Estudo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na última sexta-feira (13), demonstrou que entre 2011 e 2020, o Brasil registrou 24.909 casos de acidentes de trabalho e 466 mortes envolvendo menores de 18 anos. Isso representa uma média de 47 mortes por ano e quatro por mês.
O estudo também revela que a maioria das vítimas é do sexo masculino (82%) e tem entre 16 e 17 anos (85%), a predominância é de jovens negros (56%). Ainda segundo o levantamento, o setor de serviços é mais afetado, com crianças e adolescentes atuando como entregadores de delivery, vendedores ambulantes, trabalhadores domésticos. As áreas de agropecuária, indústria extrativista e construção civil também registram um número significativo de mortes de menores decorrentes de acidentes de trabalho.
De acordo com mapeamento da Fundação Abrinq, em 2021, cerca de 1,7 milhão de meninos e meninas entre cinco e 17 anos no Brasil estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. A região Sudeste lidera com 579.240 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Em seguida, está o Nordeste com 558.151 menores nesta condição. Em terceiro lugar, aparece o Sul com 246.034 casos.
Segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego, apenas de janeiro e abril deste ano, 702 crianças e adolescentes foram resgatadas em situação de trabalho infantil no Brasil. Deste total, a Auditoria Fiscal do Trabalho do MTE constatou que 100 eram crianças com até 13 anos de idade (14%); 189 tinham 14 e 15 anos (27%) e 413 eram adolescentes de 16 e 17 anos (59%). Na análise por gênero, 140 (20%) eram meninas e 562 (80%), meninos. As atividades econômicas em que foram constatados os maiores números foram: comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas, serviços de alojamento e alimentação.
“Quando pensamos em infâncias e juventudes, temos que considerar a pluralidade de experiências e opressões específicas as quais crianças e adolescentes estão submetidos. Ser uma criança negra, em uma sociedade marcada pelo racismo como é o Brasil não tem o mesmo significado que ser uma criança branca. É fundamental também o reconhecimento das diversidades, a valorização de todas as culturas para que eles se vejam representados e pertencentes”, indica a assistente social Nayara Pires.
A profissional também lembra que durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2020 e 2021, os recursos destinados à implementação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) foram zerados. Criado em 1996, a iniciativa possui apoio da Organização Internacional do Trabalho. Entre 2016 e 2017, foram investidos R$ 143, 5 milhões na medida. Em 2019, apenas R$ 4,7 milhões foram destinados aos estados e municípios para que pudessem criar ações de combate ao trabalho infantil.
“Vivenciamos um desmantelamento das políticas focalizadas na erradicação do trabalho infantil no Brasil, embora o país tenha firmado este compromisso junto as Nações Unidas. O documento assinado garantia que até 2025, não haveria mais nenhuma criança e adolescente subordinado a trabalho infantil em território nacional, mas o enfraquecimento das legislações, corte de financiamentos demonstram que será muito difícil cumprir esta meta”, analisa.
Também de acordo com a pesquisa, a maioria dos adolescentes entre 14 e 17 anos que trabalham no país estão submetidos ao trabalho infantil (86%). Este número representa um aumento de 147 mil jovens em relação à média dos trimestres de 2020. Segundo a investigação em 2021, quase metade dos adolescentes de 14 a 17 anos que estavam ocupados realizavam atividades prejudiciais à saúde e desenvolvimento (44%). Apenas 2020, cerca de 556 crianças e adolescentes foram vítimas de acidentes de trabalho, que vão desde quedas até amputações.
O que defini o trabalho infantil?
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), proíbem no Brasil o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.
Trata-se, portanto, de trabalhos que: 1) é mental, físico, social ou moralmente perigoso e prejudicial para crianças; 2) interfere na sua escolarização, privando as crianças da oportunidade de frequentarem a escola e obrigando elas ao abandono escolar prematuramente; 3) exige que se combine frequência escolar com trabalho excessivamente longo e pesado.
“A criança ou o adolescente que trabalha precocemente pode estar exposto a diversas outras violações de direitos, acidentes de trabalho, lesões físicas, doenças ou distúrbios, seja por esforço excessivo ou por exercer funções inadequadas para seu porte ou sua condição física e psicológica, que na maioria das vezes ainda está em formação”, ressalta o relatório.
Manual
Para contribuir para a erradicação do trabalho infantil no Brasil até 2025, conforme estabelecido na Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU), o Ministério do Trabalho e Emprego lançou o Manual de Perguntas e Respostas sobre Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente em junho. O documento está disponível para acesso clicando aqui.
O manual tem 63 páginas divididas em seções que vão desde a explicação de conceitos básicos sobre o que é o trabalho Infantil; consequências da prática ilegal e riscos ao desenvolvimento físico e psicossocial da criança e do adolescente que trabalham precocemente; normas internacionais e nacionais sobre o tema; modalidades de trabalho permitidas ao adolescente maior de 12 anos; além de atividades desempenhadas pelos auditores fiscais do trabalho.
Denúncias
Ao presenciar uma situação de trabalho infantil, você pode fazer uma denúncia ao Conselho Tutelar de sua cidade, à Delegacia Regional do Trabalho mais perto de sua casa, às secretarias de Assistência Social ou diretamente ao Ministério Público do Trabalho. Queixas também podem ser realizadas no Disque 100.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.