Documento enviado ao comando da corporação pede melhor infraestrutura para o local que abriga militares em cursos de formação e aperfeiçoamento
Alunos do Curso de Sargentos Policiais Militares encaminharam um documento para o Comando-Geral da Polícia Militar do Paraná (PMPR), em agosto deste ano, denunciando a falta de infraestrutura e violação de direitos humanos na academia do Guatupê, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. A corporação, por sua vez, disse que avaliaria a situação e indeferiu alguns dos pontos destacados no documento.
O primeiro pedido feito pelos sargentos foi para que as aulas do curso de formação fossem ministradas, ao menos em parte, na modalidade EAD. A ideia era não onerar os dias de folga dos militares que estão estudando, que precisam se deslocar de unidades que ficam em outras cidades do estado e buscar hospedagem por longos períodos por causa do andamento do curso.
O comandante da academia, tenente-coronel Darany Luiz Alves de Oliveira, indeferiu o pedido, o que motivou o encaminhamento ao coronel Hudson Leôncio Teixeira, comandante-geral que acaba de ser escolhido como novo secretário de segurança do Paraná, cargo que começa a exercer em janeiro. O texto diz que há uma injustiça com os sargentos policiais militares porque, no caso dos sargentos bombeiros e dos capitães, é permitida a modalidade híbrida EAD.
A situação foi taxada como “classista” pelos policiais, muito embora o comando tenha respondido o documento negando a discrepância no tratamento. “Há autonomia delegada a eles para desenvolver as atividades da forma que melhor atender às suas necessidades, não tendo correlação com a sistemática de desenvolvimentos dos cursos policiais militares”, disse a corporação.
Saúde
O documento de mais de 40 páginas feito pelos sargentos denuncia ainda a falta de infraestrutura da academia do Guatupê que, segundo eles, tem instalações precárias, descumpre as regras sanitárias e registra falta d’água.
No ano passado, houve um surto de covid-19 entre cadetes que estudavam na academia, conforme denúncia do site “The Intercept”. A circulação do vírus, combinada às vistas grossas dos comandantes com a prevenção, é preocupação para um novo surto agora que os números voltaram a subir no Estado.
Somente nesta segunda-feira (28), de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), o Paraná registrou 632 novos casos de coronavírus e confirmou a morte de um homem de 84 anos em Paiçandu, noroeste do Estado. Em agosto, época da denúncia feita pelos sargentos, houve 657 registros de covid-19, contra apenas 7 em julho, segundo o relatório da pasta.
Para os sargentos, o curso EAD poderia proteger os militares de um novo surto de covid-19 e, conforme o documento, seria útil para não perder aulas do curso por motivos médicos, que o documento classifica como “constrangimento ilegal – ameaça de desligamento do curso por doença mediante submissão compulsória a normas”.
A reportagem teve acesso aos documentos, bem como conversou com militares que confirmaram que muitos trabalhadores se sentem coagidos a buscar auxílio em situações de doenças – sobretudo aqueles que têm sintomas respiratórios, por medo de serem desligados dos programas de formação.
Direitos humanos
De acordo com os discentes, cerca de 900 pessoas frequentam a academia diariamente. Segundo eles, não há estrutura para receber tanta gente, o que torna a situação uma “absoluta desumanidade” num ambiente de “total insalubridade” e de “vivência degradante em razão de instalações precárias”.
Para além da infraestrutura, os sargentos também denunciam violações dos direitos humanos ligadas às condições de trabalho, escalas e exageros nas instruções com os policiais militares.
“A instauração de Inquérito Policial Militar, em expediente apartado, a fim de investigar o cometimento do crime de maus-tratos previsto no art. 213 do Código Penal Militar no âmbito da APMG”, destaca outro trecho do documento.
Os maus-tratos ocorrem com uso desnecessário de spray de pimenta contra policiais que passam por treinamento por parte de superiores, instruções que não dialogam com a função da Polícia Militar de policiamento ostensivo – algumas situações envolvem táticas empregadas pelo Exército.
Um dos militares ouvidos pela reportagem afirmou que um superior chegou a usar spray de pimenta dentro de uma das salas de aula. Outro revelou que há atitudes arbitrárias contra policiais que criticam o estilo de formação.
Por meio de nota da assessoria, a PMPR informou que “frisa que todos os Núcleos de Ensino no Paraná possuem a mesma grade curricular, as quais os alunos devem ter aproveitamento mínimo necessário para a formação. Ressaltamos que todos os policiais em formação têm disciplinas como Direitos Humanos e Polícia Comunitária”.
Também há relatos de relacionamentos entre superiores e subordinadas. Sobre isso, a assessoria de imprensa da PM afirmou que “não existe proibição de militares estaduais se relacionarem afetivamente”, embora, segundo os relatos ouvidos pela reportagem, haja vantagens nas rotinas de trabalho nessas situações.
A Corregedoria foi informada sobre esta conduta e uma investigação aberta, no entanto, não houve sanções.
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Alep) não recebeu denúncia formal sobre as questões apontadas no documento, portanto não há apuração tramitando, embora, agora, os fatos sejam conhecidos.
Comando
O documento assinado pelo coronel Hudson – que é tido como linha dura entre os pares e tem o apreço do governador Ratinho Jr. – diz que os problemas apontados pelos sargentos são pontuais e que há uma “infinidade de banheiros existentes”. Ele não menciona relações da falta de estrutura e até vidros quebrados nos alojamentos utilizados por cadetes e praças.
No entanto, o texto diz que, “para evitar injustiças ou decisões precipitadas, é necessário realizar uma inspeção in loco, a qual poderá diagnosticar a existência do problema e possibilitar o eventual reparo”. A PM informou que está tomando as medidas e que inspeções foram realizadas, embora militares ouvidos pelo Plural afirmem que a situação permanece a mesma.
Em nota, a assessoria da PM disse que tem ciência das solicitações, mas que são reclamações antigas e que não condizem com o momento atual. E mencionou que todas as denúncias e reclamações feitas são apuradas pela corporação.
Fonte: Redação Plural