MST e CPT destacam que as medidas anunciadas, interessantes a médio prazo, não atacam a concentração fundiária do país
Em 11 estados brasileiros, 28 latifúndios foram ocupados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no intervalo de uma semana, no âmbito da tradicional jornada nacional de lutas feita em abril, em memória ao Massacre de Eldorado do Carajás. É neste contexto que em Brasília e sob pressão, na última segunda-feira (15) o governo Lula lançou o Programa Terra da Gente.
O decreto dispõe sobre alternativas para a aquisição de imóveis rurais por parte do governo federal para destiná-los à reforma agrária. Entre as opções, estão o uso de terras que já pertencem à União, a negociação de dívidas de estados em troca de terrenos, a compra de propriedades de bancos e empresas públicas, a aquisição de imóveis penhorados e de terras adjudicadas (quando proprietários trocam terras por quitação de dívidas).
Na avaliação do MST e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o programa é importante por ser um “gesto” do governo frente à demanda por avanço na reforma agrária e apresenta opções “interessantes” para arrecadação de terras a médio prazo.
No entanto, para as entidades, as medidas não afetam a concentração fundiária do país e não resolvem questões urgentes no curto prazo, como a desburocratização do acesso de agricultores a crédito e o assentamento de 105 mil famílias que vivem acampadas no Brasil.
“É compensação social, não reforma agrária”
“Em geral, há boas ideias de arrecadação de terras no nosso país”, observa Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST. “Mas concretamente não vejo no curto espaço de tempo a solução para um dos principais problemas, que são os acampados no Brasil”, destaca.
“Também não apareceu o tema do financiamento para os assentamentos. É sempre bom lembrar que há quase quatro milhões de pequenos agricultores e que o crédito liberado para a agricultura familiar atingiu um milhão. São os agricultores que estão viabilizados economicamente”, diz o dirigente do MST.
“Aos pobres do campo, não temos política concreta. Precisaria de uma espécie de ‘Desenrola’ para resolver pendências e dívidas desta parcela da população, que produz os alimentos deste país”, propõe Gilmar Mauro.
Para Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT, o governo federal vem enfrentando problemas sociais, “mas a passos lentos”. “Defendemos a desconcentração da terra e isso a gente não está vendo no governo Lula”, salienta. “[O governo] está tratando de resolver a fome com uma linha ainda muito assistencialista, sem atacar a raiz do problema, que tem como uma das questões principais a terra”, ilustra.
“Tivemos melhorias de programas reeditados na linha da produção, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o crédito para quintais produtivos. Mas ainda há questões básicas que precisamos de reestruturação de uma política agrícola e agrária para o campo que este governo ainda não mostrou a que veio”, ressalta Isolete.
No mesmo sentido, Gilmar Mauro considera que o Terra da Gente “é uma espécie de compensação social, um programa de assentamentos, fruto da luta. O que evidentemente é importante. Mas não ataca a concentração fundiária do nosso país. Por isso não é um programa de reforma agrária”.
“Sem muita briga”
A sistematização de imóveis rurais que podem ser adquiridos “sem muita briga”, como disse o presidente Lula (PT) no anúncio, foi apelidada por ele próprio de “prateleira de terras”.
No decreto, entre os caminhos previstos para a aquisição destas terras até consta a desapropriação (quando o governo compra o terreno do proprietário para destiná-lo a fins sociais) e a expropriação (quando a área é tomada pelo Estado por ter descumprido, por exemplo, leis trabalhistas ou ambientais). Ambas atacam a concentração de terras no país. No entanto, não há sinais de que serão recursos usados prioritariamente.
Em primeiro lugar, pelo baixo orçamento para as desapropriações. O investimento para a reforma agrária previsto na Lei Orçamentária Anual de 2024 é de R$ 659 milhões. Este é o menor montante previsto para a área de todas as gestões petistas anteriores. Entre 2003 e 2016 não houve nenhum ano em que este orçamento tenha sido abaixo de R$ 2,5 bilhões.
Em segundo lugar, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, afirmou nesta quarta-feira (17) em uma coletiva a radialistas que a estratégia é evitar conflitos e aplicar métodos “mais inovadores” do que a desapropriação.
“Antigamente tínhamos o sistema de desapropriação em que, após se ir para a Justiça, era feito todo um debate, a questão tramitava por vários tribunais e depois de uns 10 anos se conseguia a aquisição dessa terra. Estamos mudando isso”, declarou Paulo Teixeira.
“No período anterior, como você fazia assentamento de famílias? Fazia pela lei, pela improdutividade da terra. Desapropriava a terra para destinar a fins de reforma agrária. Mas é um processo demorado e você sempre vai destinar terras improdutivas. É como se você desse àquelas famílias um carro velho, digamos assim. O que inovamos”, disse o ministro.
No discurso de lançamento do programa no Palácio do Planalto, Lula reforçou que o levantamento de terras disponíveis para assentamentos “não invalida a continuidade da luta da reforma agrária, mas queremos mostrar aos olhos do Brasil o que a gente pode utilizar sem muita briga. Isso sem querer pedir para ninguém deixar de brigar”.
Na avaliação de Gilmar, existe uma toada do governo desde o início da gestão de tentar “apaziguar conflitos”. “Como se, caso não houvesse pressão dos movimentos populares, os fazendeiros ficassem quietos, né? Isso não acontece, evidentemente. É preciso pressionar. Se o MST caísse na cantilena ‘agora se aquieta que nós vamos fazer tal coisa’, significaria se acomodar diante de uma estrutura fundiária arcaica historicamente”, ressalta.
Fonte: Brasil de Fato