Maioria das pré-candidaturas estão vinculadas a partidos progressistas e partem de homens negros gays com maior escolaridade
Primeiro boletim do Programa Voto com Orgulho, publicado pela Aliança Nacional LGBTI+ no final de abril, identificou até agora 150 pré-candidaturas LGBTI+ em todo o país, sendo 132 oriundas de membros da comunidade e 18 de pessoas ligadas à causa da diversidade sexual. Dos 150 pré-candidatos, 147 são para vereadores e três para prefeito.
O número é muito superior ao registrado nas últimas eleições municipais. Em abril de 2016, o contingente de pré-candidaturas não chegava a 30. Até o momento, o estado de São Paulo tem o maior número de pré-candidatos à vereança e prefeitura (34), seguido do Rio de Janeiro (22) e Paraná (14).
A socióloga Anna Júlia Venceslau tem se dedicado a pesquisar a atuação de parlamentares LGBTI+ no país. De acordo com ela, o crescimento é importante para a representatividade dos poderes públicos ao mesmo tempo em que evidencia processos de exclusão historicamente perpetrados.
“É fundamental que as casas legislativas, poderes executivos, judiciário sejam mais diversos, pois se espera que estes espaços atendam demandas da sociedade brasileira que é plural. Mas se considerarmos o universo de mais de 5 mil prefeituras que serão disputadas e cerca de 60 mil vereadores que serão eleitos em todo país, ainda temos muito a caminhar”, avalia.
“A política ainda é um campo majoritariamente masculino, branco, heterossexual, por isso é crucial o desenvolvimento de programas que apoiem candidaturas de outros segmentos. Mulheres, negros, indígenas, comunidade LGBTI+, entre outros. Porém, estas iniciativas não devem apenas ser uma tentativa de demonstrar uma certa adesão às diversidades por parte dos partidos, é necessário ter condições efetivas de concorrer e para isso investimentos de diferentes ordens, desde financeiros a tempo de escuta e construção coletiva, são imprescindíveis”, complementa.
A pesquisadora evidencia, ainda, o papel das candidaturas dissidentes no país que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo por pelo menos 14 anos consecutivos. “Ocupamos este ranking triste, pavoroso e vergonhoso há mais de uma década e não há indícios de melhora do cenário. Com tanta violência e exclusão, o crescimento das pré-candidaturas ganha contornos ainda mais relevantes. É como se dissessem ‘existimos’, ‘estamos aqui’, ‘parem de nos matar’. A disputa do espaço público, as políticas de aparição são processos inerentes para democratização”, indica.
Partidos progressistas lideram adesão
Das pré-candidaturas cadastradas, 46 são filiadas ao PT, 25 ao PSOL, 18 ao PDT, 13 à Rede Sustentabilidade e 13 ao PSB. Dos demais partidos, cinco pré-candidatos são filiados ao PV, seis ao Podemos, cinco ao MDB, quatro ao Cidadania, quatro ao Progressistas, três ao PCdoB, dois ao PSD e ao Solidariedade.
Com apenas uma pré-candidatura estão os partidos Republicanos, AGIR, União Brasil e Partido da Mulher Brasileira (PMB). Do ponto de vista político-ideológico, 94 se identificam como de esquerda, 33 centro-esquerda, 12 centro, sete de extrema-esquerda, dois de direita e dois de centro-direita.
“Historicamente, os partidos progressistas tendem a ser mais receptivos a abrigar reivindicações de grupos marginalizados e a representar suas pautas nos casas legislativas, por exemplo. Mas não podemos desconsiderar que também nestes grupos ocorre a reprodução de preconceitos como racismo, machismo, LGBTfobia. São problemas que perpassam a construção do país e não é exclusividade de um segmento ou outro, embora, a disposição para diálogo e combate são essenciais e reiteradamente observamos esta recusa por parte de partidos conservadores”, avalia.
Somente em 2022, ou seja, mais de 30 anos após a primeira eleição direta decorrente da derrubada da ditadura empresarial-militar, o Brasil elegeu duas deputadas federais trans: Duda Salabert (PDT) e Erika Hilton (PSOL). No total, 18 parlamentares LGBTI+ foram eleitos no último pleito.
Homens negros gays são maioria
Outro dado do primeiro levantamento é que a maioria dos pré-candidatos é composta por negros , com 79 pré-candidaturas (52,7%).
Em relação à identidade de gênero das pessoas cadastradas, 44% são mulheres, entre as 66 pré-candidatas, sendo 28 mulheres cis e 38 mulheres trans e travestis. Os homens cis totalizam 69 pré-candidatos. Há ainda um homem trans pré-candidato e 14 pessoas não binárias. Das mulheres trans, três se declaram pessoas intersexo. Entre as pessoas não binárias, duas também se declararam intersexo.
Quanto à orientação sexual das pré-candidaturas, foram identificados 63 gays, 16 bissexuais, 17 lésbicas, seis pansexuais, duas assexuais, além de 46 pessoas heterossexuais, sendo 29 mulheres trans, 15 pessoas cis aliadas, um homem trans e uma pessoa não binária.
Escolaridade
Em termos de escolaridade, o primeiro boletim parcial apurou que 94 pessoas têm curso superior completo, 27 possui superior incompleto, 22 ensino médio completo, cinco ensino médio incompleto, uma ensino fundamental completo e uma fundamental incompleto. Das pessoas cadastradas com curso superior, 28 têm especialização, 14 mestrado e cinco doutorado.
A participação no Programa Voto Com Orgulho é voluntário e individual e pode ser feito neste endereço (clique aqui). Os resultados finais devem sair até julho.
O Programa Voto Com Orgulho – Eleições Municipais foi criado em 2020 visando acompanhar e monitorar a participação de candidaturas LGBTI em todo território nacional. A plataforma busca, ainda, divulgar propostas para legislativo e executivo municipais, combater notícias falsas e discursos de ódio.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.