Manifestantes iniciaram atividades no Calçadão e seguiram até a Leste-Oeste, onde participaram de tradicional desfile
Em sua 29ª edição, o Grito dos Excluídos e das Excluídas tomou as ruas de diversas cidades, neste feriado, 7 de setembro. O protesto, realizado há quase três décadas, busca chamar atenção para as múltiplas desigualdades sociais que comprometem a consolidação de uma democracia efetiva no país.
Ao longo dos anos, o ato busca ouvir setores marginalizados da sociedade sobre suas demandas e lutas ao mesmo tempo em que provoca uma releitura da Independência. Conforme informado pelo Portal Verdade (relembre aqui), Londrina aderiu à manifestação, com atividades no Calçadão e participação no tradicional desfile realizado na Leste-Oeste.
Comparecem ao ato representantes de pastorais, comunidades eclesiais de base, sindicatos, movimentos negro, indígena, LGBTQIA+, coletivos feministas, de imigrantes, também de familiares de vítimas da letalidade policial, em defesa de moradia e acesso igualitário à terra.
“Este evento é da humanidade, dá visibilidade a quem hoje passa fome, quem não tem oportunidade de emprego e é excluído no dia a dia da sociedade, os invisíveis. Porque a sociedade capitalista é focada na ganância e quando acumula nas mãos de uns, falta nas mãos de outros. A nossa Independência tem que ser dos pobres também, de inclusão social do morador de rua, quilombola, população LGBT, negros, mulheres vítimas de feminicídio no dia a dia”, avalia Dirceu Quinelato, diretor do Sindicato dos Bancários de Londrina e Região.
Para José Damasceno, membro do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a realização da reforma agrária é condição para que o país seja democrático. Ele destaca que o MST tem historicamente participado do Grito porque é um segmento que, além da invisibilidade tem que lutar contra a criminalização de suas pautas pelos setores dominantes.
“Tem os excluídos da moradia, do emprego, da escola, o MST é excluído de ter um pedaço de terra. O nosso movimento sempre lutou para que a gente alcançasse a plenitude humana que é ter acesso aos bens públicos que um ser humano precisa”, diz.
A liderança acredita que há mais chances de a luta pelo fim da concentração fundiária avançar sob este novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Porém, avalia que o momento é de reconstrução da democracia, de retomar programas e políticas voltadas às camadas subalternizadas, medidas estas que foram desmanteladas nos últimos quatros anos.
“A extrema-direita definhou o estado brasileiro, principalmente, os serviços públicos que atendem a população menos favorecida. É só olhar os orçamentos que não atende realmente as necessidades básicas, mas nós estamos lutando de unhas e dentes para reconstruir a democracia no país. É um governo de frente ampla, precisamos derrotar o fascismo, vencemos ele nas urnas, mas não o projeto e as ideias, e retomar um orçamento robusto para as pessoas em vulnerabilidade social, para matar a fome”, observa.
O assentado acrescenta a necessidade de que a agricultura familiar seja valorizada. “O estado brasileiro precisa adquirir alimentos dos camponeses, das áreas de reforma agrária e colocar na mesa das periferias para que tenham uma alimentação completa, saudável”.
Aparecido Nénrig Zacarias, representante do Grupo indígena Vãnh Ga, reforça a demanda pela demarcação dos territórios e repúdio ao Marco Temporal, que estabelece que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição Federal em vigor.
A proposta tem o apoio dos ruralistas, mas é vista como uma ameaça pelos povos originários, por praticamente inviabilizar a demarcação de novos territórios. “Está muito difícil para nós que somos indígenas e não temos moradia, saúde, educação, mas estamos nas lutas com nossos parentes e temos muita esperança”, indica.
A tese está em votação no STF (Supremo Tribunal Federal) e deve voltar ao plenário em 20 de setembro. Até o momento, os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Cristiano Zanin se manifestaram contra o marco. Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor.
Fome e sede de quê?
Padre Dirceu Fumagalli, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, na zona Sul de Londrina, evidencia a inclusão das camadas populares para a construção do estado democrático de direito. “Primeiro, uma retomada do nosso fôlego, para ocupação das praças e ruas. Acreditamos e esperamos, de fato, que possamos construir a democracia neste país, mas sem a participação popular não é possível”.
Ainda, segundo a liderança, o tema “Vida em primeiro lugar” tem sido mantido ao longo das edições. Porém, em cada ano é escolhido um lema inspirado na conjuntura sociopolítica daquele momento específico. Em 2023, o mote é “Você tem fome e sede de quê?”.
“A fome de pão, de se alimentar mesmo, de água que temos demanda por saneamento básico, milhões de brasileiros sem acesso. Mas também outros tipos de fome e sede por justiça, democracia, participação, regularização de territórios, reforma agrária. Estamos sedentos para que isso ocorra”, afirma.
O Portal Verdade coletou depoimentos de participantes do ato que responderam à pergunta, você tem fome e sede de quê?, acompanhe aqui.
De acordo com Padre Dirceu, o ato atendeu às expectativas. “Uma boa participação, aquelas pessoas que estavam acompanhando o desfile, tiveram a oportunidade de ver que ainda tem o que fazer para que todas as pessoas tenham acesso a nossa cidade”.
Abaixo-assinado contra violência policial
Hayda Mello, mãe de Willian Jones Faramilio da Silva Junior, um dos jovens assassinados pela Polícia Militar há um ano e três meses em Londrina e integrante do grupo “Justiça por Almas” também participou do protesto. Ela pontua o abaixo-assinado que o coletivo está viabilizando a fim de que o Projeto de Lei nº 448 vá ao plenário da ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná).
Apresentado pelo deputado Tadeu Veneri (PT), em 2019, quando ocupava uma das cadeiras da ALEP, a medida determina o uso de câmeras nos uniformes e veículos policiais em todos os municípios paranaenses.
“O nosso grito é por justiça para cada vítima da violência policial nestes supostos confrontos nunca provados e, principalmente, estamos com abaixo-assinado recolhendo a assinatura da população para implementação de câmeras corporais, nas viaturas e exames toxicológicos”, assinala.
Ela destaca que, por se tratar de uma lei estadual, podem assinar o documento apenas pessoas cujo domicílio eleitoral seja no Paraná e é necessário apresentar título de eleitor. Aqueles que desejarem apoiar o projeto poderão entrar em contato com o coletivo através da página @justiçaporalmas. O grupo irá dar os encaminhamentos para a coleta da assinatura. É necessário atingir 80 mil assinaturas para que a tramitação caminhe.
“Estas assinaturas não vão ser apenas para proteger a população, mas também para dar a veracidade para as versões dos policiais e segurança deles. O policial que sai para trabalhar não tem por que não querer a câmera corporal para que a vida dele também seja preservada”, salienta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.