Nos doze meses do ano aconteceram diversas ameaças de fechamento de escolas e problemas com a implementação do novo ensino médio
No início de 2023, uma indesejada surpresa chegou aos estudantes da escola de Escola Faxinal da Boa Vista, em Turvo, próximo a Guarapuava. A SEED (Secretaria Estadual de Educação do Paraná) anunciou que encerraria o ensino noturno, impossibilitando dezenas de alunos de estudar, já que durante o dia muitos trabalham. Essa primeira investida do governo demonstrou como a educação seria tratada ao longo do ano.
Diminuição de vagas no ensino noturno, fechamento de escolas do campo, encerramento de cursos técnicos e turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos), implementação de colégios cívico-militares, plataformização do ensino e a precária implementação do novo ensino médio indicam que a defesa de um ensino público de qualidade é urgente.
“O ano de 2023 teve a continuidade da política educacional que chamamos de ‘empresariamento’ e de ‘plataformização’ em sala de aula”, explica o professor de Sociologia e assessor jurídico da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de escola do Paraná) Núcleo Londrina, Rogério Nunes.
“Todas as medidas que foram tomadas pelo governo esse ano foram continuidades dessa política, com influência do mercado privado na política educacional, favorecendo uma lógica que desmonta e privatiza a escola pública”, acrescenta.
Segundo o professor, o impacto dessa política é visto no fechamento de CEEBJAs (Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos), diminuição na oferta de vagas no ensino noturno e o aumento na militarização de colégios.
Ao todo 81 escolas deixaram de oferecer o ensino para jovens e adultos este ano no estado, segundo levantamento da APP Sindicato. O CEEBJA Professora Maria do Carmo Bocati, em Cambé, teve anunciado seu fechamento, depois a SEED voltou atrás devido a forte manifestação contrária e, no início do mês de dezembro, retornou a falar em fechamento do colégio para o próximo ano (saiba mais).
Outra medida que aparentemente parece boa, mas que traz consequências sérias é o crescimento de escolas com ensino integral. Até o ano passado eram 167 escolas nessa modalidade e esse ano passaram a ser 253. O problema é que essas escolas deixam de ter ensino noturno, aumentando a evasão da camada mais pobre dos alunos que precisam trabalhar durante o dia e, por isso, estudam à noite.
“Eu moro na região dos Cinco Conjuntos [zona norte de Londrina] e num raio de uma população de 155 mil habitantes, apenas uma escola, entre quinze, continuará atendendo os alunos no período noturno”, exemplificou o professor Rogério Nunes.
A mesma consequência do ensino integral afeta os colégios cívico-militares, que excluem os alunos que não conseguem estudar durante o dia. Além disso, reportagem recente do Portal verdade (disponível aqui) mostra que o polêmico modelo de militarização das escolas também submete os alunos a uma rígida rotina militar que restringe a liberdade dos estudantes.
Na reportagem, a jovem Mariana Furtado, matriculada no Colégio Estadual Cívico-Militar Tsuru Oguido, denuncia um caso de intolerância religiosa cometida pela administração militar do colégio, além da punição física de quem chega atrasado, sendo obrigado a marchar durante longos períodos, mesmo em dias de intenso calor. Neste ano, o Paraná iniciou com 206 colégio militarizados, já a partir de 2024 contará com 313 unidades, um aumento de 51%.
Outro área da educação que a gestão de Ratinho Júnior (PSD) impactou foram os ensinos técnicos subsequentes, também oferecidos à noite. Em outra reportagem do Portal Verdade publicada em novembro, o professor e coordenador do curso de administração do Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera, em Londrina, professor Osvaldo Paes de Brito avaliou que o governo faz isso para tentar evitar enfrentar o problema de evasão escolar nessa modalidade. Segundo o professor, ao invés de buscar soluções que busquem incentivar a permanência dos estudantes, o estado paranaense prefere acabar com as turmas.
A implementação do novo ensino médio e a plataformização também marcaram negativamente a educação paranaense ao longo deste ano. O uso obrigatório de plataformas geraram críticas dos docentes que, entre outras elementos, reclamam do sistema de metas inalcançáveis impostas por essas plataformas, precarizando ainda mais as relações de trabalho.
Para a professora de Biologia, Angélica Tiepo, as plataformas desconsideram o contexto de cada aluno. “A aplicação dessas ferramentas aconteceram, infelizmente, de maneira incorreta. não levava em conta a singularidade de cada estudante, os recursos disponíveis para o acesso, e muitas vezes o conteúdo não era relacionado com o que era proposto em sala de aula”, conta a professora.
“Houve uma imposição de usar e de atribuir nota nessas plataformas, o que retirou totalmente a autonomia dos professores no processo avaliativo e subjetivo que deveríamos ter sobre cada educando”, observa a docente.
Já em relação ao novo ensino médio, a confusa estrutura diminui drasticamente a quantidade de horas aula de disciplinas importantes, como Arte e Biologia, ao mesmo tempo que passa a ofertar disciplinas sem cientificidade reconhecida como “Projeto de Vida”. “Houve uma precarização da educação com o novo ensino médio. A ideia de que o aluno vai estudar, com maior aptidão cai por terra quando tem salas lotadas e o aluno perde o poder de escolha”, analisa a professora.
“O novo ensino médio foi implementado sem a devida formação dos professores e estrutura dos colégios. Eu fui professora da disciplina de Biotecnologia. Só que a proposta da disciplina era elaborar um artigo científico e para isso precisava de computadores disponíveis. Porém, os laboratórios de informática das escolas tem espaço limitado, muitas vezes cabendo uma turma por vez. Ao longo do ano, teve escola que eu nem consegui usar o laboratório, penalizando os alunos que não tinham acesso a computador em casa”, diz.
Outro ponto criticado pela docente de Biologia, é que a disciplina que ela leciona perdeu carga horária, comprometendo a qualidade das discussões e criando um descompasso com as provas para ingresso no ensino superior. “Em Biologia há conteúdos muito densos, que eram trabalhados em três anos no ensino médio. Esse ano foi tudo blocado em apenas um ano. Tive que trabalhar de maneira bem superficial, sem aprofundamento, bem diferente do que cobra os vestibulares”.
Diante de todos esses ataques, de acordo com o professor Rogério, a APP-Sindicato realizou um processo de resistência contra esse desmonte. “Fizemos denúncia em redes sociais, questionamento na justiça de algumas medidas, debate e reflexão nas escolas. Das 127 escolas que foram consultadas para se tornar cívico-militares, aproximadamente 50 recusaram o modelo. Isso mostra o efeito desta mobilização de resistência”, assinala.
*Matéria do estagiário Lucas Worobel sob supervisão.