Ação visa arrecadar itens de higiene pessoal, alimentos, água potável para vítimas das enchentes
“Estamos em guerra climática. É uma guerra contra uma maioria dominante que continua nos levando ao abismo. Uma guerra contra grandes corporações e grandes governos” – o alerta parte da jornalista gaúcha Eliane Brum, e serve para classificar a tragédia em curso em seu estado de origem, Rio Grande do Sul.
Desde a última semana, a localidade sofre com fortes chuvas. Já são contabilizadas 100 mortes e mais de 130 desaparecimentos por conta das enchentes. Há 207,8 mil pessoas fora de casa e estima-se que mais de 1,4 milhão de pessoas já foram afetadas. O estado tem 401 dos seus 497 municípios com algum problema relacionado ao temporal, que é o pior já registrado no estado.
Visando contribuir com as vítimas, poderes públicos e sociedade civil de diferentes regiões do país, bem como comunidade internacional, têm enviado doações. Integrando a rede de solidariedade, nesta semana, o Coletivo de Sindicatos de Londrina inicia campanha “SOS Rio Grande do Sul” para arrecadação de roupas, água potável, alimentos não perecíveis e itens de higiene.
Laurito Porto Lira, diretor de formação do Sindicato dos Bancários e um dos coordenadores do Coletivo de Sindicatos de Londrina, destaca que frente à situação de calamidade pública é necessário a mobilização de todo o país. Além disso, ele evidencia que os setores mais empobrecidos são os mais atingidos.
“A população mais vulnerável e mais pobre é a mais afetada, por isso a importância desta ajuda dos trabalhadores, através dos seus sindicatos”, diz.
Os donativos poderão ser entregues na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Londrina e Região, localizado na Rua Bahia, nº 430, centro da cidade, até esta sexta-feira (10) no período das 8h às 18h.
As agências dos Correios em São Paulo e no Paraná passaram a receber, desde a última segunda-feira (6), doações que serão encaminhadas às vítimas da tragédia, sem nenhuma cobrança aos doadores pelo transporte.
Com a chegada de uma frente fria, a situação pode ficar mais grave. A partir desta quarta-feira (8) estão previstas chuvas com volumes acima de 100 milímetros para algumas cidades e ventos de até 100 km/h.
Racismo ambiental também é pauta
Desde o final da década de 1960, o termo “racismo ambiental” tem se popularizado a fim de nomear processos de discriminação e exclusão aos quais populações mais subalternizadas são submetidas através da devastação da natureza.
O debate denuncia a distribuição desigual dos impactos ambientais entre a população, sendo a camada marginalizada e historicamente invisibilizada a mais afetada pela poluição, por exemplo.
Lira ressalta que a emergência climática também é uma pauta importante para o movimento sindical. “Os sindicatos têm, há muito tempo, tentado dialogar com a sociedade e mostrar a importância de trabalhar com esta questão do meio ambiente. As transformações que o homem vem fazendo, principalmente, após a queda do bloco União Soviética, acentuaram o avanço das políticas neoliberais, ou seja, a destruição do mundo, e isso tem as suas consequências. Efeitos nefastos, principalmente, para a classe trabalhadora seja ela registrada ou autônoma”, observa.
Conforme informado pelo Portal Verdade, Estudo “Injustiça socioambiental e racismo ambiental”, elaborado pelo Instituto Pólis e publicizado pela Agência Pública, observou que, nas capitais brasileiras, a maioria da população que reside em áreas de risco, é negra (relembre aqui).
Tragédia anunciada
Na última segunda-feira (6), o Intercept Brasil revelou que há 10 anos, relatório nomeado “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, emitido pela Presidência da República, já apontava chuvas acentuadas no Sul do Brasil em decorrência das mudanças climáticas. O documento também chamava atenção para a necessidade de sistemas de alerta e de planos de contingência.
Porém, como destaca a reportagem, o estudo foi engavetado. Em 2020, ainda durante primeiro mandato, o governador Eduardo Leite (PSDB) aprovou na Assembleia Legislativa a Lei 15.434. Chamada de “Novo Código Estadual do Meio Ambiente”, a regulamentação suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.
“É o que vemos no Rio Grande do Sul, apesar de diversos alertas, o estado, principalmente, com este viés neoliberal e a ideia de transformar em estado mínimo tem cortado as verbas para atuação da Defesa Civil e mitigar os riscos. As pontes que foram construídas há mais de 50 anos, foram para determinada realidade, e os governos cortando seus investimentos, as políticas para lidar com as questões de chuva, rios, infraestrutura, têm provocado estes desastres”, adverte.
Em setembro de 2023, o Rio do Grande já havia sofrido com enchentes. O Vale Taquari – região que abrange mais de 40 municípios – foi uma das áreas mais atingidas pela chuva à época. Na ocasião, nível do rio chegou a 29,53 metros e 54 pessoas morreram no estado.
“Chove, a rede pluvial não tem capacidade de absorver o volume de água, os rios estão todos assoreados, então, qualquer chuva, alaga, isso é falta de política pública. Os estados cada vez mais entregando a gestão a administração para iniciativa privada, isso vem sendo denunciado há vários anos pelo movimento sindical e a gente não vê a população se sensibilizar. Não é só no Rio Grande do Sul que vemos estes problemas, também em Minas Gerais, litoral paulista, Rio de Janeiro, ano passado também na Bahia com as chuvas e falta de orçamento destinado”, acrescenta a liderança.
Em 2024, os recursos liberados pelo Palácio do Planalto para o Ministério do Meio Ambiente foram 16% menores em comparação ao ano anterior. Em 2023, foram autorizados R$ 4,3 bilhões e, em 2024, estão previstos R$ 3,6 bilhões.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.