Após dez meses de gestão, diálogo avançou com quadros da Funai e da ANM, mas é mais espinhoso com outras categorias
Passados pouco mais de dez meses do início do governo, a gestão Lula vem enfrentando desafios na relação com algumas categorias do funcionalismo federal. Parte do segmento – que, a depender do órgão, ficou sem correção salarial por um período que varia de quatro a seis anos – vem subindo o tom naquilo que se refere às tratativas com a gestão. Na quarta (1º), servidores do Banco Central (Bacen), por exemplo, reuniram-se em um protesto na frente da sede da autarquia, em Brasília (DF), para pedir valorização da carreira.
Na proposta de orçamento para 2024, o governo federal reservou R$ 1,5 bilhão para o reajuste dos servidores públicos, o que seria equivalente a cerca de 1% de correção na folha. O percentual frustrou as categorias. O funcionalismo federal foi beneficiado por um primeiro acordo assinado com a gestão no primeiro semestre do ano que teve alcance geral entre os servidores da máquina. Na ocasião, foi concedido um reajuste de 9% que abarcou ativos, aposentados e pensionistas e também houve um aumento de 43% no auxílio-alimentação dos trabalhadores, mas, assim como outros funcionários públicos, os trabalhadores do Bacen têm uma pauta mais extensa.
O presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Bacen (Sinal), Fábio Faiad, afirma que a entidade apresentou a pauta da categoria no ano passado, ainda no período da transição de governo, e que vinha dialogando informalmente com a gestão petista desde o início do ano. O primeiro encontro formal da mesa de negociação aberta com a categoria do banco foi em 25 de setembro. “A gente esperou o momento em que seriam abertas as mesas e, na primeira reunião, o governo falou que em até quatro semanas marcaria uma nova reunião para nos apresentar uma devolutiva, mas isso não ocorreu. Estamos aguardando a contraproposta.”
Os funcionários da autarquia demandam, por exemplo, a mudança da denominação do cargo de analista para “auditor”, a criação de um bônus de produtividade similar à gratificação já concedida aos auditores fiscais da Receita Federal e a reestruturação da carreira, incluindo obrigatoriedade de ensino superior para técnicos do banco e equiparação entre as carreiras de Estado. As mudanças levariam a um incremento de cerca de 40% nos salários.
“Com o descaso com que o banco é tratado pelos governos com o passar dos anos, as pessoas fazem o concurso – e, pra passar, tem que ter uma alta qualificação e muito tempo de estudo – e, com o tempo, diante das atividades de alta complexidade do Bacen, há uma formação profissional que acaba sendo um treinamento extra. Eles viram potencial alvo de bancos nacionais e estrangeiros, organismos internacionais ou mesmo buscam outros concursos, como é o caso de alguns das grandes capitais, e a gente perde funcionários”, argumenta Faiad. Ele afirma que a migração compromete também o sigilo dos dados resguardados pela autarquia.
“Se vai pro sistema financeiro, é pior porque aqui no banco eles têm acesso a várias informações de várias instituições e vão embora para o mercado levando essas informações. A obrigação do banco não é ser um centro de treinamento de luxo, e sim um centro de atração de talentos, por isso a remuneração é um fator importante”, emenda o dirigente. Segundo ele, há risco iminente de greve.
“Se não houver avanço na primeira quinzena deste mês, eu mesmo levarei essa proposta [para assembleia sindical]. A gente ainda acredita no diálogo com o governo. Esperamos que eles cumpram a promessa de fazer a reunião e trazer uma contraproposta pra gente avaliar, mas risco de greve tem, sim”, diz Faiad.
Carreiras típicas
Está previsto para a próxima quarta-feira (8) um dia de mobilização dos servidores das carreiras típicas de Estado, segmento que inclui trabalhadores do Bacen, auditores da Receita Federal, fiscais agropecuários, auditores do Trabalho, entre outros. De acordo com o Fonacate, fórum nacional que reúne tais categorias, há diferenças na pauta dessas carreiras por conta da especificidade de cada uma delas, mas a pauta remuneratória une todos os setores.
O fórum não apresentou um percentual específico como proposta de reajuste, mas afirma que houve uma perda acumulada de cerca de 26% nos últimos anos por conta da inflação somada à estagnação dos salários. O grupo apresentou dados e pediu uma contraproposta ao governo, considerando inclusive a possibilidade de implementação gradual de correção, conforme já ocorreu em outros anos.
“O governo tem nos recebido, o diálogo está acontecendo – talvez não com a velocidade que a gente esperava, mas estamos com um bom diálogo –, mas até agora ele está pouco efetivo. O governo, com a aprovação do regime fiscal sustentável, criou amarras para si próprio em relação à negociação salarial, de modo que nós achamos pouco provável que ele vá fazer uma proposta de reajuste salarial ainda em 2023 para 2024, e o ano está acabando. Estamos vendo que esse canal não vai ser efetivo para a recomposição geral”, aponta o presidente do Fonacate, Rudinei Marques, ao se referir à pauta conjunta do segmento.
O fórum também apresentou ao governo uma pauta não remuneratória, que, em linhas gerais, trata da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Marques afirma que a batalha é para que a normativa seja “plenamente internalizada” no serviço público, com previsão de negociação coletiva, direito de greve e organização sindical no setor.
O dirigente relata que, no quesito dos diálogos setoriais, as tratativas também não têm terminado com avanços em relação às pautas específicas das categorias. Como resultado disso, já há uma série de mobilizações em vários níveis. É o caso dos servidores do Tesouro Nacional e da Polícia Federal. Auditores da Receita, por exemplo, já agendaram uma greve geral prevista para iniciar no próximo dia 20.
“Estamos em um momento de impasse, em que o governo não se decide, e aí as nossas bases também estão cobrando, cada vez mais ansiosas. O pessoal já passou por um período horrível, que foi o dos anos de congelamento salarial. A gente não quer repetir o horror que foi o governo Bolsonaro, mas também não tem avançado muito com o governo Lula”, queixa-se o presidente do Fonacate.
Condsef
Já com as categorias abrangidas pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) o clima da relação com o governo está um pouco mais brando. É o que sugere o secretário-geral da entidade, Sérgio Ronaldo. Ele diz que o canal de comunicação tem surtido efeitos positivos. A organização representa quase 80% do funcionalismo federal, congregando diversos sindicatos.
“Nós lutamos muito para reabrir o processo de diálogo e o governo cumpriu um compromisso que tinha assumido conosco, que era o de instituir um grupo de trabalho para organizar o debate sobre a regulamentação da Convenção 151. Esse GT está atuando e, provavelmente, até início de dezembro, vai entregar um produto ao Congresso pra regulamentar isso. Pelo menos na nossa base estamos tratando dos temas específicos nas mesas setoriais e estamos apostando no diálogo”, afirma. Sérgio Ronaldo indica ainda que não há, no setor, possibilidade de greve.
“Ainda não vislumbramos discutir esse tema porque pelo menos já saímos da escuridão, quando não se tinha nenhum nível de diálogo. Não achamos mesmo que conseguiríamos tudo no primeiro ano de governo”, diz o secretário, que ressalta que uma nova reunião com a gestão Lula está agendada para o próximo dia 16.
Funai
Entre os diferentes grupos de servidores que compõem o funcionalismo federal, aquele onde o diálogo com o governo conquistou maior avanço foi o dos trabalhadores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Na última terça (31), a gestão petista e entidades que representam os servidores assinaram um acordo que prevê a reestruturação de carreiras do órgão. Ficou acordada a criação da chamada “carreira indigenista” – que será formada por duas diferentes funções, as de especialista em indigenismo e técnico em indigenismo – e de um plano especial de cargos da autarquia.
O documento assinado prevê um cronograma de incremento salarial que será aplicado gradualmente. Para os funcionários de nível superior, serão 40% de reajuste em janeiro de 2024, 30% em janeiro de 2025 e 30% em janeiro de 2026. Já para os de níveis intermediário e auxiliar o calendário fixa reajuste de 100% em parcela única a ser efetivado em janeiro do próximo ano. A proposta, que vinha sendo demandada pelos servidores da Funai há mais de 20 anos, será encaminhada para avaliação do Congresso Nacional por meio de um projeto de lei.
Também houve acordo entre governo e servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM), que fizeram 90 dias de greve até o final de outubro em busca de melhores condições de trabalho. Depois de uma mediação feita pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), foi firmado um pacto pela reestruturação da tabela de remunerações de cargos da autarquia para equiparar a situação dos seus funcionários à dos servidores das demais agências reguladoras. O reajuste salarial dos trabalhadores do órgão seguirá o mesmo calendário escalonado previsto para funcionários de nível superior da Funai.
Governo
A reportagem tentou ouvir o governo a respeito das reivindicações dos servidores por meio do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), pasta responsável pelas negociações, mas não teve retorno da assessoria de imprensa da pasta até o fechamento desta matéria.
Fonte: Brasil de Fato