Em 2022, país arrecadou R$ 2,7 bi em tributo rural enquanto subprefeitura de Pinheiros arrecadou R$ 2,8 bi com IPTU
Quinto maior país do mundo e com um setor agrícola entre os mais produtivos, o Brasil arrecada em imposto de terrenos rurais menos do que uma subprefeitura da capital paulista arrecada em IPTU. Em todo o ano de 2022, todos os terrenos rurais do país pagaram R$ 2,7 bilhões em Imposto Territorial Rural, o ITR, enquanto somente a subprefeitura de Pinheiros, que abarca quatro bairros da região oeste de São Paulo (Alto de Pinheiros, Pinheiros, Jardim Paulista e Itaim Bibi), arrecadou R$ 2,8 bilhões em IPTU no mesmo período.
Os números são da Receita Federal e ajudam a entender como a tributação dos terrenos no campo no Brasil é baixa mesmo com o aumento da produção agrícola nos últimos anos. Além disso, esse cenário acaba prejudicando também a distribuição mais justa de terras no país com base em critérios objetivos de produtividade, que é justamente um dos objetivos do ITR. Isso porque o imposto foi criado de forma que a maior alíquota incida justamente nos terrenos menos produtivos, de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas apenas para especulação financeira e possibilitar o aumento de oferta de terras. A lógica do imposto (cobrar mais dos menos produtivos) segue a mesma adotada pelo Reino Unido e seu land and value tax (imposto sobre terra e valor), instituído no século 18 e que contribuiu para a realização da reforma agrária naquele país.
Considerando a série histórica da arrecadação da Receita Federal desde 1995, o ITR nunca representou mais do que 0,3% do total da arrecadação no país. Atualmente, a arrecadação no ITR está no patamar de 0,13% de tudo que é arrecadado pela Receita. A título de comparação, a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrada de empresas representa 7,9% da arrecadação da Receita Federal.
Massacre de Eldorado dos Carajás fez governo aumentar alíquota
Instituído pela primeira vez em 1891, o ITR foi mantido na Constituição de 1988 como um tributo federal e cuja arrecadação é dividida em 50% com os municípios. Uma das alterações mais significativas do tributo ocorreu após o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, quando a Polícia Militar assassinou 21 camponeses que protestavam pela desapropriação de uma fazenda no Pará onde havia 3,5 mil famílias sem terra acampadas. Naquele ano, o governo promulgou uma lei que ampliou o teto do ITR de 4,5% para 20% e que segue vigente até hoje. Com isso, o tributo, que tem uma escala progressiva, tem atualmente alíquotas que variam de 0,03% a 20%.
Além disso, uma Emenda Constitucional de 2003 possibilidou que os municípios recebam toda a receita do ITR de seu território desde que assuma um convênio com a Receita Federal e fique responsável por toda a fiscalização e cobrança do ITR. De acordo com a Receita Federal, 24% de todos os municípios do país estavam conveniados, em 2022, com a Receita para receber e cobrar todo o ITR. A região com mais cidades nessa situação é a Centro-Oeste, onde 356 municípios firmaram convênios com a Receita Federal para assumirem toda a cobrança e fiscalização do imposto.
Em encontros com governo, MST cobra atualização do ITR
O ITR é calculado levando em conta o chamado valor da terra nua, que é o preço de mercado do terreno desconsiderando quaisquer construções, plantações ou pastagens no local, o chamado Grau de Utilização da Terra, indicador que mede a produtividade do terreno, e a área tributável, que considera a área total do imóvel menos as áreas consideradas de proteção e vegetação nativa. A arrecadação baixa ocorre justamente devido à fiscalização precária da produtividade dos terenos e do fato de essa produtividade ser autodeclaratória, isso é, o próprio contribuinte declara o que produz e a Receita cobra com base nisso.
Representantes de movimentos sociais do campo e peritos que atuam na avaliação da produtividade dos terrenos apontam que uma das formas muito comuns de proprietários driblarem a cobrança do ITR para pagar menos é declarando como produtivos terrenos que, muitas vezes, não tem nenhuma produção, ou então possuem uma produção bem mais baixa do que o declarado. Além disso, os índices utilizados para aferir a produtividade agrícola das terras são de 1975 e nunca foram atualizados. De acordo com o IPEA, de 1975 a 2020 a produtividade do setor agrícola brasileiro cresceu 400%. Some-se a isso o fato de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estar com um déficit de cerca de 3 mil servidores e não realiza concurso público desde 2010. A autarquia é a responsável por fazer a medição da produtividade dos terrenos no país, mas simplesmente não compartilha informações sobre isso com a Receita, que é quem recolhe o ITR.
É neste contexto que o Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra levou a necessidade de se atualizar os indicadores e tornar mais efetiva a cobrança do ITR em suas reuniões com os ministros do Planejamento, Casa Civil, Desenvolvimento Agrário e Secretaria-Geral da Presidência realizadas entre segunda (16) e quarta-feira (18) dessa semana, em Brasília. Nos encontros o governo sinalizou que vai incluir as pautas do movimento no orçamento. Como mostrou o Brasil de Fato, porém, o orçamento previsto para a reforma agrária no ano que vem é o menor de todas as gestões petistas até aqui, e representa um quinto do que o MST reivindica como necessário para assentar as 65 mil famílias que vivem hoje de forma precária em acampamentos do movimento.
Fonte: Brasil de Fato