É o menor contingente da série iniciada em 2012, quando o índice atingiu 16,1%
No último dia 15 de setembro, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou dados que permitem compreender transformações pelas quais o movimento sindical passou na última década. As informações são do módulo Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2022, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua.
De acordo com o levantamento, em 2022, das 99,6 milhões de pessoas ocupadas, apenas 9,2% (9,1 milhões de pessoas) eram associadas a algum sindicato. Esse é o menor contingente da série iniciada em 2012, quando havia 14,4 milhões de trabalhadores sindicalizados no país (16,1%). Em 2019, a taxa era de 11% (10,5 milhões), demonstrando uma tendência na diminuição do número de filiados nos anos anteriores.
Fernanda Forte de Carvalho, docente do departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e associada ao Sindiprol/Aduel, tem se dedicado ao desenvolvimento de pesquisas sobre o mundo do trabalho e sindicalismo. Também exerceu a função de assessora política e sindical da CUT (Central Única dos Trabalhadores) entre 2003 e 2018. Na avaliação da professora, entre os fatores que explicam a queda na sindicalização está uma agenda de retrocessos sociais implantados a partir do afastamento da presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, sendo a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467) uma das principais ofensivas.
A medida alterou princípios da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) flexibilizando e legalizando novas modalidades de trabalho. Entre os impactos para o trabalhador estão o aumento do trabalho informal e condições menos estáveis de trabalho, como o contrato de trabalho intermitente, também a redução do poder de mediação e negociação dos sindicatos, substituído pela negociação direta entre empregador e empregado.
“Já que estamos falando de sindicalismo, a Reforma Trabalhista é fundamental para gente perceber a crise da sindicalização hoje e dos sindicatos no Brasil, embora, não seja uma questão apenas focada no nosso país. Vários analistas trabalham com a ideia de crises de sindicalismos por todo o globo. Diversos fatores convergem para isso como a globalização, a fragilização de vínculos de trabalho, a cultura também que muda na organização do trabalho, a lógica bastante exacerbada do empreendedorismo”, analisa.
Carvalho salienta que, a Reforma Trabalhista juntamente com outras iniciativas como a extinção do Ministério do Trabalho durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), restringiram a atuação do movimento sindical, que passou a encontrar mais dificuldades para estabelecer canais de participação e comunicação com os poderes públicos.
“Já vinha em um processo de crise, mas a gente sabe que a Reforma Trabalhista acirrou porque, de fato, limitou bastante a atuação dos sindicatos, na homologação dos contratos, nos locais de trabalho, os sindicatos ficaram sem financiamento. O enfraquecimento da própria Justiça do Trabalho, foram vários fatores que contribuíram para que as instituições sindicais ficassem bastante frágeis, acentuando processo de crise que já vinha há algum tempo. É importante dizer também que o arrefecimento da participação dos sindicatos com ênfase na atuação das centrais sindicais nos espaços de definição das políticas públicas também contribuiu para este cenário bem como o fim do Ministério do Trabalho, a fragilização das instituições de regulação pública do trabalho”, acrescenta.
Segundo a pesquisadora, a pandemia de Covid-19 também deve ser considerada, uma vez que causou mudanças como a expansão do teletrabalho e da informalidade. “A gente já vinha em um processo de precarização das relações de trabalho e a pandemia introduz novas modalidades de trabalho, home office, amplia desemprego e tem uma série de questões que os sindicatos tiveram que lidar, novas formas de contratação já incentivadas pela Reforma Trabalhista que facilitava. Você perde um pouco a noção de onde está este trabalhador, o local de trabalho muda e o sindicato para que ele faça a sindicalização precisa ter essa clareza de onde encontrar este trabalhador. Então, são novas dinâmicas tanto do ponto das relações de trabalho como o campo da própria ação sindical”, indica.
Criminalização do movimento sindical é um dos fatores, mas não só
Segundo Carvalho, a criminalização do movimento sindical, bandeira de governos autoritários também reflete no processo de sindicalização uma vez que cerceia as atividades desenvolvidas pelas entidades e suas lideranças.
“O dirigente sindical e o sindicato têm que estar voltado para a sua base. O dirigente tem que ter acesso a este trabalhador, o direito de estar neste local de trabalho independentemente de qual seja e poder fazer esta ação sindical com tranquilidade. Na medida em que ele é criminalizado tem diversas consequências, pode sofrer multas indevidas, perseguições a dirigentes que são relatadas até hoje. O dirigente ou sindicato pode ter que se envolver em uma pauta defensiva, procurando órgãos como a OIT [Organização Internacional do Trabalho] para fazer denúncias, no sentido de se defender e manter a sua atuação sindical, então, dá um certo desvio em relação aquilo que seria uma prática tradicional aproximada da base que é dialogar, propor ações”, diz.
Porém, a pesquisadora reforça que a criminalização é apenas um dos aspectos que trazem barreiras ao ato de sindicalização. Este deve ser observado em intersecção com outros elementos e como parte de um cenário mais amplo, no qual características como a extrema concentração de renda e desigualdade social que estruturam a sociedade brasileira e impactam a organização do trabalho também devem ser lembradas.
“Quando você tem mais democracia no local de trabalho certamente facilita para os sindicatos o processo de aproximação da base e posteriormente pensar uma sindicalização. Mas é um traço do nosso mercado de trabalho, a informalidade, rotatividade, baixos salários, discriminações no mercado de trabalho dos trabalhadores sindicalizados, tudo isso prejudica a ação sindical e ato de sindicalização. Porque é difícil para um sindicato, por mais que ele possa ter uma atuação ativa, quando há sempre o risco da demissão, perseguição, assédio no local de trabalho a quem deseja participar do sindicato, dificulta muito a ação dos sindicatos”, afirma.
Menos de 20% dos trabalhadores do setor público são sindicalizados
A taxa de sindicalização recuou em todos os setores. A exceção foi o segmento de serviços domésticos, que manteve os 2,8% registrados em 2019. Ainda assim, o índice é o menor entre as categorias.
A maior queda foi na atividade de transporte, armazenagem e correios, cujo percentual de sindicalização passou de 20,7% em 2012 para 8,2% em 2022. Por outro lado, a maior taxa de sindicalização foi na área de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (16,5%).
Os empregados com carteira assinada no setor privado e no setor público apresentaram as maiores taxas de sindicalização, respectivamente, 11% e 19,9%. Observe-se que entre servidores públicos, a taxa de sindicalização era quase o dobro aos trabalhadores da iniciativa privada. A porcentagem de filiação entre trabalhadores por conta própria caiu quase pela metade no período, recuando de 11,1% em 2012 para 6,2% em 2022.
Carvalho pontua que, apesar da precarização das relações de trabalho também já ser perceptível no funcionalismo público, com contratações temporárias e terceirizações, o setor está menos exposto à rotatividade quando comparado às instituições privadas.
“É um setor mais protegido, onde o servidor público, especialmente, aquele que é estatuário goza da estabilidade, isso certamente é um dos fatores que pode contribuir para uma maior taxa de sindicalização. Podemos pensar tanto nos municípios, estados como no âmbito federal. A questão da estabilidade é fundamental e esses contratos mais seguros realmente garante uma melhor qualidade das relações de trabalho e uma possibilidade deste trabalhador vir acessar o sindicato e ter relações com o sindicato vindo, então, a sindicalizar-se”, explica.
A especialista salienta que, historicamente, os servidores públicos têm desempenhado papel preponderante para a organização da atividade sindical no país. “O setor público sempre foi uma força importante na composição das bases dos principais sindicatos do país, das centrais sindicais, na CUT, por exemplo, tem um peso bastante grande justamente por ser um segmento que ao ter estabilidade ele pode ter alguma facilidade de acesso aos sindicatos e ao próprio exercício da atividade sindical tendo liberação para isso seja para exercer direção sindical ou mesmo para ser um trabalhador que participa ativamente da vida do sindicato”, assinala.
Renovação sindical
Carvalho reforça que um caminho buscado pelos sindicatos em diversas partes do mundo tem sido chamado de “revitalização ou renovação sindical”. De acordo com ela, trata-se de uma linha de estudos e de trabalho que algumas organizações estão adotando a fim de tentar reverter este processo de declínio da sindicalização.
“Isso também é importante para gente não pensar a instituição sindical como um ator passivo, mas que vem ativamente buscando soluções e isso inclui pensar novas estratégias de sindicalização de outros públicos que não sejam tradicionalmente representados pela base de um sindicato X ou Y, você estende a representação para outros públicos, por exemplo, migrantes, amplia a agenda sindical para outras pautas, são estratégias para pensar esta revitalização dos sindicatos que são instituições muito importantes para fortalecimento das democracias não só no Brasil, mas em todas as regiões do mundo”, complementa.
A docente ressalta a importância dos sindicatos para a democracia e garantia dos direitos dos trabalhadores. “Tendo um sindicato forte, atuante, certamente, teremos melhores democracias, democracias mais fortes e relações de trabalho mais justas. Trabalho decente, digno para todos e todas”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.