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Falhamos em alguma coisa

Foi essa a fala de Tarcísio, o governador dos paulistas, após o ataque armado de um jovem de 16 anos, que resultou na morte de uma estudante e em duas outras feridas, na Escola Estadual Sapopemba – Zona Leste de São Paulo, na manhã de uma segunda feira (23/10) qualquer.

No ponto, eis a fala: ‘Se você me perguntar se eu tenho todas as respostas para lidar com esse tipo de situação, eu sinceramente não tenho. Ninguém quer ver alunos morrendo. Ninguém quer isso. A sensação que fica é de frustração. O governo falhou? Provavelmente falhamos em alguma coisa. A gente não queria ter falhado’.

Seria cômico não fosse trágico – afinal, quem há de querer ver alguém morrendo (seja aluno ou maestro), não é mesmo?

Esse é o ponto que reclama uma resposta – seja à fala do alcaide com grife bandeirante, seja ao conjunto de circunstâncias que desagua na reiteração das tragédias que proliferam após a disseminação dos discursos de ódio, em polo de convívio com o falso conceito de armar os indivíduos para promover a segurança da sociedade.

Vamos ao início, suposto que falamos disso há muito tempo…

Quando o Brasil esteve, recentemente, entorpecido e se auto abanando o próprio rabo (de 2016 a 2022), como que indulgenciando a elite econômica mais atrasada das américas, haja vista o alinhamento do preço do combustível com interesses rentistas, ouvi do então mandatário messiânico que seu (des)governo seria das maiorias e as minorias que se conformassem.

Não li isso em algum sítio da rede mundial ou capturei a mensagem por ouvir dizer. Ouvi o estupor da boca do próprio messias, naquilo que o então mandatário se fez presidente condenando as minorias ao abandono, colmatando o que reputo sua maior estultice.

Noves fora do que leio nas mídias que visito costumeiramente, o jovem autor do homicídio paulista seria um homossexual vítima de bullying – conforme teriam dito algumas testemunhas do evento trágico dos bandeirantes.

Aqui e no ponto, questionamos: a arma de que o homicida se valeu, para tirar uma vida e atentar contra duas outras, de que forma seria combatida? Com mais armas? Com um hipotético tiroteio na escola?

Não seria melhor, mais inteligente e menos perigoso, cambiar a hipótese da troca de chumbo pela valorização do convívio, investindo na acolhida empática das diferenças, implementando políticas públicas de resgate às minorias?

No ponto indagamos ao governador dos paulistas – como questionamos ao regedor dos paranaenses (hello little mouse), naquilo que situação assemelhada se passou em Cambé, ainda outro dia: você(s) investiu(ram) na contratação de psicólogos para atuarem em escolas públicas, dando suporte aos alunos e à comunidade? Quanto investiram?

Deveras, governos falsos feito terraplana se estabeleceram na esteira do golpe de 2016, acalentados pela tal ‘ponte para o futuro’ e a colheita que experimentamos (notadamente após 2018) é amarga feito fel e vem retroalimentada por cada dejeto social que teima em não governar para minorias, naquilo que estadistas, por mais que sigam escassos, sempre terão em mente os menos favorecidos na equação social.

Lamentavelmente não apreendemos nada com a pandemia que, por aqui, custou quase setecentas mil vidas. Seguimos fortes a equação do ter, em detrimento absoluto do que podemos ser.

Assim é que vociferar contra descamisados pode até suscitar um certo estupor momentâneo, naquilo que a humanidade está (hoje) umas três pingas atrasadas (é fato), naquilo que a empatia perdeu a carreira para o egoísmo neoliberal, argamassando na semana inglesa o prenúncio das hipóteses de sucesso financeiro que esgotaram a valença do que somos, estabelecendo o reinado do que temos.

Não somos senão peões no jogo da vida, em uma partida tirada por burocratas incapazes de sentir, insensíveis a ponto de não performar a somatória natural da equação de pertencimento, naquilo que as relações (aqui e agora) perseguem a trilha do sucesso financeiro – semideus de nossa era.

Daí se repetirem as muitas ofensas ao Padre Júlio Lancellotti que, à despeito de seu extraordinário trabalho social, segue satanizado na Moca porque é lá que sua paróquia acolhe os esquecidos da equação social, ‘enfeiando’ a vizinhança na tantada de ‘nóia’ que alimenta e ajuda.

Nessa trilha, a capacidade de acumular riqueza vem distinguindo pessoas e estabelecendo tendências, suposto que nossa última ceia já não reclama santidade e sim opulência. Estamos a estranhar uns aos outros, comungando má querença nas hipóteses de emoção e sentimento.

Fazendo uso de uma metáfora infeliz, nos dias de hoje a sagração de Iscariotes mais valeria pelas tais trinta moedas de prata do que por seu gesto de traição, naquilo que nossos dias cinzas desconhecem o preto e branco da vida, ao tempo em que seguem escrevendo, com tintas do suor explorativo do esforço alheio, uma equação que alinha o bem querer enquanto sinal de fraqueza.

Foi à essa encruzilhada de sentimentos que os arautos do capital nos encaminharam, enquanto Judas se enforcava na Olaia centenária parindo no homem moderno a venda da própria fé – cada vez mais um singelo detalhe que anima o capital e potencializa igrejas neopentecostais.

Assim, feito o cão que ladra para a caravana das trinta moedas, os regentes do capital seguem desconhecendo as reiteradas emissões de sinais do esgotamento do planeta, ao tempo em que cientistas peleiam a inglória contramão da correção urgente deste rumo.

Qual o que…

O modelo explorativo neoliberal, que acumula capital pela perquirição da força de trabalho do menos favorecido, segue em compasso de espera, vergastando manobras que colam desvalor à ciência, sagrando imbecis de terraplana – privataria da saúde pós pandemia se não é pecado em sim, é o esgotamento das hipóteses de humanismo no seio do estupor neoliberal.  

Na altura, homem e mulher (que deveriam estar no centro de tudo) não são senão variáveis a seguir sendo desconsideradas na condução das políticas de exploração de riquezas que o século XX multiplicou e o século XXI vêm catapultando exponencialmente, estabelecendo consequências invasivas de esgotamento.

Tudo isso para lembrar que a escola pública roga socorro, notadamente após a extrema direita ter espraiado a danação que vem coletando vidas expostas ao ódio.

Mas não. O governo de São Paulo tem, pela educação, um nada de empatia e menos ainda de reconhecimento, conquanto demonstra o nenhum relevo que se lhe dedica – haja vista o recente episódio de renomeação de uma estação de metrô, onde Paulo Freire (nosso maior educador) deu lugar ao nome de um bandeirante qualquer.

E o governo paranaense? Teria apego à educação? Como tem tratado o ensino? Por aqui se valoriza professor? E o aluno, tem segurança e acolhida nas escolas públicas? Há psicólogos contratados para ajudar o pleno desenvolvimento dos jovens?

Aqui importa saber se um jovem homossexual, vítima de bullying, está sendo protegido (na escola e na sociedade) em ordem a se desenvolver plenamente. É disso, afinal, que se trata – e jamais de armar (pessoas e escolas) como a imbecilização de nossa época está a sugerir, na fala bifurcada da extrema direita.

Enquanto filho de uma professora (maravilhosa) lembro que aqui e agora não pretendo levantar bandeira de valorização profissional do professor – ainda que esta pauta seja das mais urgentes.      

Precisamos despertar do sono monumental (de 2016 para cá) e retomar a tutela das minorias, enterrando de vez a política de terra devastada (de 2016 a 2022) que fixou, no horizonte, o outdoor da quebra das balizas racionais de convívio.

Passa que já não temos tempo de desgostar das políticas públicas da esquerda, naquilo que a direita lançou o país no limbo, à espera da abertura da porta do inferno. Neste quadro visualizamos Cérbero domado e à serviço de pastores neopentecostais, recolhendo o seu dízimo de sangue.

Tristes trópicos, onde a vida está desafiada na quebra de políticas públicas de convívio e na proliferação das intempéries que plantam as marés.

Saudade pai!

João Locco
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João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.

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