Professor, especialista em Direito Eleitoral, explica que se for entendido que houve crime, penalidade depende do grau de participação
No último dia 9 de fevereiro, o STF (Supremo Tribunal Federal), por meio de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, retirou o sigilo do vídeo de uma reunião ministerial realizada por Jair Bolsonaro (PL) em 5 de julho de 2022. No encontro, mais uma vez, o ex-presidente, disseminou notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro, colocando em suspeita a lisura das urnas.
A reunião motivou a operação “Tempus Veritatis” pela Polícia Federal, responsável por deflagrar buscas contra ministros do primeiro escalão do governo e militares de alta patente. O intuito é averiguar o estabelecimento de articulações golpistas para manter Bolsonaro na presidência.
Além de responsáveis por diversas pastas, como Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e general Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) também é possível acompanhar a presença de parlamentares, a exemplo do deputado federal Filipe Barros (PL).
Na gravação, cuja duração tem aproximadamente 1h30, Barros também incita a falta de confiabilidade no processo eleitoral (acompanhe na íntegra aqui).
O Portal Verdade conversou um Crístian Rodrigues Tenório, advogado, professor de Direito Eleitoral na UniCesumar para saber se os participantes do encontro podem sofrer penalidades. Acompanhe entrevista completa a seguir:
PV – Na última semana, a Polícia Federal quebrou sigilo de uma reunião realizada por Jair Bolsonaro, em julho de 2022, no Palácio da Alvorada. Na gravação, é discutida um possível golpe de Estado para mantê-lo na presidência. Este discurso é considerado crime? Poderia explicar?
Em primeiro lugar, impera a garantia processual penal a todos do Estado de Inocência. Logo, mesmo neste ocorrido, caso o inquérito seja convertido em ação penal, até que se prove por meios legais de forma inequívoca todo e qualquer ato (oriundo de intenção) singular ou em conjunto com finalidade de se cometer crime, todos estão sob o mando do estado de inocência.
O Código Penal traz dois crimes especificamente. Golpe de Estado (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) Artigo 359-M: tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: reclusão de quatro a doze anos, além da pena correspondente à violência.
Como ele [Jair Bolsonaro] não poderia se autoderrubar, estaria pela impropriedade do objeto (ele já estava no Poder, era o Poder Executivo) se trataria de uma tentativa inidônea. Logo, não haveria como, na frieza da Lei a possibilidade de alguém se autoderrubar.
Mas, há o crime de abolição do Estado democrático de direito. O Código Penal assim expressa: Artigo 359-L: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Pena: reclusão de quatro oito anos, além da pena correspondente à violência.
Aqui temos um ponto interessante: houve na reunião declarações, ao que parece (ignoro o inquérito, pois não advogo para nenhum dos atores envolvidos) uma minuta de reunião ou de determinações (a chamada minuta do golpe). Se esta minuta trouxer instruções de prisões (a ministros do STF), daí teríamos a abolição do Estado democrático.
Note-se que é tentativa, pois, como já observou o ministro Alexandre de Moraes, se há golpe de Estado ou abolição da democracia, bem, não se fala em crime – quem deu o golpe está no poder (manda prender, não seria preso).
Porém duas perguntas: houve violência? Apenas a recorrente (verbal, gritada, típica do comportamento pouco republicano do antigo presidente), mas sem violência da parte dele (física).
Houve ameaça? Se entendermos que por ameaça se coloca o que o crime de ameaça do Artigo 147 do Código Penal nos fala (uma ameaça real, concreta de um mal anunciado), bem, se for adotada uma interpretação dessas, pode-se tentar implicar este delito ao ex-presidente.
Mas são delitos novos, têm pouco mais de dois anos no Código Penal. Este será um bom teste, caso o processo seja realmente jurídico e não somente midiático/político por parte de seus personagens principais.
PV – Na reunião, participaram, entre outros representantes, ministros e deputados. No caso, especificamente, de parlamentares presentes, eles podem sofrer algum tipo de sanção (Por exemplo, serem cassados? Ficarem inelegíveis, entre outras consequências?) Se sim, poderia apontar quais são elas?
Se houver entendimento de que ali ocorreu crime, pessoas assistiram a reunião e concordaram. A questão está no grau de participação (culpabilidade) de quem ali assistiu e tomou parte. Se for entendimento que a ação não foi crime, ninguém ali cometeu nada. Se entender que houve delito há participação. Isto porque este delito admite em sua descrição literal, objetiva a palavra tentativa – quem tenta, sozinho ou em grupo, responde. E aqui tentar já é praticar o delito.
Mas é preciso compreender o que um parlamentar teria como decisão ali. Qual a força, poder, influência, qual a sua divisão nos “trabalhos” por assim dizer. A mera expectativa, pode implicar em falta ética – algo assim, filosoficamente falando – mas em delito, é pouco provável.
PV – Estamos em ano de eleições municipais e com fortalecimento de grupos de extrema-direita em diversas partes do país. Muitos deles evocam a “liberdade de expressão” para disseminar discursos de ódio e ataques à democracia. Poderia comentar a diferença entre expor posicionamentos/preferências políticas e expor falas que incentivam violências?
Como disse Cícero em Roma, ‘ó tempos, ó costumes!” Que tempos são esses, não é mesmo, em que temos que falar em fakenews e discursos de ódio como se fossem novidades e ameaças de hoje? Quem incita violência incita crime, na razão e proporção do delito. É isto o que assistimos dentro da experiência lamentável dos Estados Unidos (Trump, etc.) foi a normalização de comportamentos antidemocráticos criminosos.
Não há liberdade de expressão para se cometer crimes, já falava o ministro Luis Barroso. E mais, na nossa Constituição, existe liberdade de expressão vedado o anonimato. Quem fala, quem se expressa deve se identificar para, entre outras coisas, arcar com suas responsabilidades. Razoabilidade não deve ser o forte de pessoas que cantam hino para pneus ou se ajoelham endeusando quartéis, mas a democracia ensina e a Justiça prevalece.
Creio que todas as pessoas públicas, deveriam ler Vitor Nunes Leal e seu “Coronelismo, Enxada e Voto”. Ali, se descreve a triste repetição que somos enquanto sociedade ou como escreveu Millôr Fernandes, o Brasil tem um pelo passado pela frente.
Divisões, polarizações são consequências de movimentos políticos e não devem ser separações, fruto de extremistas hidrófobos. Em síntese, exponho ideias, opino sobre fatos. Critico pessoas, mas não as demonizo. Não as ridicularizo ao extremo de desumaniza-las.
Critica-se a pessoa pública, não a pessoa na sua esfera privada. Desumanizar e se firmar em rótulos de pouca crítica e muita maldade, isto não é liberdade de expressão. O que muitos realmente gostariam é de uma licença para delinquir em proveito de suas paixões e supostas ideologias salvadoras.
Explicações
Nesta quinta-feira (22), Bolsonaro deve depor à Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado. A defesa do ex-mandatário solicitou adiamento do interrogatório sob argumentou que não teve acesso a todo o material da investigação.
O ministro Alexandre de Moraes negou o pedido e manteve a data da oitiva.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.