Tentativas de assassinato subiram 272% entre 2021 e 2022. Indígenas são os mais afetados
Relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), nesta segunda-feira (17), demonstra aumento da violência no campo. Segundo o estudo, em 2022, foram registrados 2.018 conflitos nas zonas rurais do país. A taxa corresponde à média de um ataque a cada quatro horas. Em 2021, foram identificados 1.828 casos, ou seja, crescimento de 10%. O lançamento da pesquisa ocorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e contou com transmissão pelo canal da organização no YouTube (veja aqui).
A investigação foi publicada no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, Dia Internacional da Luta Camponesa, e data que marca o episódio que ficou conhecido na história brasileira como “Massacre de Eldorado dos Carajás”. Em 1996, cerca de 1.500 pessoas estavam acampadas em município de mesmo nome, no sudeste do Pará, em protesto. A intenção do grupo era marchar até Belém, capital do estado, e exigir a desapropriação da fazenda Macaxeira, ocupada por 3.500 famílias sem-terra. A vigília foi alvo de abordagem extremamente repressiva da Polícia Militar, que deixou 21 camponeses mortos.
Ainda, 47 camponeses foram assassinados no ano passado, salto de 30% em relação a 2021, quando ocorreram 36 mortes. Cabe destacar que, em 2020, foram contabilizados 21 assassinatos de modo que é possível observamos uma escalada da violência nos últimos dois anos. As tentativas de assassinato atingiram 123 moradores do campo, índice 272% maior que as 33 ocorrências registradas em 2021 e o maior número já captado pela CPT.
Indígenas foram os alvos mais frequentes da violência no campo. Em 2022, 38% das vítimas eram pertencentes a povos originários (18), em seguida estão integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com nove casos, totalizando 19%.
Do total dos conflitos no campo, 1.572 foram motivadas por disputas por terra, proporção 16% superior que a de 2021. Os mais atingidos foram os povos indígenas (28%); famílias posseiras (19%); comunidades quilombolas (16%); sem terras (11%) e famílias assentadas da reforma agrária (9%). Também foram registrados 225 conflitos por água.
Ademais, a pesquisa indica que a invasão de territórios afetou aproximadamente 95 mil famílias em 2022. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) foram identificados 1.185 atentados, representando 61% das ocorrências na década. Considerando os crimes de pistolagem, 30.624 famílias foram afetadas, em 180 casos, um aumento de 86% no número de ocorrências em relação a 2021.
A advogada Talita Leite chama atenção para o esvaziamento da agenda ambiental durante a gestão do ex-presidente. Segundo a especialista, o desmantelamento chegou aos órgãos de controle que deveriam ser os primeiros a defender as comunidades rurais.
“Chegamos a ter um ministro do Meio Ambiente [Ricardo Sales], falando para ‘passar a boiada’. O enfraquecimento da fiscalização e o discurso preconceituoso contra povos tradicionais emitido por autoridades favorecem este cenário de aumento da violência no campo. Bolsonaro tomou posse falando que ‘demarcaria nenhuma terra indígena’ e realmente não fez. As invasões de grileiros, desmatamento explodiram”, avalia.
Mais envenenados
Os agrotóxicos impactaram 6.831 famílias em conflitos por terra no Brasil em 2022, um crescimento de 86% em comparação com 2021. O volume é o maior identificado de 2010, quando este tipo de violência passou a ser apurada pelo Comissão Pastoral da Terra. A contaminação pelos venenos atingiu pelo menos 193 pessoas no último ano, um salto de 171% face a 2021.
Amazônia “epicentro” da violência
De todas as regiões do país, a Amazônia Legal foi a que mais concentrou casos. Foram 1.107 ocorrências em 2022, representando mais da metade de todos os conflitos registrados no país (54%). Dos 47 assassinatos no campo brasileiro, 34 ocorreram nesta localidade (72%).
A área corresponde a 59% do território brasileiro, cerca de 5 milhões de KM², e engloba oito estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Isto é, além de abrigar todo o bioma da Amazônia brasileira, ainda contém 20% do Cerrado e uma parcela do Pantanal.
“A curva ascendente na Amazônia Legal a torna um dos mais graves epicentros da violência no campo na atualidade. Palco de exploração e devastação, criando um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022”, assinala o documento.
Fazendeiros foram os principais responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%. Na sequência, aparecem empresários (13%) e grileiros (11%). Também foi possível notar o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para 16% no período.
Trabalho escravo
Em 2022, foram registrados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no campo, com 2.615 pessoas denunciadas e 2.218 resgatadas. O meio rural corresponde a 88% das denúncias deste tipo de violência no país. O agronegócio segue como a atividade mais responsável pelo crime no Brasil, sendo a liderança ocupada pelo setor sucroalcooleiro, com 523 pessoas resgatadas.
Minas Gerais foi o estado que concentrou o maior número de ocorrências (62 casos com 984 pessoas resgatadas), seguido por Goiás (17 casos com 258 pessoas resgatadas); Piauí (23 casos com 180 pessoas resgatadas); Rio Grande do Sul (10 casos com 148 pessoas resgatadas); Mato Grosso do Sul (10 casos com 116 pessoas resgatadas) e São Paulo (10 casos com 87 pessoas resgatadas).
Crianças e adolescentes
Também durante o último governo, nove adolescentes e uma criança foram mortos no campo. Em 2022, foram registradas 113 mortes decorrentes de conflitos nesta faixa etária. Do total, 103 foram em Terra Indígena Yanomami, sendo que 91 das vítimas eram crianças, totalizando 80% dos assassinatos.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.