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O natal do abandono

Jesus nasceu em uma manjedoura na periferia de Belém, em uma cidade atualmente localizada no território palestino (Cisjordânia, ao sul de Jerusalém). Esse é um dado histórico que se dessume da leitura de mais de uma passagem bíblica.

Noves fora a fé do leitor (ou a falta de), essa talvez seja a memória mais viva de todas as crônicas da humanidade. Há tanta magia e misticismo a lhe abraçar que é muito difícil tenha a narrativa se desenvolvido de outra forma – pode ser que uma coisa ou outra não passou como se conta, mas detalhes não ofuscam a maior história da história.

Conheço agnósticos severamente engajados, espraiando bem viver e bem querer, que o só reflexo de suas ações convola séculos e séculos de pensamento Cristão, dando a medida da presença viva de valores e da sabença do Messias, pouco importando para essa equação a origem divina ou mundana do profeta dos profetas.

Eu, darwinista convicto, não abjuro minha formação católica, justamente porque o conceito de um Jesus humano é a mais poderosa das mensagens que qualquer Deus poderia enviar – em polo de convívio com a fé de minha santa Mãe em Maria, a quem fui consagrado ainda criança, em atenção ao fato de não ter morrido quando parecia que minha hora havia chegado.

Não obstante, me encanta o conceito monoteísta que derrocou o politeísmo romano (tantos deuses e quase nenhuma compaixão?), justamente na humanização do filho de Deus e, principalmente, sou cativo do enredo fabuloso de mãe Maria a pedir pela humanidade (When I find myself in times of trouble, Mother Mary comes to me) com que os rapazes de Liverpool presentearam a humanidade.

Tenho meus perrengues com a igreja (Padre Manuel e o Papa Francisco haverão de me perdoar) e estes quejandos estão na conta do crescente fundamentalismo religioso – o que não impede reconheça a grandeza de Francisco, o maior dos Papas.

Não obstante e ainda que o fundamentalismo seja mais presente entre os evangélicos, a crítica que destilo alcança a igreja católica tanto quanto – até porque este texto não tem lado outro que não o humano.

Bem por isso não pretendo tratar aqui do filho de Deus e sim do Profeta judeu que viveu na Palestina no século I d.C. e que, durante toda a sua vida, vagou ao lado de despossuídos, miseráveis, dos esquecidos do destino, levando uma mensagem (forte) de libertação de Israel, ao tempo em que prometia um reino de Deus na Terra.

A Palestina estava (à época e como quase todo o mundo civilizado) sob domínio do império Romano e, nesse sentido, quando aparece um cara falando em reino de Deus na Terra, ‘bora’ combinar que os donos da ideia de colonizar o mundo civilizado não gostaram nem um pouco.

Além disso, a fala de distribuição de rendas nasceu com Cristo e, que se saiba, não há registro histórico da presença petista na Palestina de época. Tampouco de algum movimento social de sem-terra.

Nessa toada, a fala do Messias judeu convola sensível abalo dogmático ao politeísmo romano e, na medida em que (desde sempre) mexer com a fé alheia suscita um mergulho na escuridão, a palavra do Cristo conduziu o temor nas entranhas do reinado romano.

Foi essa contracultura (monoteísmo, reino de Deus na Terra, libertação de Israel, partilha do pão, respeito às minorias), aliada a má querença do patriciado judaico (elite econômica de seu povo) em aceitar um plebeu (pobre) enquanto seu Messias, quem desenhou a acusação contra Jesus.

Então e assim, a pedido dos Fariseus (devotos da Torá) apoiados pelo patriciado judaico e sob a covardia de Pilatos (será que Pôncio tinha convicção da culpa de Cristo? Será que lhe exibiram, em sessão reservada, um ‘powerpoint’ acusatório?), o Messias foi condenado a morte de cruz, concebida com exclusividade para cidadão romano – o que Jesus nunca foi.

Fato é: Jesus incomodou os poderosos e estabeleceu, com sua fala fraternal, empática e engajada, um compromisso (amai-vos uns aos outros) entre nós, que parece ter ficada com ele na cruz.

Os séculos se empilham após a morte do Nazareno (vinte e um) e nesse interregno a humanidade cresceu e estabeleceu parâmetros próprios que, de uma forma ou de outra, guardam alguma relação com o Profeta Judeu que morreu crucificado.

Triste é ver o seu nascimento (25/12) sequestrado em uma grande tribulação comercial, que atende mais ao bolso que ao espírito. Mais triste ainda é ver a diluição insensível de seu mandamento maior (amai-vos uns aos outros) escoar pelas disputas neoliberais que a busca por mais estatuiu em nossa sistemática de convívio.

Pior a para acabar, é contabilizar 12 mil crianças mortas no genocídio de Gaza, justamente em solo palestino e de infantes palestinos – povo do aniversariante mais festejado da história.

E lá nave vá – quem sabe não vivamos dias melhores? Mas que não tragam junto esse dízimo sangrento, onde a insânia humana abraça o mais e, de mãos dados, sepultam o sentimento, naquilo que erguemos uma estátua empreendedora onde o púlpito vomita um pastor a malquerer em nome do preconceito.

Feliz natal a todo palestino que ainda acredita na magia e aos irmãos judeus que, prontamente, condenam a insânia governamental de seu governo de extrema direita, em sua cruzada pela contagem de corpos palestinos infantis, espraiados na terra devastada de Gaza.

Tristes tempos. Saudade Pai.

João Locco para o Canto do Locco

João Locco
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João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.

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