O percentual de pessoas com nível superior trabalhando em outras funções como balconista ou vendedor de loja aumentou 22%
Na última edição do boletim “Emprego em pauta”, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) aborda dificuldades que trabalhadores brasileiros enfrentam para conseguir vagas adequadas ao nível de instrução.
De acordo com o levantamento, o número de pessoas em idade ativa (PIA), ou seja, de 14 anos de idade ou mais, com ensino superior completo, aumentou 14,9% entre os quartos trimestres de 2019 e de 2022 – o equivalente a cerca de 3,7 milhões a mais.
Seguindo a mesma tendência, a quantidade de ocupados com ensino superior completo cresceu 15,5%. Já entre trabalhadores com ensino médio completo, a taxa de empregabilidade aumentou 7,1%. Isto é, o índice de ocupação entre graduados saltou o dobro no período.
O aumento da ocupação entre as pessoas com ensino superior completo, porém, ocorreu principalmente em cargos que não requerem essa escolaridade. O contingente de ocupados com nível superior em ocupações não típicas (aqueles de nível médio, administrativos e que englobam trabalhadores do comércio serviços e ocupações elementares) cresceu 21,2%, entre o quarto trimestre de 2019 e o de 2022.
“Aconteceu que teve um aumento no número de vagas nas universidades públicas e privadas e o número de ocupados com diploma aumentou, mas o mercado de trabalho não conseguiu acompanhar essa dinâmica. Então, não têm postos de trabalho suficientes para conseguir absorver esta mão de obra qualificada que cresceu muito nos últimos anos”, explica Gustavo Monteiro, técnico do DIEESE.
Ainda em relação às ocupações não típicas, a de maior número de ocupados com nível superior era a de escriturário, com 1,4 milhão de pessoas. Em seguida, quase 600 mil eram comerciantes de lojas e outros 417 mil eram balconistas ou vendedores.
Entre as ocupações típicas para essa escolaridade (principalmente, aquelas de direção/gerência e de profissionais das ciências e intelectuais, antes conhecidos também como “profissionais liberais”) o número diminuiu em 15,4%.
Contudo, o rendimento médio não teve desempenho similar e, no total dos ocupados, foi reduzido em 0,5%. Entre os ocupados com ensino médio completo, a queda do rendimento foi de 2,5% e entre aqueles com ensino superior completo, o recuo foi de 8,7%.
Entre os ocupados de domicílios mais pobres, com ensino superior completo, 38,8% dos ocupados estavam em ocupações típicas para essa escolaridade e outros 61,2% estavam em atividades não típicas. Já entre os de domicílios mais ricos, 71,5% dos ocupados com superior completo estavam em ocupações típicas e 28,5% em atividades não típicas.
“Os outros países que temos referências são muito diferentes. Tanto o mercado de trabalho como o sistema educacional de outros países são muito diferentes, então, vemos países que mais metade da população tem ensino superior, mas eles têm mercado de trabalho mais formalizados, desigualdade menor. No caso do Brasil este problema é dramático porque tem uma desigualdade muito grande”, acrescenta Monteiro.
De acordo com o especialista, além do aumento da qualificação também é necessário propiciar programas de ingresso no mercado de trabalho formal a fim de reduzir as múltiplas desigualdades que atravessam as trajetórias dos indivíduos.
“Esses dados mostram que não basta aumentar a oferta de educação porque mesmo quando as pessoas conseguem acessar e concluir o ensino superior, as desigualdades continuam por muitos motivos, não é só a educação que determina o trabalho e rendimento das pessoas. Então, aquelas pessoas que vem de lares mais ricos conseguem se beneficiar de redes de contato melhores, conseguem estudar em universidades melhores e até em cursos em que a renda é maior, isso faz com que consigam não apenas ter um acesso melhor à educação, mas também uma inserção melhor no mercado de trabalho”, alerta.
Ainda, segundo a investigação, em 2019, o ganho médio de funcionários com ensino médio completo era de R$ 2.196. Em 2022, o valor caiu para R$ 2.140. Já entre empregados com ensino superior completo, o salário médio regrediu de R$ 6.188 em 2019 para R$ 5.650 no último ano.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.