no artigo anterior. Neste serão relatadas algumas experiências de produção de habitação pela população, de forma independente, sinalizando uma nova possibilidade para a solução do problema.

Alguns municípios executaram políticas públicas de habitação de interesse social. Cita-se Lajes, em Santa Catarina, ainda na década de 1980, como uma pioneira. Mas a experiência mais significativa foi a do governo de Luiza Erundina, Prefeita eleita de São Paulo pelo PT em 1989, que executou uma política habitacional de interesse social, na qual os movimentos sociais de luta pela moradia tiveram um papel fundamental.

Esses foram os gestores dos recursos destinados à construção das moradias, assim como tinham completa autonomia para decidirem pelos projetos e localização dos conjuntos habitacionais construídos. Os projetos deveriam seguir as normas construtivas, a legislação urbanística, os limites quanto às dimensões das unidades e dos recursos por área construída definidos pela legislação, em especial as do programa que se denominava FUNAPS Comunitário.

Essa experiência demonstrou, entre outros aspectos, a possibilidade real da participação dos próprios interessados na gestão dos recursos para a produção de suas moradias, assim como a legitimidade política da proposta e a viabilidade técnica e econômica (RONCONI).

Foi possível verificar também a importância do Estado como viabilizador de recursos financeiros. O Município de São Paulo destinou cerca de 5% do seu orçamento para o Fundo Municipal de Habitação Social, que permitiu executar a ação. O programa adiantava às organizações populares de construção comunitária, geralmente agrupadas em Associações, uma parcela do recurso financeiro necessário para iniciar a obra. As demais parcelas eram pagas mediante medições mensais, conforme o cronograma de obra e o que havia sido efetivamente construído.

Isso possibilitou que as Associações, com apoio de assessoria técnica, executassem as obras e tivessem a gestão do processo, também chamado de “autogestão popular”. Fruto dessa experiência é o projeto de lei n. 4.216/2021, que tramita no Congresso Nacional e institui diretrizes para a produção de moradia por autogestão e cria o Programa Nacional de Moradia por Autogestão.

O direcionamento dos recursos às Associações comunitárias para fazerem a gestão financeira, operacional e técnica dos projetos diminui custos diretos e indiretos e proporciona melhor qualidade construtiva, adequação à cidade e às necessidades das famílias. Ronconi (1995) comparou os custos dos projetos construídos pelas organizações comunitárias com outros projetos executados na mesma época pelo sistema tradicional:

“(…) os apartamentos construídos pelo projeto Cingapura custaram mais 46,29% do que aqueles construídos pelo FUNAPS COMUNITÁRIO, no mutirão madre de Deus. E os apartamentos construídos pelos FUNAPS COMUNITÁRIO são maiores 38,51% do que os construídos pelo projeto Cingapura.” (Ronconi, 1995 p. 166).

Na comparação com outro projeto comunitário, o Talara, a diferença foi ainda maior. Neste caso, constatou-se que “o preço da unidade do projeto Cingapura é 98,97% maior que o custo do FUNAPS COMUNITÁRIO e além disso os apartamentos são 30,50% menores.” (Ronconi, 1995 p. 167-168).

São Paulo e Paraná, entre outros estados, também destinaram recursos para a habitação de interesse social. O Estado de São Paulo tem a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbana (CDHU) com programas específicos, assim como o Paraná com a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR). A ação articulada entre essas diferentes esferas governamentais é fundamental para ampliar a oferta e resolver com maior rapidez o problema.

No caso do Município de Londrina, que executa sua política habitacional por meio da Companhia de Habitação de Londrina (COHAB-LD), verificam-se limites, uma vez que, considerando a média do que foi produzido entre 2015 e 2020, conforme levantamento do Instituto dos Arquitetos do Brasil, e sua atual fila de espera em 2020, a demanda levaria 456 anos para ser atendida BERGOCii).

Uma conclusão do que foi apresentado neste e nos seis textos narrados anteriormente, será o tema do próximo artigo.

Para saber mais, consulte:

RONCONI, R.L.N. Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários, com organização da força de trabalho em regime de mutirão (O programa FUNAPS Comunitário). São Carlos ; Dissertação EESC USP, 1995.

BERGOC. G.J. Déficit de moradia: 456 anos para atender a demanda atual em Londrina. Portal Verdade. Publicado em 5/07/2022. In Déficit de moradia: 456 anos para atender a demanda atual em Londrina – Portal Verdade acesso em 23/04/2023.

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Gilson Bergoc
Doutor e Mestre pela FAU USP. Arquiteto e Urbanista, docente da Universidade Estadual de Londrina na área de urbanismo e planejamento urbano e regional. Integrante do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Urbana. Coordenador de Projeto Integrado – Pesquisa e Extensão da UEL e do núcleo de Londrina do BR Cidades. Ex-Prefeito do Campus da UEL e ex-Diretor de Planejamento Físico Territorial do IPPUL.
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Doutor e Mestre pela FAU USP. Arquiteto e Urbanista, docente da Universidade Estadual de Londrina na área de urbanismo e planejamento urbano e regional. Integrante do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Urbana. Coordenador de Projeto Integrado – Pesquisa e Extensão da UEL e do núcleo de Londrina do BR Cidades. Ex-Prefeito do Campus da UEL e ex-Diretor de Planejamento Físico Territorial do IPPUL.

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